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A Assembleia Popular

Por:   •  9/11/2019  •  Trabalho acadêmico  •  4.631 Palavras (19 Páginas)  •  262 Visualizações

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“pensar global, agir local”:

uma análise sobre as Assembleias Populares a partir de um estudo de caso

Lisboa,

2013


Apresentação

        O trabalho a seguir diz respeito ao aparecimento recente das Assembleias populares em várias cidades do país, como espaço de reunião e debate público que visa dar resposta ao contexto actual de crise económica e social. Escolhemos o método do estudo de caso para dar a ver um panorama de ideias comuns que atravessam a participação dos cidadãos a nível local, tendo em conta o seu envolvimento na vida quotidiana dos bairros, e as propostas mais ou menos realistas de transformação de hábitos e práticas. Assim, escolhemos a Assembleia Popular do bairro da Graça, em Lisboa, constítuida desde Novembro de 2011, como exemplo de um trabalho regular e persistente que procurámos acompanhar nos últimos meses, quer frequentando as reuniões semanais, quer através de entrevistas e/ou participando nas iniciativas que promovem no bairro (mercado de trocas, passeios a pé, discussões com os moradores, etc). Procuramos com este trabalho dar conta da dinâmica desta Assembleia relacionando-a com os valores da autonomia e participação cívica, tentando perceber até que ponto eles podem efectivamente transformar a realidade das pessoas e constituir assim uma alternativa válida ao poder dominante.

Desde os anos 90 que este fenómeno começa a ganhar força, quando determinados sectores da sociedade civil começam a organizar-se no sentido de buscar alternativas à ausência de participação democrática e ao descrédito nas instituições do Estado e na sua mera representação política.  

Podemos assim definir Assembleia Popular como um espaço plural feito a várias vozes  que não se limita a contestar a situação política mas também se propõe criar uma alternativa consensual que  saiba confrontar os mecanismos de controlo do Estado.

O processo que levou à criação destas assembleias teve origem nos movimentos sociais que sucederam à "primavera árabe", e inspirou-se sobretudo no 15M espanhol mais conhecido como movimento dos indignados. Vamos rever esses acontecimentos:

A tragédia pessoal de Mohamed (vendedor ambulante de frutas e verduras na Tunísia que, desesperado por não conseguir uma licença para trabalhar na rua, ateou fogo ao próprio corpo) desencadeou os protestos que acabaram por provocar uma onda revolucionária que dura até hoje. Eles começam com o suicídio de Mohamed em Dezembro de 2010 na Tunísia, e espalham-se pelo mundo árabe,  do norte de África até ao Médio Oriente. Trata-se de países que viveram durante décadas sob ditaduras apoiadas pelo Ocidente, acusadas de violações constantes dos direitos humanos e de impôr severas restrições da liberdade de expressão, e as suas populações têm convivido com altos índices de desemprego e pobreza, apesar das elites dirigentes acumularem fortunas.

Os protestos têm compartilhado técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios, bem como o uso das mídias sociais, como o Facebook, Twitter e Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional face às tentativas de repressão e de censura na Internet por parte dos Estados. Assim, é a partir de um evento do Facebook e de um blog criado por um grupo de amigos (Alexandre Carvalho, António Frazão, João Labrincha e Paula Gil) que se mobilizam em Portugal os cidadãos para sairem à rua no dia 12 de Março de 2011. As manifestações contra as medidas de austeridade impostas pelo governo acontecem em cerca de dez cidades do país, e são as mais expressivas desde a Revolução dos Cravos.

        Depois os protestos de 15 de Maio de 2011 na Espanha, chamados por alguns meios espanhóis de Movimiento 15-M, Indignados e Spanish revolution, são inicialmente organizados pelas redes sociais e idealizados pela plataforma civil e digital ¡Democracia Real Ya!, que obteve nesta fase inicial o apoio de mais de duzentas pequenas associações. A convocação dá-se em 58 cidades espanholas juntando cerca de 130,000 pessoas, mas é na cidade de Madrid que os manifestantes decidem acampar na praça Puertas del Sol, motivando vários confrontos com a polícia e chamando assim a atenção para as reivindicações políticas, econômicas e sociais heterogêneas, reflexo do desejo dos seus participantes de mudanças profundas no modelo democrático e econômico vigente.  Ao mesmo tempo em Portugal é ocupada no dia 20 de Maio a praça D.Pedro  V em Lisboa, no Rossio, dando início a uma acampada que dura cerca de 11 dias, e onde são diariamente organizadas Assembleias populares para discutir estas ideias.  Semelhante fenómeno ocorre no Porto, na Praça da Batalha, e em Aveiro, Coimbra ou Barcelos onde as assembleias populares continuam ao longo do mês de Junho. O 15 de Maio estendeu-se assim a muitos outros locais da Europa e do globo, inspirando movimentos posteriores como o Occupy Wall Street em Setembro de 2011 , ou a criação das Assembleias de discussão e participação popular que analisamos aqui. Trata-se de perceber que não são só os problemas que são globais, mas também as mudanças, na medida em que esta nova consciência global permite também agir localmente de uma forma mais articulada e consequente.

        A assembleia popular da Graça surge então em Novembro de 2011, da vontade dos habitantes, trabalhadores, simpatizantes do bairro da Graça e suas imediações para "agir e reflectir como comunidade face à situação actual do país. Acreditamos que temos de intervir como cidadãos, no sentido de melhorar a qualidade de vida do nosso bairro e de criar alternativas a um sistema que não interpela a nossa voz de participação... Propomos que a população se junte para se conhecer, estabelecer elos e construir soluções adaptadas às necessidades à nossa volta. A volta ao mundo vem a seguir." (http://assembleiapopulardagraca.wordpress.com)

        Assim, a primeira reunião tem início no Jardim da Graça a 14 de Novembro de 2011, e discutem-se ideias como as parcerias com as entidades locais como as Escolas na Penha da França, o Centro Desportivo, o Grémio Operário, ou a Academia de música. Também se discutem propostas de nome para o jornal de parede que irá divulgar as actividades da assembleia, e a sua concepção gráfica e estrutura. Dão-se sugestões para a tradução de artigos internacionais e fala-se das próximas actividades e acções como a preparação da manifestação de 24 de Novembro (elaboração dos cartazes, aquisição de sprays, divisão de tarefas, etc). Estabelece-se o lugar da próxima reunião: de novo o jardim se não chover, ou o Botequim do Largo da Graça se chover.

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