A ANTROPOLOGIA DA CRIANÇA
Por: PathyCust • 27/8/2022 • Ensaio • 2.432 Palavras (10 Páginas) • 134 Visualizações
Licenciatura em Pedagogia
Antropologia da Criança – Clarice Cohn
Introdução
Embora seja comum encontrar crianças nas sociedades de todos os tempos, sua conceituação nunca foi algo simples de se fazer. Cohn (2005) apresenta em sua obra a criança como a “[...] tabula rasa a ser instruída e formada moralmente, ou o lugar do paraíso perdido, quando somos plenamente o que jamais seremos de novo” (pg. 7); as imagens feitas acerca de seu significado a diferencia do adulto.
É necessário enxergar a criança através da perspectiva da própria criança, não mais pela visão do adulto e, a antropologia é uma ciência que “[...] se dedica a entender o ponto de vista daqueles sobre quem e com quem fala, seus objetos de estudos” (COHN, 2005, p.8), se atém aos acontecimentos socioculturais, considerando portanto o infante um “sujeito social” (idem, 2005, p.11 - grifos do autor).
A antropologia possibilita novas pesquisas e descobrimentos acerca do universo infantil.
Estudos pioneiros em antropologia
Os principais estudos sobre a antropologia da criança surgiram entre as décadas de 20 e 30 por antropólogos norte-americanos como Margaret Mead, também formada em psicologia, pertencentes a escola naturalista de Franz Boas. Seus traçavam uma comparação entre as crianças e os adolescentes presentes em seu meio social em oposição aos costumes daqueles encontrados em outras sociedades, comparando assim ambas as culturas. Cohn (2005) explica que a cultura se define por aquilo que é repassado do mais velho para o mais jovem dentro de uma sociedade, ao que se refere ao comportamento do homem, cultural corresponde a particular, nature ou inato, enquanto natural é universal, nurture ou adquirido.
Os primeiros estudos da antropóloga Mead dedicaram-se a análise do adolescente em várias sociedades e seus diferentes conceitos, mostrando que em cada cultura o conceito de adolescência e de criança variam. Com isso, concluiu-se que os adolescentes americanos eram mais rebeldes que os de Samoa devido a liberdade que estes últimos tinham e sua cultura homogênea. Logo seguiu observando crianças em seus momentos do dia a dia e seus relacionamentos interpessoais com aqueles que as cercavam, registrando os momentos de sua pesquisa agora presentes no livro “Balinese Character: A Photographic Analysis (A personalidade balinesa: uma análise fotográfica)” lançado em 1942.
Os antropólogos culturalistas deram maior atenção ao desenvolvimento da personalidade infantil, fazendo com que se delimitasse quais aptidões a criança tinham que desenvolver para a idade adulta que era possuir a personalidade ideal, e para isso, até mesmo a forma como foi acalentado na hora que o bebê de dormir tem relevância.
Depois dos culturalistas, a Escola Estrutural-Funcionalista teve início com o antropólogo britânico Radcliffe-Brown; diferente da escola anterior que idealizava a formação da personalidade humana, esta visava “as práticas e o processo de socialização dos indivíduos” (COHN, 2005, p. 15 – grifos do autor).
Os estudo estrutural-funcionalista estabelecem a função e relação sociais atribuídos aos sujeitos na sociedade, todavia, a criança não participa ativamente nesse processo, sendo apenas receptores das condutas sociais que terão que adotar somente quando cenário exige. Um trabalho realizado em Hong Kong, pela antropóloga Barbara Ward observou que o choro infantil por birra não possui efeito, uma vez que não simboliza necessidade de cuidados, embora isso não signifique que não receberá os cuidados gerais para seu desenvolvimento global.
Observa-se que no Brasil essas duas escolas também atuaram na mesma época, porém os estudos culturalista predominou, exemplo dos pioneiros Egon Schaden e Florestan Fernandes na observação de crianças indígenas, buscaram a personalidade ideal por meio da repetição, homogeneização cultural e certeza da função do infante como seres imaturos na sociedade a qual pertence. O trabalho realizado evidenciava a cultura, a aprendizagem de novas habilidades e competências e a construção de personalidades com a introdução de novos costumes; “essas análises pressupunham um fim último e uma imutabilidade do processo estudado e conhecido pelo pesquisador, marcado que estava pela reprodução social e transmissão cultural” (COHN, 2005, p. 18).
Uma nova antropologia da criança
Em 1960 surge, enfim, uma nova antropologia da criança, modernas formas surgem para se estudar o mundo infantil por meio de ferramentas próprias que estabelece a definição de cultura, sua agência, as relações e ações sociais, nesse momento, deixa-se de se ligar a cultura a costumes, crenças ou valores, mas aquilo que configura, que forma cada um desses conceitos. Esses sentidos se consolidam ao utilizar os recursos simbólicos para possibilitar que haja a compreensão e compartilhamento de experiências. O sistema simbólico faz parte do cotidiano de todos os seres humanos e eles as utilizam, produzem e compartilham sem nem ao menos perceber. “Assim, um texto, uma crença, ou um valor da vida em família podem mudar, sem que isso signifique que a cultura mudou ou se corrompeu” (COHN, 2005, p. 20).
Igualmente acontece na sociedade, e quando estudado suas características, valores, sistemas simbólicos, estrutura, produção e afins, estamos estudando a atuação do sujeito na sociedade, pois é justamente o homem o protagonista do meio social, interpretando seus papéis enquanto subsistir em sociedade.
A criança e a infância
Diferente da visão de décadas passadas, na antropologia a criança não é vista como um ser incompleto, que precisa aprender novas e diferentes habilidades para chegar à vida adulta com a personalidade ideal. Philippe Ariès apresenta o conceito de infância conhecido na contemporaneidade, trata-se de uma concepção de cunho social e histórico Ocidental. Ela varia conforme o contexto social na qual atua.
O conceito de infância é relativamente novo, foi desenvolvido ao decorrer do tempo na Europa conforme se formava o ideário de família, a definição de maternidade, paternidade e a criação das escolas. Surge então o sentimento de infância, não como uma sensação, mas sim um sentimento acerca de características da infância, como a cisão estabelecida entre as experiências sociais da criança e do adulto.
O significado de infância não é universal, difere entre as sociedades, podendo variar em múltiplos aspectos, em questões como seu início e fim, diferentes contextos socioculturais, dentre outros. Cabe portanto a antropologia da criança assimilar todas essas diferenças.
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