Kafka Direito Processual
Por: Marina Vilas Boas • 6/9/2015 • Dissertação • 1.209 Palavras (5 Páginas) • 320 Visualizações
Nesta obra ele relata a história de Josef K., bancário que ao acordar no dia de seu aniversário de 30 anos se vê detido de forma arbitrária, a fim de responder um processo judicial do qual não sabe o motivo, movido por uma justiça corrupta e burocrática. Embora detido, fica autorizado a viver sua vida normalmente, exercendo suas atividades diárias como se nada estivesse acontecendo, somente tendo que comparecer esporadicamente a um Tribunal que chega a ser surreal de tão inconcebível.
Nesse fantástico e irritante cenário, o julgamento de Josef K prossegue sem que ele sequer tenha meios de indagar sobre tudo o que acontece, que o tolhe, de maneira que lhe resta suportar uma culpa que desconhece, observando a sua defesa ser desgastada aos poucos. Afinal o acusado, Josef K desconhece o crime, o acusador, as testemunhas, e todos os outros possíveis interessados no caso concreto?
Durante seu processo alguns se manifestam a favor de Josef, mas, são gritos vãos, como os de alguns que estavam no tribunal de acareação que inutilmente bradam “Bravo!”, sem sucesso, sem alcançar êxito em sua tentativa de auxílio, pois são fracos, menores, não combatendo aqueles que detêm o poder. Comparando com a Constituição Federal Brasileira de 1988, que veta os castigos cruéis e degradantes (artigo ), ocorre no capítulo V, O Açoitador, no qual narra o açoitamento de alguns rapazes que, subjugados, nada podem fazer para defender-se, um exemplo claro e abuso de autoridade.
Kafka menciona a preocupação de Josef ao ouvir do pintor Titorelli que provavelmente era inocente, pois, Josef já duvidava até da possibilidade de sua inocência. Pensar nisso deixava Josef inquieto (página 108). É ofuscante ao homem ter de conviver com a dúvida, a incerteza que se pode ter para com a justiça. Kafka questiona direta e indiretamente o ‘onde está a justiça’: “Onde estava o juiz que ele nunca tinha visto? Onde estava o tribunal que ele nunca alcançara? Levantou a mão e estendeu os dedos.” (página163).
‘O Processo’ no trecho abaixo faz uma crítica a burocracia e a indiferença do Estado:
“(...) não há dúvida nenhuma de que por detrás de todas as aparências desta justiça e, no meu caso, para lá da prisão e do interrogatório de hoje, se encontra uma grande organização. Uma organização que não utiliza unicamente guardas venais, inspetores e juízes de instrução idiotas, indigitados apenas para o mais simples dos casos, mas que também sustenta juízes de elevada categoria, servidos por inúmeros e inevitáveis criados, escribas, polícias e outros auxiliares, talvez mesmo carrascos, emprego esta palavra sem qualquer receio. E, meus senhores, qual é o sentido desta grande organização? Não é outro senão o de prender pessoas inocentes e de contra elas instruir um processo absurdo e, na maior parte das vezes, como no meu caso, improfícuo. Como é que numa conjuntura tão absurda se pode evitar que os funcionários fiquem corruptos? E impossível; nem sequer o mais eminente juiz conseguiria escapar à ação dissolvente do meio. É por isso que os guardas procuram roubar as roupas aos presos, é por isso que os inspetores se introduzem abusivamente nas casas de cada um, é por isso que se prefere aviltar os inocentes em frente de assembléias inteiras a interrogá-los. Os guardas não falaram senão em depósitos para os quais se levam os bens dos presos. Gostaria bastante de ver esses depósitos onde os haveres que os presos adquiriram à força de tanto trabalho apodrecem, caso não sejam roubados por funcionários sem escrúpulos.” (página 35).
Num segundo momento o seu desconforto com a sociedade que a seu ver é, na sua maioria, sem se importar com a dor alheia. O fato de ele ser um possível condenado assombra a muitos. Difícil não comparar com a realidade, onde aqueles que sofrem o peso da lei, perdem a dignidade. Ex-detentos e até mesmo os que não chegaram a ser condenados, sofrem grande dano moral, nunca mais em suas vidas terão seus “nomes limpos”.
Inquietantes os momentos nos quais o personagem se vê tolhido de direitos subjetivos. Josef se depara com situações que necessitariam de uma atitude mais enérgica, porém, acaba agindo de forma indolente, tudo por causa de sua consciência “ferida” além da dor de não conseguir estabelecer qual a sua culpa real. Um jogo psicológico que vai definhando as forças de Josef, ele desiste e é assassinado sem lutar e sem saber o porquê, nem por quem. Do princípio ao fim Josef comporta-se como se fosse culpado, questionando quem o acusa e não a causa, então lhe parece mais lógico saber quem é o acusador para então entender o seu crime. Para justificar legalmente seus atos procura-se o Estado (Princípio do Devido Processo Legal, do Contraditório, da Ampla Defesa e Inafastabilidade da Jurisdição) e se este se esconde perde-se o chão; o homem, abaixo e o Estado (autoridade), acima e inalcançável.
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