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Saúde, Doença E Cuidado: Complexidade Teórica E Necessidade Histórica

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Por:   •  9/3/2015  •  6.585 Palavras (27 Páginas)  •  566 Visualizações

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Saúde, Doença e Cuidado: complexidade teórica e necessidade histórica

1. As Interpretações Mágico - Religiosas

A saúde e a doença sempre fizeram parte da realidade e das preocupações humanas. Ao longo da história, os modelos de explicação da saúde e da doença sempre estiveram vinculados aos diferentes processos de produção e reprodução das sociedades humanas. Desde a visão mágica dos caçadores-coletores até a perspectiva individualizante do capitalismo concorrencial, a diversidade de práticas que procuram promover, manter ou recuperar a saúde tem estreita relação com as formações sociais e econômicas, os significados atribuídos e o conhecimento disponível em cada época.

A preocupação com a conservação da saúde acompanha o homem desde os primórdios. A rejeição a substâncias amargas, a procura de abrigos para o frio, o calor e a chuva, a necessidade de repousar, de comer e beber são comportamentos que fazem parte do instinto humano de conservação (Scliar, 2002). A doença, no entanto, sempre esteve presente no desenvolvimento da humanidade. Estudos de paleoepidemiologia relatam a ocorrência, há mais de três mil anos, de diversas doenças que até hoje afligem a humanidade. Esquistossomose, varíola, tuberculose foram encontradas em múmias, restos de esqueletos e retratadas em pinturas tanto no Egito como entre os índios pré-colombianos. Também podem ser encontrados relatos de epidemias na Ilíada e no Velho Testamento.

Durante o paleolítico, a descoberta e o domínio do fogo juntamente com o desenvolvimento de uma linguagem rudimentar irão favorecer o desenvolvimento de sociedades comunais, indicando uma certa organização social entre os homens primitivos. Essencialmente caçadores-coletores, viviam em bandos nômades, e a sobrevivência estava diretamente associada à disponibilidade de alimentos e água abundante. As doenças e agravos que não pudessem ser entendidos como resultado direto das atividades cotidianas – quedas, cortes e lesões obtidas durante as caçadas – eram explicados pela ação sobrenatural de deuses ou de demônios e espíritos malignos mobilizados por um inimigo.

Dominante entre os povos da Antigüidade, o pensamento mágico-religioso (Scliar, 2002) será responsável pela manutenção da coesão social e pelo desenvolvimento inicial da prática médica. Nas diferentes culturas, o papel da cura estava entregue a indivíduos iniciados: os sacerdotes incas; os xamãs e pajés entre os índios brasileiros; as benzedeiras e os curandeiros na África. Considerados líderes espirituais com funções e poderes de natureza ritualística, mágica e religiosa, mantinham contato com o universo sobrenatural e com as forças da natureza. Encarregados de realizar a cura, erradicando o mal e reintegrando o doente a partir de diferentes recursos extáticos de convocação, captura e afastamento dos espíritos malignos, os curandeiros valem-se de cânticos, danças, instrumentos musicais, infusões, emplastros, plantas psicoativas, jejum, restrições dietéticas, reclusão, tabaco, calor, defumação, massagens, fricção, escarificações, extração da doença pela provocação do vômito, entre outros recursos terapêuticos.

Além de uma sofisticada farmacopéia, a herança menos óbvia dos sistemas etno médicos dos ameríndios e de outras tradições milenares baseadas no pensamento mágico-religioso encontra-se na forma integral de tratamento do indivíduo. Compreendendo-o a partir do conjunto de relações sociais estabelecidas no interior de uma comunidade e de uma cosmogonia própria, os vínculos desenvolvidos entre o curandeiro e o doente são fundamentais no processo de cura. Hoje em dia, diversas linhas de pesquisa e de intervenção nas práticas de sáude procuram resgatar essa dimensão subjetiva envolvida nos processos terapêuticos, relegada pelo pensamento positivista e mecanicista que predominou no desenvolvimento da medicina ocidental contemporânea.

Porém, os problemas de saúde se acentuaram significativamente com o desenvolvimento da vida comunitária (Rosen, 1994). No neolítico, o cultivo da terra e a produção de alimentos permitiram a fixação do homem em sítios próximos de rios e vales férteis, dando origem aos primeiros aldeamentos. O homem passou, desse modo, de nômade a agricultor e pastor. A domesticação dos animais, seja para auxílio no plantio, seja como fonte regular de proteínas, foi elemento crucial no aparecimento de novas doenças.

Originalmente presentes nos animais, diversos microorganismos são, pouco a pouco, adaptados e disseminados entre as populações humanas. Doenças como a varíola e a tuberculose migraram do gado para os seres humanos.

Porcos e aves transmitiram a gripe, e o cavalo, o resfriado comum (Palmeira et al., 2004). O armazenamento de alimentos e a concentração dos dejetos nas aldeias aproximaram os vetores do convívio humano.

O excedente gerado pelo aumento da produção agrícola será responsável pela intensificação das trocas e o surgimento do comércio entre populações. O aumento dos contatos humano proveniente destas atividades irá favorecer a circulação de parasitos e a disseminação das doenças.

À medida que as diferentes civilizações vão-se desenvolvendo e se consolidando, vão surgindo outras formas de enfrentar os problemas. Escavações realizadas no norte da Índia indicaram a existência de uma antiga civilização que, há cerca de quatro mil anos, já apresentava indícios de planejamento urbano, com ordenamento das casas, ruas largas, pavimentadas e canais para escoamento do esgoto (Rosen, 1994).

Impressionantes sistemas de abastecimento de água, instalações para banhos, descargas para lavatórios e canalização para o esgoto também estavam presentes no Antigo Egito (3.100 a.C.), na cultura creto-micênica (1.500 a.C.) e entre os quéchuas, no Império Inca (1200 d.C.).

Embora a preocupação com a limpeza e higiene pessoal acompanhe o homem desde a pré-história, as razões para esse comportamento são bastante distintas. A associação entre limpeza e religiosidade é comum em diferentes culturas. Expurgar as impurezas a fim de apresentar-se limpo aos olhos dos deuses constitui-se um hábito e um ritual de diferentes civilizações como os incas, hebreus e egípcios (Rosen, 1994).

Com um forte enraizamento histórico nas mais diferentes culturas, a visão mágico-religiosa ainda exerce muita influência nas formas de pensar a saúde e a doença na sociedade contemporânea. De um lado, o uso disseminado de chás, o recurso às rezas, benzeduras, simpatias, oferendas e os ritos de purificação, presentes nas diversas crenças e religiões (católica, evangélica, espírita, candomblé entre outras), atestam a força

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