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Discussão Sobre Família

Por:   •  4/11/2017  •  Ensaio  •  1.661 Palavras (7 Páginas)  •  193 Visualizações

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Virgínia Lourençon

Discussão sobre Família

        Num primeiro momento, antes dos anos 70, com o deslocamento e estudos antropológicos em outros contextos, dava-se mais ênfase ao estudo de parentesco como ponto de partida para outras análises. O parentesco é um objeto fundamental da Antropologia, próprio da sua constituição como disciplina. As monografias clássicas da Antropologia acabam sendo monografias sobre o parentesco (Sarti,1992:70). Por outro lado, outros antropólogos notavam outras possibilidades de análise, como é dos temas que circundavam a família quando se tratava de sociedades complexas. Nesse sentido, pode-se destacar dois movimentos diferentes: o primeiro, com estudos que focavam os parentescos das sociedades tidas como tribais; no segundo, com estudos das chamadas sociedades complexas, nas quais se dava ênfase ao tema da família, como aponta Claudia Fonseca:

As mudanças que ocorriam na disciplina no final dos anos 70 eram dramáticas. Antropólogos estavam sendo expulsos de seus territórios tradicionais pelas guerras anti-colonialistas e, ao se ver “repatriada”, a Antropologia passava por profundas alterações. Até então, havia um entendimento implícito na disciplina de que a noção de parentesco [...] era mais adequada para sociedades tribais, enquanto que “a família” era o termo mais relevante no estudo de sociedades complexas. (2003, p. 18 e 19)

 

        Com a década de 70, como aponta Fonseca nesse mesmo excerto, novas abordagens ganhavam força não por acaso, mas por uma série de eventos e debates que passaram a apontar para novos campos analíticos, ao mesmo tempo em que outros eram revisitados a luz desses.  Muitos teóricos, como a própria Cláudia Fonseca e Martine Segalen (1999), destacam essas mudanças associadas, principalmente, as conquistas da segunda onda feminista que levaram, por exemplo, ao aumento do número de divórcios, a diminuição da natalidade e do número de casamentos, maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, entre outras. Por outro lado, associadas justamente a essas conquistas, estão os debates que estavam em curso nos anos 70: discussões feministas que não se canalizavam somente no debate sobre os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres e a relação desigual existente, como na primeira onda feminista, por exemplo. A chamada condição feminina começa a ser olhada de outra forma, ganhando fôlego, com mais clareza, um processo de transição conceitual e de imagem: aquilo que poderemos chamar a passagem de uma noção de mulher-natureza, condicionada pelas suas funções biológicas e por um destino específico, para uma concepção de mulher-indivíduo (Torres, 2010:91). E não somente assuntos como esses começavam a ser colocados em pauta: com as transformações das famílias e dos sujeitos que as compunham, outros temas ganhavam força, como é o caso, por exemplo, da reprodução, uma vez que a noção de família nuclear composta por pais heterossexuais e filhos biológicos estava sendo colocada em cheque.

        Portanto, na década de 70, conhecida como a do silenciamento no que diz respeito a temas como da família, passou-se a debater novas formas de estudar e pensar a família através das discussões feministas. A obra de David Schneider de 1984, Critique of the study of kinship, é tomada por estudiosos como aquela que levanta as principais demandas da época, embora outro livro já tivesse sido publicado pelo mesmo autor (American kinship: a cultural account, de 1968) e no qual já se abordasse, mesmo que incialmente, algumas questões:

O [...] conceito de parentesco, calcado em símbolos de sexo e sangue, era produto do etnocentrismo ocidental. Ao sugerir que os cientistas sociais projetavam os valores de sua própria sociedade para categorias supostamente universais de análise, Schneider apetou o botão de “pausa” da agenda científica. (2003, p. 17).

        Desta forma, a rediscussão da família fica silenciada, não por falta de temas a serem debatidos, mas porque o olhar estava sendo aprofundado e, por conseguinte, era preciso olhar com cuidado as categorias que estavam sendo mobilizadas para se pensar o campo. Assim, concomitante a obra de Schneider, outras ascendiam questionamentos na mesma direção, como é caso de Sylvia Yanagisako (1978) quando discutiu a maneiras como os japoneses residentes nos Estados Unidos pensavam as relações de parentesco e Marilyn Strathern (1981), em Kinship at the Core, quando lançou críticas a maneira que se construiu o estudo de parentesco britânico até aquele momento. Segundo Fonseca (2003), esse e essas antropólogas, a partir de um alinhamento na crítica que fizeram, acabaram por dar início a um movimento teórico: a “transpolinização” de ideias entre os campos de gênero e parentesco. Diante disso, uma série de outros debates vão se delineando: desde o questionamento da ideia de “uma mulher universal” até o debate sobre a relação mãe-filhos.

        Portanto, o que se tem são três movimentos dentro do cenário em que se discutia parentesco e família: primeiramente, a separação entre essas duas formas de estudos justamente por compreensões diferentes no que se referiam as sociedades tribais e complexas. Num segundo momento, as discussões eram pautadas pelos debates feministas e que se preocupavam em denunciar a desigualdade entre os papeis sociais desempenhados pelos sexos, bem como, num segundo momento dentro desse período, em tomar a figura da mulher não mais como complementar ou relacional a do homem, mas como a mulher-indivíduo. Já o terceiro movimento se dá justamente em torno da década de 70, quando Schneider, Yanagisako e Strathern passam a lançar luz a preocupações vistas como anteriores a estes debates, uma vez que as categorias ocidentais estavam sendo colocadas em pauta. Daí o silenciamento que Fonseca fala: tomar o parentesco dos próprios pesquisadores como objeto de estudo implicava portanto em repensar os termos da ciência acadêmica (Fonseca, 2003:19). Diante disso, pergunta-se: como estudar o parentesco? Para Fonseca (2003), duas respostas diferentes são oferecidas pelos antropólogos: a primeira diz que “rejeitar o uso de determinada categoria não implica eliminar todos os fenômenos que antes caíam nessa rubrica de nossa agenda de pesquisa”, enquanto a segunda: “devemos estudar parentesco principalmente para não repetir que o senso comum invada mais uma vez o campo, impondo visões naturalizadas e moralistas da família humana”.

        Outro questionamento também é suscitado: levando em consideração a separação entre os estudos de parentesco e sobre família e também a reorganização das categorias mobilizadas para tratar também da família, como toma-la como objeto de análise? Fonseca (2000), no capítulo Aliados e Rivais, oferece uma possibilidade metodológica quando trata de sua experiência na Vila do Cachorro Sentado: definir categorias analíticas residenciais através do trabalho de campo e, por meio delas investigar como se completam, quando e por que um grupo doméstico se transfere de uma categoria para outra, é enfocar o sistema familiar – como processo (Fonseca, 2000: 62). Assim, o processo se dá a partir da construção das categorias e dinamização delas. Ou seja, a partir do trabalho de campo se tem as categorias analíticas, mas os grupos domésticos são dinâmicos e as categorias, por consequência, precisam abarcar essa dinamização.  

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