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Poema

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Por:   •  7/7/2014  •  Seminário  •  1.058 Palavras (5 Páginas)  •  200 Visualizações

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O sotaque das mineiras . Carlos Drummond de Andrade

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo (das mineiras) ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque!

Mineira deveria nascer com tarja preta avisando:

ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso?

Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.

Preferem abandoná-las no meio do caminho, não dizem:

pode parar, dizem: 'pó parar'.

Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'ôncôtô'.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem lingüisticamente falando, apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.

Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz ou jogador de futebol.

Mineiras não usam o famosíssimo 'tudo bem'.

Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra:

- 'Cê tá boa?'.

Para mim, isso é pleonasmo.

Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:

- 'Mexe' com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc.).

O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados..

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.

Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.

Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.

Aqui ninguém consegue nada.

Você não dá conta.

'Sôcê' (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

- 'Aqui', não vou dar conta de chegar na hora, não, 'sô'.

Esse 'aqui' é outro que só tem aqui.

É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.

É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção.

É uma forma de dizer:

- Olá, me escutem, por favor.

É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras também não dizem apaixonada por.

Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonada com'.

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.

Ouve-se a toda hora:

- Ah, eu apaixonei 'com' ele...

Ou: Sou doida 'com' ele (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).

Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe.

É um tal de 'bonitim', 'fechadim', e por aí vai.

Já me acostumei a ouvir:

- E aí, 'vão?'. Traduzo:

- E aí, vamos?

Não caia na besteira de esperar um 'vamos' completo de uma mineira.

Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira.

Nada pessoal.

Aqui certas regras não entram.

São barradas pelas montanhas.

Por exemplo, em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:

- Eu preciso 'de' ir.

Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta.

Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe.

Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante.

Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum.

Entendam...

Você não precisa ir, você precisa 'de' ir.

Você não precisa viajar, você precisa 'de' viajar.

Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:

- Ah, mãe, eu preciso 'de' ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um 'tanto de coisa'.

O supermercado não estará lotado, ele terá um 'tanto de gente'.

Se a fila do caixa não anda, é porque está 'agarrando' lá na frente.

Entendeu?

Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:

- 'Ai, gente, que dó'.

É

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