ANÁLISE SOBRE O JULGADO N.º 91.952-9/SP E A SÚMULA VINCULANTE N.º 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Por: mateusportal • 6/6/2018 • Dissertação • 2.750 Palavras (11 Páginas) • 264 Visualizações
2 ANÁLISE SOBRE O JULGADO N.º 91.952-9/SP E A SÚMULA VINCULANTE N.º 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Até o ano de 2008, carecia no ordenamento jurídico brasileiro disposição regulamentado o uso das algemas, a qual, segundo o artigo 199 da Lei de Execuções Penais deveria ser disciplinado por decreto federal. A única previsão acerca do tema, encontrava-se contida na Instrução da Aviação Civil 2504, editada em 1988 pelo Departamento de Aviação Civil, a qual recomendava em seus itens 4 e 5:
4 – Quando conduzindo prisioneiros, o embarque, marcação de lugares e desembarque devem ser feitos de acordo com as instruções dos integrantes do DPF os quais decidirão se desejam o embarque antecipado e desembarque prioritário, bem como, quais os assentos mais convenientes no avião. 5 – Caso o prisioneiro seja transportado com algemas esta situação deverá, se possível, ser encoberta.
Em face da exiguidade legislativa, o uso das algemas figurou como tema de debates perante o Supremo Tribunal Federal foi no ano de 2007, quando no Habeas Corpus 89429, de Relatoria da Ministra Carmen Lúcia, no qual os componentes da Corte se posicionaram no sentido de que o instrumento não deve se dar de forma arbitrária, mas sim em casos excepcionais.
Contudo, em 07 de agosto de 2008, ao julgarem novo Habeas Corpus, de n.º 91.952-9/SP, o Pretório Excelso entendeu por redacionar Súmula regulamentando a matéria. Daí, portanto, sobreveio a Súmula vinculante n.º 11, segundo a qual:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Antes de tecer maiores considerações sobre o tema, é de bom alvitre mencionar que o Habeas Corpus que culminou com a criação da súmula supracitada tinha como objeto a anulação de sessão plenária onde o paciente foi mantido algemado por “a segurança do Tribunal ser realizada por apenas dois policiais civis”. Na ocasião do julgado, os Ministros entenderam que a manutenção das algemas no réu, sobre o qual, aparentemente, não recaia qualquer excepcionalidade que demandasse o uso do instrumento, feria os princípios da não-culpabilidade e da dignidade da pessoa humana. Ainda, além de ser realizada uma análise acerca do posicionamento legislativo ao longo da história, também foi salientado que a algemação do réu gera induzimento de periculosidade e, portanto, quando praticada de forma despótica, configuraria um estado de exacerbação.
No entanto, a edição da súmula gerou fortes discussões e críticas. Por um lado, há quem defenda que o uso das algemas deixou de ser meio preventivo para reações contra a prisão, incumbindo a autoridade realizar uma verdadeira previsão sobre a conduta e periculosidade do segregado:
(...) o magistrado não tem como adquilatar a periculosidade do agente criminoso no momento da prisão. Pode fazê-lo na decisão que determina a prisão temporária, mas não terá elementos concretos, por falta de juízo de antecipação fática, para prever como o preso irá se portar no ato de leitura do mandado de prisão. [1]
De outra parte, também houveram críticas positivas sobre o tema, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal regulou a atuação estatal, a qual deve se dar em atenção à indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica, sendo que “esses três requisitos essenciais devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física assim como, quando o caso, de algemas[2].
Consoante se depreende, a súmula foi editada com lastro em caso envolvendo o julgamento perante Tribunal do Júri, onde, segundo os próprios Ministros afirmaram, o prejuízo gerado pelo uso das algemas é notório, haja vista que seu julgamento seria realizado por pessoas comuns, as quais poderiam restar influenciadas pela figura do acusado algemado.
Ocorre, contudo, que não foi explicitado pela Corte Superior de que forma um ato realizado perante o Juízo Comum poderia estar eivado de nulidade pelo fato de o réu ser mantido algemado, ou, tampouco, como esta nulidade acarretaria efetivamente na anulação do ato.
3 Classificação dos vícios processuais
Com efeito, o processo penal é composto por diversos atos jurídicos internos e externos que se encontram encadeados, sendo que, todo o defeito sobre tais atos originam uma nulidade[3].
Melhor esmiuçando o tema, Norberto Cláudio Pâncaro Avena[4] preleciona que em face de sua natureza eminentemente instrumental, o processo penal possui procedimentos que devem ser seguidos sob pena de sobrevirem vícios. Nesta senda, a nulidade processual, consiste em vício oriundo da inobservância das exigências legais que invalidam, em todo ou em parte, o processo[5].
Esmiuçando, mais ainda, o conceito de nulidade, porfia-se que esta consiste em um “defeito jurídico processual que, originário da falta de ato essencial ou de formalidade essencial, pode, cumpridas certas condições, acarretar a ineficácia de ato, de atos ou de todo o processo”[6].
Ao conceituar a nulidade em sua obra, o doutrinador Renato Brasileiro de Lima vincula o instituto ao conceito de tipicidade, referindo que, em sede processual:
(...) a tipicidade corresponde à ideia de que o ato processual deve ser praticado em consonância com a Constituição Federal e com as leis processuais penais, assegurando-se, assim, não somente às partes, como a toda a coletividade, a existência de um processo penal justo e em consonância com o princípio do devido processo legal.[7]
O Código de Processo Penal traz um título tratando exclusivamente das nulidades, expondo em seu artigo 564 hipóteses exemplificativas de atos capazes de gerarem vícios na relação processual. Ainda, o Codex preleciona em seu artigo 563 que “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”, ressalvando no dispositivo 566 que “Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”[8]
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