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O Espaço em os DECÁLOGOS de Kieslowski: OS DEZ EPISÓDIOS

Por:   •  4/5/2020  •  Bibliografia  •  26.211 Palavras (105 Páginas)  •  143 Visualizações

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O espaço em os DECÁLOGOS de Kieslowski: OS DEZ EPISÓDIOS

1.1 Decálogo I

Pawel (Wojciech Klata) é um menino brilhante e estudioso de aproximadamente dez anos que mora com seu pai, Krzysztof (Henryk Baranowski). Seu pai não acredita em Deus, mas na Ciência, e crê que todos os fenômenos podem ser medidos e calculados. Pawel também tem uma tia, Irena (Maja Komorowska), que, ao contrário do irmão, acredita em Deus e traz uma perspectiva teológica às reflexões existenciais do menino em relação ao sentido da vida e da morte, sobre Deus e para onde vai a alma após a morte. Os anseios existenciais de Pawel são respondidos de maneira oposta por seu pai e sua tia. Krzysztof diz a Pawel que não existe alma e que as pessoas acreditam nessas coisas apenas para que a vida seja mais fácil. Por outro lado, Irena diz a Pawel que seu pai achava que tudo poderia ser medido e calculado, mas que isso não exclui a existência de Deus. Para explicar o que é Deus, Irena demonstra sensorialmente, abraçando o menino para mostrar o amor divino. A tecnologia é um tema constante nos filmes de Kieslowski, e nesse episódio aparece atrelada a questões metafísicas que envolvem as vidas dos personagens. O fanatismo do pai e do filho pelo computador (ou pela tecnologia como um todo) torna a máquina um deus pagão na perspectiva do mandamento bíblico “Não terás outros deuses diante de mim”, já que para todas as dúvidas eles recorrem a cálculos no computador. Ocorre então uma situação no meio do filme (aos 24m23s): após Krzysztof tratar em sua aula das capacidades ilimitadas do computador bem programado, eles chegam em casa e o computador parece ter ligado sozinho, além de misteriosamente não obedecer ao comando de voz para desligar. Estranhando a situação, Krzysztof o desliga manualmente, mas no final do filme a mesma situação volta a acontecer. Pawel ganhou patins de gelo para o natal e gostaria de esquiar no lago próximo ao condomínio. Krzysztof havia feito os cálculos da temperatura com base nas informações do instituto de meteorologia, adquiridas via telefone pelo menino. O pai

fez e refez as contas e garantiu que uma pessoa com o triplo do peso do menino poderia patinar. No roteiro do Decálogo I, Kieslowski previa uma usina elétrica água

quente no lago, por isso somente os cálculos não seriam suficientes para garantir a segurança do menino. Kickasola (2004) aponta a limitação de se confiar apenas na máquina por suas respostas vazias e exatas, assim como a imagem do menino congelada na televisão:

Todos os gadgets, com os quais Kieslowski era tão fascinado e que geram tal felicidade entre Krzysztof e Pawel, soam muito vazios no final do filme, falhando no espaço liminar.(…) O brilho verde do computador se torna agourento após a morte de Pawel, aumentando como um espectro O rosto de Krzysztof - um anjo da morte declarando: "Estou pronto". (p. 169). Tradução nossa)34.

Por fim, o menino vai ao lago patinar com um amigo e o gelo se rompe. Uma série de eventos acontece a partir dos planos centrados em Krzysztof: passa um avião sobre o prédio deles, o tinteiro misteriosamente derrama tinta na escrivaninha, sons de ambulância pelos arredores. Krzysztof começa a se preocupar até constatar que de fato falhou ao permitir que o filho patinasse. Pawel e um amigo caíram na água do lago e morreram. Após essa cena, o pai está em casa, reflexivo, e o computador liga sozinho, mostrando o texto: “I'm ready_”. Transtornado, ele vai até a igreja próxima de sua casa, olha para a imagem da Madonna di Ceztochowa35, e empurra o altar, fazendo com que a estrutura caia. Com o desabamento do altar, gotas de cera passam a cair sobre o rosto da santa, em sugestão de que ela estivesse chorando. Krzyzstof põe a mão em um vaso e pega um bloco de gelo, que seria a água benta, e encosta na testa, em um gesto de petição de bênção.

3.1.1 Escuta interna dos personagens e a relação do som com o metafísico As potencialidades do sound design e da música se dão, por exemplo, para amplificarem a escuta interna dos personagens ou dialogarem com a esfera metafísica, tão presente na fotografia e no enredo, trazendo contribuições narrativas e informações ao espectador que ajudam a enriquecer a obra. Assim funcionam os sons de animais que circundam as cenas onde o menino está presente, e também o

34All the gadgets, with which Kieslowski was so fascinated and which generate such happiness between Krzysztof and Pawel, ring very hollow at the film’s end, failing the liminal space… The green glow of the computer becomes ominous after Pawel’s death, rising like a specter on Krzysztof’s face – an angel of death declaring, “I am ready.“ 35 Padroeira da Polônia.

som do teclado do computador, do relógio, da água, e da sequência em que Krzysztof descobre a morte de Pawel. Logo no início, aos três minutos de filme, em continuação ao término da música de abertura, um pombo pousa na janela do apartamento de Pawel. O menino interage com a ave, observando-a a comer as migalhas que ele preparou. Ao fundo, sons de pombo e o som de um corvo acompanham a cena. O pombo tem pequenas manchas de sangue em sua asa, sugerindo alguma morte ou um embate com outra ave, possivelmente o corvo, que soa ao fundo. É curioso que o som do corvo esteja tão presente no episódio, apesar de não vermos essa ave em nenhum momento. Aos quatro minutos, Pawel sai para fazer compras e em frente à igreja Católica e se depara com um cachorro morto. Ele põe a mão no cachorro e se emociona, com pena do animal que morreu de frio. Posteriormente, ao chegar em casa, discute com seu pai sobre o sentido da vida, querendo saber o que fica de um ser depois de sua morte, e para onde vai a alma de quem morre. Como apontamos acima, seu pai dá apenas uma explicação biológica e não demonstra a mesma pena que Pawel teve do cachorro.

Figura 8 – 8a - Pomba com respingos de sangue na asa (02m51); 8b - Cachorro morto próximo à igreja (05m46s).

Ao fundo da discussão entre Pawel e seu pai, escutamos sons de cachorro latindo e de corvo crocitando. Tais sons acompanham tanto o diálogo do menino com seu pai, quanto os outros momentos em que os dois estão em casa, tornando- se recorrentes no decorrer do episódio e nos permitindo associar com o fim que o menino terá. No caso do cachorro, a

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