CRIME E CASTIGO: UMA ANÁLISE DA PERSONAGEM RASKÓLNIKOV PELA LENTE DO EXISTENCIALISMO SARTRIANO
Por: Dainara Melo • 11/5/2022 • Artigo • 3.183 Palavras (13 Páginas) • 8 Visualizações
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CRIME E CASTIGO: UMA ANÁLISE DA PERSONAGEM RASKÓLNIKOV PELA LENTE DO EXISTENCIALISMO SARTRIANO
DAINARA CRISTINA DE MOURA MELO
NATAL, 2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CRIME E CASTIGO: UMA ANÁLISE DA PERSONAGEM RASKÓLNIKOV PELA LENTE DO EXISTENCIALISMO SARTRIANO
Trabalho final da disciplina Psicologia Humanista
Existencial do semestre 2020.2, ministrada pelas
professoras Dra. Ana Azevedo, Dra. Cynara Abreu e
Sra. Symone Melo.
DAINARA CRISTINA DE MOURA MELO
NATAL, 2021
INTRODUÇÃO
Surgido na Europa, em meados dos séculos XIX e XX, o existencialismo é uma doutrina filosófica que emergiu como uma crítica aos pensamentos vigentes na época de seu surgimento, de maneira que resgata concepções dos estoicos e epicuristas a fim de estudar o homem. Dessa maneira, é imprescindível ressaltar como é necessário abordar o existencialismo como um plural de ideias, devido as vastas concepções de cada filósofo acerca do homem e seu lugar e papel no mundo.
Dentre os existencialismos, o pensamento de Sartre, fundamentado na liberdade que precede o homem em uma perspectiva ateia, na responsabilidade e angústia que surgem a partir da susodita liberdade – entre outras ideias sobre a condição humana –, foi essencial para a constituição de uma doutrina filosófica tão abrangente como o existencialismo.
Diante isso, baseando-se das ideias de Sartre supracitadas, será feita a análise da obra Crime e Castigo (2009), do autor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), examinando, principalmente, como a personagem protagonista do romance, Rodion Românovitch Raskólnikov, ainda que descrito como niilista, pode ser observado pelas lentes do existencialismo sartriano, diferente da interpretação costumada da obra. Ao narrar o crime cometido pelo então ex-estudante Raskólnikov, Dostoiévski descreve as consequências desse ato bárbaro e como o protagonista lida com sua escolha, levando o leitor por uma jornada de acontecimentos reais e delírios até o desfecho do crime cometido.
O estudo será realizado por intermédio da exposição das ideais do existencialismo de Sartre, junto a exposição de trechos e situações do romance Crime e Castigo (2009) que dialogam com as concepções apresentadas.
DESENVOLVIMENTO
2.1 Liberdade em Sartre
O pressuposto da liberdade é um conceito fundamental para o existencialismo sartriano, de modo que, ao construir uma filosofia de base ateísta, Sartre, diferente de outros filósofos existencialistas, estabelece a inexistência de um Deus e a solidão do homem na terra, como uma condenação que é dada pelo seu estado de liberdade. Livre para fazer suas escolhas, incluindo omitir-se delas como sendo uma, o indivíduo torna-se responsável por toda sua ação no mundo, cada escolha impacta não somente sua vida particular, bem como a construção do social, em que ele, simultaneamente, é impactado sobre.
Dessa forma, fica evidente o quanto a autonomia da escolha está a atravessada por toda a filosofia de Sartre. A responsabilidade e o peso da eleição de cada uma de suas atitudes no mundo, é característica da realidade de um homem que é sujeito da própria história e da história da humanidade. Nessa lente, faz-se necessário mencionar o que o filósofo escreve a respeito da visão de homem e o quanto o contexto no qual ele está inserido influencia nas escolhas que ele há de fazer, Sartre (1970) destaca que “o homem faz-se; ele não está pronto logo de início; ele se constrói escolhendo a sua moral; e a pressão das circunstâncias é tal que ele não pode deixar de escolher uma moral.” (p. 15)
2.1.1 A Liberdade e Escolha em Crime e Castigo (2009) na personagem Raskolnikov
Durante os primeiros capítulos da obra de Dostoiévski, é apresentado ao leitor, ainda que usando um narrador em terceira pessoa, uma visão profunda acerca dos pensamentos da personagem protagonista. Seu conflito interno acerca do planejamento do seu crime, todas as justificativas – que são mais desenvolvidas adiante no romance – que ele próprio elabora para si, mostram um jovem que tem consciência da própria liberdade e impacto de suas ações, em que o estado colérico da própria existência o leva as escolhas que comandam o enredo da obra.
Raskolnikov planeja seu crime mês adiantado, para ele, a razão deve estar acima de qualquer sentimento quando se trata de chegar a um fim estabelecido por si. Vê-se a personagem ter pensamentos acerca do refinamento de sua própria escolha, que antes era apenas uma possibilidade fruto de suas divagações, mas após encarar a realidade precária de sua mãe e irmã – revelada por uma carta da primeira –, bem como a dele mesmo, a
possibilidade de tornar seus planos reais até mesmo o surpreende, como visto enxerto a seguir:
Nessa época nunca supusera que tal ideia viesse a tomar corpo e a fixar-se. Limitara se a acariciar no seu íntimo uma utopia duplamente pavorosa e irresistível. Todavia, passado um mês, começara a ver as coisas sob outro aspeto. [...] Conquanto nos seus solilóquios se lamentasse da sua pouca energia e irresolução, tinha-se, no entanto, habituado a pouco e pouco, mau grado seu, a julgar possível a realização dessa sonhada quimera, a despeito de não confiar ainda muito em si. Ia agora precisamente repetir o ensaio do seu projeto e, a cada passo que dava, sentia-se mais e mais dominado por uma forte agitação. (Dostoiévski, 2009, pp. 9)
Diante disso, é importante mencionar o supracitado trecho do filósofo francês, em que ele aborda a inevitável escolha de uma moral, que dialoga primorosamente com o conflito de Raskolnikov citado acima, de maneira que, de acordo com Sartre (1970) “o homem escolhe o seu engajamento e o seu projeto com toda a sinceridade e toda a lucidez, qualquer que seja, aliás, esse projeto, não é possível preferir-lhe outro” (p. 15).
Ainda que tivesse sua mente certa em bárbara ação, Dostoiévski criou uma personagem muito complexa e humana que lidava, na própria mente, com as consequências que sua ação podia causar, a dúvida e incerteza aparecem justamente pela clareza de que um ato ocasiona um impacto, anteriormente mencionada na filosofia sartriana. Observa-se:
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