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As Funções Socioculturais da Alimentação

Por:   •  3/6/2015  •  Projeto de pesquisa  •  3.932 Palavras (16 Páginas)  •  1.104 Visualizações

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2. Funções socioculturais da alimentação

Sugestão de leitura:

MONTANARI, M. Comida como cultura. Parte 3 “o gosto é um produto social”, “dize-me quanto comes...” “e o que”, p. 109-130; Parte 4 Comida, linguagem, identidade “Comer junto”, p. 157-164.

Leitura complementar:

* Ritualização da comensalidade

Objetivo da aula: compreender os ritmos sociais da comensalidade e refletir sobre: quanto, com quem e o que se come (quando e como se come será discutido em outra aula).

Introdução:

        O ato alimentar é também um comportamento social que depende de escolhas, no entanto, essa escolha se dá somente quando estamos falando de gosto e não de fome. Ou seja, o gosto só existe para as classes sociais mais abastadas, que possuem a possibilidade de escolha, é o gosto de poucos. Os muitos que se alimentam por fome perdem esse direito de transformar em prazer a necessidade de nutrição diária.

        Os regimes alimentares calculam sempre o que é mais prático e econômico dentro de suas condições socioeconômicas, ou seja, qual alimento alimenta mais pelo menor custo, esse raciocínio é o que ajudará a construção do gosto classificando os alimentos como “bons” ou “ruins”, de acordo com a facilidade de encontrar o produto, capacidade de conservação e preparo, capacidade de “encher a barriga” e afastar a agoniante fome. Assim se explica o gosto popular pelas farinhas, pães, bolos, massas, batata, etc.

        Com isso podemos dizer que nem sempre o hábito alimentar corresponde ao gosto, uma coisa é comer por hábito, outra é apreciar o que se come. É muito comum comer o que se tem a disposição ao invés de comer o que se tem vontade. Assim, o objeto de desejo para o pobre e para o rico não é o alimento abundante, mas aquele raro ou ocasional, restrito. Consumir esse produto alimentar raro é símbolo de status, de distinção social e isso vai formar o gosto social, aquele que distingue as classes socioeconômicas nas escolhas alimentares. Assim, a fruta que é muito perecível se torna um alimento de rico.

O quanto se come:

        A quantidade de comida é uma das principais características de distinção de classe. O luxo e a ostentação alimentar mostra um comportamento de classe que não pode ser imitado pelas camadas populares. A abundância alimentar é um privilégio social e mostra o poderio do homem. Todas as sociedades e culturas são marcadas pelo medo da fome, que ocorre ocasionalmente por epidemias, guerras ou carestia (escassez). Assim, o mais importante, mesmo em momentos de abundância alimentar, é manter a barriga e a dispensa cheia, a qualidade e o gosto ficam para segundo plano.

        Se observarmos nos quadros históricos os reis, monarcas e aristocratas eram sempre homens gordos, grandes comedores. Homens magros e com pouca capacidade de comer era sinônimo de fraqueza e inferioridade. Essa força do homem poderoso estava principalmente associada à carne vermelha, por isso muitos escudos que eram os emblemas de distinção familiar trazem animais carnívoros como símbolo: leões, ursos, lobos, leopardos. A carne simbolicamente nutre o corpo, consolida músculos, confere força e legitimidade de comando. Comer carne significava matar animais, ou seja, caçar, que exige perseguição, habilidade com as armas, estratégias de guerra. A ciência reforça a importância da carne para o homem, sendo considerada o alimento perfeito para crescer com vigor em tempos medievais. Diferentemente dos tempos dos gregos e romanos que o pão era o centro da refeição e sinônimo de civilidade. Com o passar do século, a abundância alimentar perde seu símbolo central de poder, que passa a ter que ser conquistado em campo, legitimado pelas capacidades desenvolvidas durante a vida.         O excesso alimentar e o corpo gordo passam a ser uma escolha e não um dever do soberano. O importante passa a ser a quantidade e variedade de comida à disposição para ser depois distribuída com companheiros, hospedes, servos e cães. A quantidade continuava a ser uma distinção de classe, mas o exagero alimentar diminuiu. O comportamento trouxe consequências aos comilões que passaram a ter doenças relacionadas ao exagero da carne, como por exemplo a “gota”. Antigamente o gordo era sinal de beleza, de estética. Com a relação gordura e doença, a imagem do gorno passa a significar falta de saúde e descontrole alimentar.

        Outro alimento que passou a distinguir as classes foi o consumo de café, alimento da burguesia em ascensão para se opor ao vinho e cerveja da aristocracia ociosa. Com o café o corpo magro e esbelto passava a significar o sacrifício produtivo, o sacrifício que gerava riquezas e bens. Assim, no decorrer do século XIX e XX ser gordo não significava mais poder ou privilégio, a indústria democratizou o consumo e a comilança, invertendo então a distinção das classes em relação a ostentação alimentar. Novos comportamentos começam a marcar o modo nobre de alimentar-se, trata-se das “boas maneiras à mesa” uma forma de educar e controlar o corpo da nobreza e classes médias para se distinguirem. Comer pouco e comer vegetais passa a ser o modelo alimentar de estética e da magreza, significando saúde. O medo do excesso substituiu o medo da fome que passa a ser marca das classes populares. Com a industrialização as doenças por excesso alimentar atingiram as massas, e se passa novamente a ter medo de ser gordo.

O que se come:

        O modo de comer revela a personalidade e o caráter do indivíduo, ou seja, seu comportamento e psicologia, mas revela também o comportamento social: “dize-me o que comes e te direi quem és”. A qualidade da comida também é um indicativo de pertencimento social determinante e revelador. O que se come revela a identidade social dos grupos e indivíduos. A imagem do camponês comendo é diferente da imagem de um soberano. O camponês se alimenta de frutos da terra, cereais, hortaliças, sopas; o soberano de carne de caça, enquanto que a carne do camponês era a carne de porco. Com o passar do tempo o nobre aprende os modos de cortesia e com isso a capacidade de se controlar diante da comida e de saber distinguir o bom do ruim passa a ser marca da nobreza. Saber recusar um alimento que não está a altura, distinguir através do olhar o que é mais conveniente, etc.

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