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Alfabetizaçao

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Por:   •  24/12/2013  •  Seminário  •  9.565 Palavras (39 Páginas)  •  259 Visualizações

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PARTE 1

ALFABETIZAÇÃO

1

Revisitando os métodos de alfabetização

Tempo de aprender a ler

Costumo perguntar a meus alunos e aos professores com quem trabalho como foi que aprenderam a ler. A menos que tenha sido um tempo difícil, de sofrimento e fracasso, geralmente não se recordam de grande coisa. Guardam imagens vagas: um rosto de professora ou a figura da mãe que se anteci¬pou a escola, ensinando as primeiras letras; uma cartilha cujo nome esquece¬ram, raramente uma travessura ou uma tristeza adormecida.

Se a maioria das pessoas parece incapaz de explicar como foi sua alfabe¬tização, por sorte, alguns escritores se lembram.

Ana Maria Machado aprendeu a ler muito cedo, decifrando jornais, com a ajuda esporádica de alguém, que vez por outra lhe ensinava os sons das le¬tras, nada muito sistemático. A futura escritora ia juntando retalhos de infor¬mação e finalmente se descobriu lendo, para espanto da professora do jar¬dim-de-infância, que pediu satisfações a família pela audácia de alfabetizar uma criança tão pequena. Interrogada, a mãe de Ana Maria negou o crime.

No livro Infância, as recordações amargas de Graciliano Ramos (1953) começam pela figura temível do pai, que tentou ensina-lo a ler à força de ame¬aças, gritos e pancadas de vara. A cartilha feia e mal impressa era um folheto de papel ordinário, que se desmanchava entre os dedos do menino, molha¬dos de suor nervoso. Quando conseguiu aprender as primeiras letras desco¬briu que o sofrimento não tinha acabado:

Enfim consegui familiarizar-me com as letras quase todas. Aí me exibiram outras vinte e cinco, diferentes das primeiras e com os mesmos nomes delas. Atordoamento, preguiça, desespe¬ro, vontade de acabar-me. Veio terceiro alfabeto, veio quarto, e a confusão se estabeleceu, um horror de qüiproquós. Quatro sinais com uma só denominação. Se me habituassem às maiúsculas, deixando as minúsculas para mais tarde, talvez não me embrutecesse. Jogaram-me simultaneamente maldades grandes e pequenas, impressas e manuscritas. Um inferno...(Ramos, 1953,p. 102).

Finalmente, o pai desistiu e entregou a tarefa à filha Mocinha, que ensi¬nou Graciliano a soletrar. Depois de gaguejar sílabas durante um mês, o meni¬no encontrou, no fim do livro, frases que soletrava mas era incapaz de compreender.

A preguiça é a chave da pobreza.

Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém.

Graciliano embatucava: que chave seria aquela? Quem era Terteão? Jul¬gava que fosse um homem. Mocinha também não compreendia.

Semi-alfabetizado, entrou na escola, onde encontrou uma mestra pacien¬te e boa, que cheirava bem, e até conversava com as crianças. As lembranças desse tempo são doces:

Felizmente D. Maria encerrava uma alma infantil. O mundo dela era o nosso mundo, aí vivia farejando pequenos mistérios nas cartilhas. Tinha dúvidas numerosas, admitia a cooperação dos alunos, e cavaqueiras democráticas animavam a sala (Ra¬mos, 1953, p. 113).

Memórias agradáveis da alfabetização são as de Bartolomeu Campos de Queirós, que mais de uma vez, em encontros e seminários de professores, fa¬lou com saudade sobre Lili, personagem do livro em que aprendeu a ler . Dis¬se o escritor mineiro: Lili foi minha primeira namorada.

A escritora e psicanalista francesa Françoise Dolto conta que tinha muita curiosidade por um determinado livro infantil, por isso se lançou com entusi¬asmo a tarefa de aprender a ler. Logo se desencantou, porém, com os exerci¬dos de soletração que a governanta lhe propunha. Absolutamente não enten¬dia Como tais atividades poderiam levá-la a ler a histeria desejada. Ao fim três ou quatro meses, foi capaz de soletrar, mas ficou muito desapontada: achou tudo horrivelmente longo e idiota.

Eu ia balbuciando com uma voz tensa, os olhos fixos no texto para juntar as letras. E, naturalmente, um texto não quer dizer nada quando é declamado sílaba por sílaba. Então ela (a gover-nante) me dizia: "escute o que este lendo! Está muito bem, mui¬to bem, você lê perfeitamente, mas escute o que está lendo!" E aí, um dia consegui escutar: eram sílabas separadas, mas que queriam dizer alguma coisa se fossem agrupadas ao serem ouvidas. Agora, eu sabia ler e não queria mais largar o texto. Queria continuar (Dolto, 1990,p.72).

O relato de Dolto fornece pistas sobre o que se passa com algumas crian¬ças - o menino Graciliano e outras - que ficam perplexas diante desses sím¬bolos miúdos, impressos em preto sobre a página branca, marcas incompre¬ensíveis que os adultos dizem conter palavras e histórias. Como é possível? Como funciona? Nada faz sentido para as crianças mas os pais, a professora, a escola exigem que elas aprendam a ler. E lá se vão repetindo, copiando, so¬letrando, adivinhando, pensando, até que aprendem a ler. Ou não.

Diferentes teorias de aprendizagem se propõem a explicar como a crian¬ça aprende - por associação (estímulo-resposta), pela ação do sujeito sobre o objeto do conhecimento (construtivismo), pela interação do aprendiz com o ob¬jeto do conhecimento intermediado por outros sujeitos (sociointeracionismo). Essas teorias, que assumiram a dianteira na formação de professores em di¬ferentes momentos históricos, embasam (ou condenam) certos métodos e técnicas de alfabetização. Mas nem sempre explicam por que alguns alunos aprendem rapidamente e outros não.

Será o fracasso escolar, fenômeno social antigo e persistente em nosso país, uma questão de métodos? Desde a década de '80 (Carvalho, 1987), a pesquisa sobre alfabetização tem indicado um conjunto de fatores escolares e extra-escolares responsáveis pela evasão e repetência, que afetam forte¬mente as classes de alfabetização e de primeira série.

As condições inadequadas de ensino, que estamos ainda longe de superar mesmo nas grandes cidades, são, turmas numerosas, jornada escolar insufi¬ciente, despreparo das professoras, métodos inadequados ou mal aplicados, material didático desinteressante, falta de bibliotecas e salas de leitura etc.

Os fatores extra-escolares são sociais e decorrem da pobreza das famílias: ingresso tardio na escola, freqüência irregular devido a doenças ou a condições de trabalho dos pais

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