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Aminus curiari

Por:   •  29/11/2015  •  Trabalho acadêmico  •  7.627 Palavras (31 Páginas)  •  365 Visualizações

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AMICUS CURIAE: UM PANORAMA DO TERCEIRO COLABORADOR Daniela Brasil Medeiros* RESUMO O amicus curiae é o terceiro que atua como colaborador dos tribunais em causas de matéria relevante. O instituto, oriundo do sistema de common law, foi bem recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, ainda é sujeito a adaptações à nossa realidade pela doutrina e jurisprudência pátrias. É nesse contexto que apresentamos algumas reflexões sobre o instituto, objetivando traçar um panorama desde as origens primitivas até a atualidade de seu uso no direito interno e no direito comparado. Discorremos sobre o conceito, a natureza jurídica e requisitos. Associamos alguns princípios e comparamos o instituto com outras figuras de intervenção processual para melhor caracterizá-lo. Ademais, destacamos a participação do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, que findou por consolidar o instituto na jurisdição constitucional. Também foi abordada a importância do amicus como meio de legitimação social das decisões judiciais na conjuntura do pluralismo democrático, reflexo das sociedades abertas e do novo constitucionalismo. Demonstrou-se, portanto, que sua inserção no direito brasileiro é bem-vinda e harmoniza-se com a Constituição vigente. Nesse sentido, ganharam vez a teoria da hermenêutica constitucional de Peter Häberle e a necessidade de interpretar as leis e a Constituição conforme o pluralismo de nossa sociedade complexa e repleta de contradições, permitindo o acesso dos cidadãos à jurisdição colegiada. Palavras-chave: Pluralismo democrático. Amicus curiae. Intervenção de terceiro. 1 INTRODUÇÃO A figura do amicus curiae, no ordenamento jurídico brasileiro, vem sendo delineada através da atividade de aperfeiçoamento da doutrina e da jurisprudência. * Advogada, Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Especializanda em Direito e Cidadania pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do RN FESMP/RN. 2 Trata-se de um instituto processual novo no direito pátrio, embora seja comum em outros sistemas de direito comparado, com destaque para os Estados Unidos. O amicus curiae, terminologia latina que significa “amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, é a pessoa ou entidade estranha à causa, que vem auxiliar o tribunal, provocada ou voluntariamente, oferecendo esclarecimentos sobre questões essenciais ao processo. É o terceiro que demonstra grande interesse na causa, em virtude da relevância da matéria e de sua representatividade quanto à questão discutida, requerendo ao tribunal permissão para apresentar memorial (parecer ou petição) contendo explanações e estudos esclarecedores sobre o tema, vislumbrando influenciar na decisão. O escopo do instituto é proteger direitos coletivos e difusos, sustentando teses jurídicas em defesa de interesses públicos ou privados de quem não é parte na causa, mas que serão reflexamente atingidos com o desfecho do processo. Ele funciona como representante legítimo da preocupação da sociedade fora do processo, quando esta poderá sofrer as conseqüências de seu desenlace. A importância do amicus curiae revela-se em razão da necessidade de fontes complementares e informações extrajurídicas em casos mais complexos, cuja solução ultrapassa a mera aplicação dos dispositivos legais. São situações nas quais se requer discussão mais profunda, por vezes em áreas de conhecimento estranhas ao notório saber dos julgadores, porquanto há de ser considerada a imensidão dos campos de conhecimento das mais variadas ciências, cada vez mais especializadas hodiernamente. Desta forma, munidos e conscientes das informações fornecidas pelo amicus, que talvez escapem ao seu domínio cognoscível, espera-se que os membros do tribunal possam decidir com maior segurança e lisura, em benefício do julgamento. Além disso, faz-se necessário ressaltar o significado do instituto, no que concerne à legitimação social da prestação da tutela jurisdicional e aos aspectos democrático e pluralista de sua aplicação aos procedimentos de interpretação das leis infraconstitucionais e da Carta Magna. Isto porque, ao permitir que terceiros não integrantes como parte venham manifestar-se no processo, abre-se oportunidade para o amplo debate da causa. Assim, a participação no processo não fica restrita apenas 3 aos legitimados determinados pela lei, possibilitando que interessados indiretos também exponham aspectos que, potencialmente, os afetem. 2 PERSPECTIVA HISTÓRICA Consoante os apontamentos de Elisabetta Silvestri1 sobre o tema, a origem do amicus curiae estaria no direito penal inglês da época medieval. Da Inglaterra, o instituto, então, teria se espraiado para outros países, adaptando-se aos diversos contextos jurídico-nacionais, conservando ou modificando seus moldes primitivos. No entanto, a mesma autora afirma haver tese sobre as mais remotas origens do amicus curiae no direito romano, cuja função era a de um colaborador neutro, cooperando com os magistrados naqueles casos que iam além das diretrizes puramente jurídicas e atuando para que os juízes não cometessem equívocos nos julgamentos. Possuíam o dever único de lealdade aos juízes. Ademais, asseveram os mais céticos sobre a origem romana do instituto que, ao juiz romano, era permitido complementar seu conhecimento jurídico com a opinião de técnicos ou do consilium, órgão de composição variável e de função consultiva em geral. O amicus curiae teria derivado do consilliarius romano e, posteriormente, teria sido incorporado pelo direito inglês, com as respectivas e necessárias moldações. No que tange ao embrião do instituto no antigo sistema inglês, consta que os tribunais detinham ampla liberdade para admitir a participação do “amigo da corte”, bem como para determinar os limites de sua atuação. Naquele contexto, o amicus podia agir junto ao tribunal em casos que não versassem sobre questões governamentais, exercendo a tarefa de reunir e atualizar precedentes e leis supostamente desconhecidos para os magistrados. 1 SILVESTRI, Elisabetta. L’amicus curiae: uno strumento per la tutela degli interessi non rappresentati, p. 679/680. apud BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 87/88. 4 A partir dessas referências iniciais no direito inglês, e considerando os vínculos históricos e do common law entre as duas nações, o auxiliar amicus curiae passou a integrar, com maior evolução e considerável desenvolvimento, o direito norteamericano. Foi, portanto, nos Estados Unidos que a figura jurídica alcançou maior pronúncia, sobretudo na Suprema Corte Americana, que, atualmente, regula o instituto na Rule 37 de seu Regimento Interno. Além desta, a Rule 29 das Federal Rules of Appellate Procedure (FRAP) também dispõe sobre o regramento do friend of the court na Corte de Apelação norte-americana. 3 PRINCÍPIOS Através das delineações do amicus curiae, contempla-se que o instituto reúne alguns princípios como o contraditório, a soberania popular, a participação, o acesso ao direito e aos tribunais e o princípio democrático. O amicus insere-se como agente do “contraditório presumido ou institucionalizado”, de acordo com Cassio Scarpinella2 , em decorrência do interesse institucional que representa. O “contraditório” que se observa é no sentido da cooperação e coordenação que proporciona aos julgadores, contextualizado numa sociedade e num Estado plural. O amicus evidencia a maior amplitude do princípio do contraditório, assentado na reserva de flexibilidade semântica das normas constitucionais. O princípio da soberania popular, transportando várias dimensões historicamente sedimentadas, como bem relata Canotilho3 , repousa na necessidade da legitimação social para a construção da democracia. Os cidadãos são os verdadeiros titulares da soberania e do poder, por conseguinte, nada mais razoável que ouvir suas manifestações de vontade nas decisões jurídica e politicamente relevantes. Da mesma 2 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 530. 3 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 292. 5 forma, o princípio da participação está estreitamente ligado à democratização da sociedade, conforme cita o autor português: “democratizar a democracia através da participação significa, em termos gerais, intensificar a otimização da participação direta e ativa da sociedade nos processos de decisão”4 . O princípio do acesso ao direito e aos tribunais visa não apenas garantir o acesso aos tribunais, mas primordialmente consentir aos cidadãos e entidades a defesa de quaisquer direitos e interesses legalmente protegidos através de um ato da jurisdição, inclusive os difusos e coletivos. O princípio democrático sugere democracia participativa e, portanto, a existência de formas efetivas de a sociedade participar nos processos de decisão, de exercer controle crítico na divergência de opiniões. A democracia é um processo dinâmico e inerente às sociedades abertas, rege-se pelo incremento de uma realidade comunitária juridicamente eqüitativa. A lógica das sociedades complexas e diversas exige uma valorização da soberania e da vontade populares. É essencial que o pluralismo democrático esteja refletido no próprio modo de interpretar as leis. 4 O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO O instituto em comento é tema bastante rico, como bem demonstra o minucioso trabalho de Cassio Scarpinella5 . Mas, ao mesmo tempo, ainda é novidade para nossos juristas e doutrinadores, posto que é facilmente observada a ampla divergência sobre os parâmetros e a natureza jurídica do instituto. No entanto, isso não significa a falta de receptividade de nosso ordenamento. Pelo contrário, a adoção do amicus é muito oportuna e vantajosa em múltiplos aspectos. O amicus curiae recebe as mais variadas denominações na tentativa de se encontrar pontos convergentes quanto às suas características e natureza jurídica no 4 CANOTILHO, J. J. Gomes, Op. Cit. p. 301. 5 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. 6 direito interno. Há autores que o enquadram como “terceiro especial”, como “terceiro qualificado”, outros como “auxiliar informal da corte”, “modalidade de terceiro interveniente”, “assistente sui generis”. Não deixam de ser visões parecidas do instituto, na empreitada de chegar-se a uma descrição a mais adequada possível. A dificuldade de delinear seu caráter decorre de suas peculiaridades, que não permitem inseri-lo em qualquer dos modelos clássicos de “terceiros” existentes no sistema pátrio, ao lado da falta de uma específica regulamentação legal sobre a figura jurídica. Isto acaba deixando a tarefa de encaixe do amicus curiae em nosso sistema a cargo da doutrina e da jurisprudência, que o vêm fazendo paulatinamente. Anote-se que é progressiva a presença do instituto nos casos em que é admitido nas cortes brasileiras. Sendo assim, é certo que a vivência e a familiarização do amicus nos tribunais muito contribuem para a perfectibilização dos seus moldes e características. É oportuno lembrar que, originalmente, o amicus curiae é mesmo uma obra pretoriana. O “amigo do tribunal” é mais usado nos sistemas de common law, de origem anglo-saxônica. Já no direito pátrio, romano-germânico, busca-se adequá-lo à nossa realidade. Para isso, compare-se a vasta literatura sobre o tema nos países do common law, como Inglaterra, Canadá e, especialmente, Estados Unidos, enquanto nos países de civil law a discussão teórica é mais tímida, embora crescente. Podemos dizer que o direito pátrio “importou” o amicus curiae do sistema norteamericano. Desta sorte, tendo em vista as diferenças entre os dois ordenamentos, nossos juristas têm, então, a missão de interpretar o instituto de acordo com as necessidades e costumes internos. A doutrina aponta que, no Brasil, a disciplina legal do ingresso formal do “amigo da cúria”, foi inicialmente concretizada, no art. 31 da Lei 6.385/76, que requisita a intervenção da Comissão de Valores Imobiliários (CMV) nos processos cuja matéria seja objeto da competência dessa autarquia. Nada obstante, há que ser feita a ressalva de que a intervenção da CVM prevista na referida lei não configura propriamente manifestação de amicus curiae, porquanto a participação da CVM no processo é mais um requisito do que simples consulta sobre o tema. 7 Sem embargo, diplomas legislativos posteriores também trouxeram previsão do amicus curiae e de outras intervenções diferenciadas (que não exatamente o “instituto curial”), a saber: a) o art. 89 da Lei Federal 8.884/94 (Lei Antitruste) impõe a intimação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)6 nas causas relacionadas ao direito de concorrência; b) o art. 49 da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) permite aos Presidentes dos Conselhos e Subseções agir legitimamente contra eventuais infratores dos dispositivos e fins da Lei; c) o art. 5º da Lei 9.494/97 admite a intervenção das pessoas administrativas federais para a tutela de interesse econômico; d) o art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, que regula a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) no processo de controle de constitucionalidade, possibilita a manifestação de outros órgãos e entidades mediante a discricionariedade do relator; e) o art. 14, § 7º, da Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais), no que concerne ao incidente de uniformização de jurisprudência, aceita que eventuais interessados opinem no processo; f) o art. 3º, § 2º, da Lei 11.417/2006, que trata da edição, revisão e cancelamento das súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal, 6 RECURSO ESPECIAL. ANTV. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO DO CADE COMO AMICUS CURIAE. INTERVENÇÃO DA UNIÃO COMO ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Recurso especial interposto contra acórdão proferido em sede de agravo de instrumento que desafiou decisão saneadora, verbis: "A competência deste juízo já foi firmada, oportunamente, com a intervenção do CADE na lide, autarquia federal, cuja presença, nos termos do arts. 109, I, da CF, atrai a competência da Justiça Federal." 2. [...] 3. A regra inscrita no art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 9.469/97 e art. 89 da Lei 8.884/94 contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae em nosso Direito. Deveras, por força de lei, a intervenção do CADE em causas em que se discute a prevenção e a repressão à ordem econômica, é de assistência. 4. [...] 5. [...] 6. Ademais, o amicus curiae opina em favor de uma das partes, o que o torna um singular assistente, porque de seu parecer exsurge o êxito de uma das partes, por isso a lei o cognomina de assistente. É assistente secundum eventum litis.(REsp 737073 / RS - 2005/0049471-2; Relator Min. Luiz Fux; Primeira Turma STJ; 06/12/2005; DJ 13.02.2006 p. 700) 8 estabelece ao relator a prerrogativa de admitir a apreciação de terceiros sobre a questão. Destarte, observa-se que, embora não expressamente citado como amicus curiae, o instituto encontra boas pinceladas em nossa legislação. De qualquer forma, em razão das vantagens exponenciadas, seria de bom alvitre uma maior atenção do legislador quanto à regulamentação desse instrumento interventivo. 4.1 DISTINÇÕES QUANTO A OUTROS AUXILIARES DO PROCESSO O amicus curiae figura como terceiro que atua informalmente no processo. A oferta de suas razões justifica-se para ilustrar e enriquecer o arsenal de informações disponíveis aos julgadores. Saliente-se que as partes, na defesa de seus interesses, trazem a juízo apenas os fatos e argumentos que lhes beneficiam, expõem apenas suas versões particulares. O propósito do amicus é diversificar ou complementar pontos de vista, trazer conhecimento que já não esteja nos autos ou fortalecer algum aspecto. A manifestação deste terceiro não é proibida de ser parcial, pode pender para um dos lados. Nada obstante, crucial é a adoção de cautela para que o instituto não seja usado maliciosamente com o fito de atravancar o processo ou protelar o resultado final. A intervenção do amicus teria, por assim dizer, a prerrogativa de ajudar os julgadores a escalar uma colina alta e íngreme o mais próximo possível do cume, de onde teriam a ampla e completa visão dos ângulos da paisagem processual. Sem sua contribuição, o tribunal julgaria com a perspectiva nublada e incompleta de quem pouco se distancia da base da colina porque desprovido de equipamentos de segurança. De tal modo, salutar é o reconhecimento do benefício da “intervenção curial”, visando sempre o auxílio da melhor decisão a ser proferida em causas de matérias proeminentes e, por vezes, polêmicas, que findam atraindo a manifestação de pessoas e entidades na condição de amici curiae. 9 O amicus curiae é terceiro, visto não ser parte, mas é um terceiro singular e informal. Sua opinião pode ser considerada ou não pelos juízes, pode contribuir para o convencimento deles ou ser descartada. Ao contrário dos fatos alegados pelas partes, a decisão não precisa fundamentar porque reputa (im)procedente esta ou aquela tese apresentada pelo amicus. Ele é um terceiro especializado, atuando nas demandas (ou processos objetivos) que envolvam conhecimentos específicos, servindo de apoio técnico ao juiz. Porém não se confunde com o perito, que também é auxiliar do juízo, mas oferece conhecimento técnico restrito ao que foi solicitado pelo juiz ou pelas partes, limita-se a produzir um meio de prova e não representa o interesse de alguém na causa. Atua quando provocado, manifestando-se de forma neutra. O perito não ajuda na atividade hermenêutica nem pode pedir ingresso voluntário no processo. Tampouco embaralha-se o conceito de “amigo da corte” com o de assistente, visto ser este o terceiro, nem autor nem réu, que intervém em processo alheio para tutelar interesse próprio. Ele assiste a uma das partes com intenção de proteger direito seu (caráter subjetivo), de modo que a decisão não lhe seja prejudicial, mas favorável. O amicus não assiste às partes, senão ao juiz, defendendo interesses difusos e coletivos, pertencentes à sociedade em geral. O papel do amicus curiae distingue-se, ainda, do desempenhado pelo Ministério Público como custos legis7 , vez que ele não age como fiscal da qualidade das decisões; em regra, sua intervenção não é peremptória; e pode atuar em lides que versem sobre direitos disponíveis. A intervenção do Parquet como fiscal da lei é função intrínseca à instituição, norteia-se pelo interesse mais alto de ajudar o juiz a descobrir a verdade e de primar pela aplicação mais correta e técnica das normas jurídicas ao caso concreto. Atua de forma imparcial e descomprometida com as partes, zelando pela efetividade da lei e supervisionando o andamento do processo. 4.2 A LEI 9.868/99 E O AMICUS CURIAE NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL 7 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodium, 2008. v. 1. p. 382. 10 Merece especial atenção a Lei 9.868/99, em virtude de ter introduzido formalmente o amicus curiae na jurisdição constitucional brasileira. Mais especificamente, foi o § 2º do art. 7º desta lei que veio consagrar a inserção do instituto em nosso processo de controle de constitucionalidade. In verbis: Art. 7º. Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. § 1º. (vetado) § 2º. O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. Desencadeou-se, portanto, expressiva modificação na prestação da tutela jurisdicional, através de uma abertura inédita da legitimidade para participar do processo de fiscalização e interpretação da Constituição Federal. O fundamento de ser o processo de controle de constitucionalidade objetivo, em razão de não albergar interesses subjetivos de partes, restou mitigado pela admissão do terceiro interessado na qualidade de amicus curiae. Com efeito, à época da Constituição de 1967, somente o Procurador-geral da República podia propor ação direta de inconstitucionalidade, ocorrendo patente restrição do acesso de outras autoridades públicas e da sociedade civil à jurisdição constitucional. A vigente Constituição de 1988 veio romper velhos paradigmas, inaugurando uma ordem constitucional vanguardista, na qual as garantias fundamentais e os direitos de terceira dimensão ganharam mais espaço, renovando os ares e inserindo nosso ordenamento no contexto de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Outrossim, em honra à atual Carta, foi quebrado o referido monopólio do Procurador-geral da República para testemunhar-se a significativa ampliação do rol de legitimados (art. 103 da CF) para propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade e de Ação Declaratória 11 de Constitucionalidade, sem falar na produção de considerável acervo jurisprudencial do Pretório Excelso sobre o assunto. Há de se registrar o fato de que, mesmo antes da edição da Lei 9.868/99, o Supremo Tribunal Federal já havia admitido, informalmente, o ingresso de amicus curiae em ação direta de inconstitucionalidade. Como lembra Edgar Silveira Bueno Filho8 , na ADI 7489 , o plenário da Suprema Corte, em votação unânime, corroborou decisão do Ministro Celso de Mello, permitindo a juntada por linha de memorial de um terceiro colaborador. Nesse sentido, nada há de estranho na conduta do STF, posto que, a função do “amigo da corte” harmoniza-se de forma transparente com o modelo constitucional em vigência, independentemente de expressa previsão legal. Todavia, essa prática ainda deve receber mais estímulo, flexibilização e expandir-se nos tribunais. Isto porque, embora indubitável que a Lei Magna de 1988 tenha instaurado a democratização da jurisdição constitucional, a hermenêutica do texto maior permaneceu circunscrita ao grupo limitado de intérpretes legitimados pelo art. 103 da Constituição Federal. É preciso diversificar esse acesso e, conseqüentemente, o debate, de modo que também o cidadão possa participar mais ativamente do processo de controle de constitucionalidade, ao invés de figurar como mero espectador. Ressaltemos, ainda, o caráter peculiar de ambas ADI e ADC, vez que seu propósito é esclarecer dúvidas acerca de um aspecto crucial de validade das leis: sua constitucionalidade, a coerência das normas com a Carta Maior. Desta sorte, nada mais 8 BUENO FILHO, Edgar Silveira. Amicus curiae: a democratização do debate nos processos de controle da constitucionalidade. Revista CEJ, Brasília, nº 19, p. 85-89, out/dez 2002. 9 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE - ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PEÇAS DOCUMENTAIS - DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE - IRRECORRIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. - O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. - Os despachos de mero expediente - como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteúdo decisório, não são passíveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504). (ADI-AgR 748 / RS; Ag. Reg. na Ação Direta De Inconstitucionalidade; Relator Min. Celso de Mello; Tribunal Pleno do STF; 01/08/1994) 12 indicado que analisar exaustivamente a questão, sopesando minúcias e resolvendo as interrogações de forma clara. Para tal intento, além dos designados pelo art.103 da CF/88, é fator de legitimação popular e enriquecimento da dicussão a vênia para os jurisdicionados também participarem. Sendo o STF a Corte última e irrecorrível das decisões, é bastante recomendável a deliberação cautelosa, assim como o aparato abastado de informações úteis e auxiliares à boa solução dos processos. A imensa repercussão do julgamento da ADI 351010, sobre a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), vem ilustrar a importância e utilidade dos amici curiae na resolução de tema tão proeminente como são as pesquisas envolvendo células-tronco. No julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal, em março de 2008, que lotou a sala do plenário, advogados brilhantes postularam em favor de instituições interessadas como amici curiae na causa. Ives Gandra Martins, representando a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), asseverou a inconstitucionalidade das pesquisas, acompanhando a posição do Procurador-geral da República, autor da ação. Luís Roberto Barroso, defensor do Movimento em Prol da Vida, e Oscar Vilhena, pela ONG Conectas, protestaram pela legalidade das pesquisas, seguindo o Advogado-geral da União e o advogado do Congresso Nacional, Leonardo Mudim. Neste exemplo, cujo tema interessa a toda a sociedade brasileira – e por que não à humanidade? – podemos vislumbrar a pluralização do debate e seu caráter democrático, sendo amplo o espaço para a discussão das teses a favor e contra as pesquisas. É esta a função do amicus, permitir a efetiva participação social em temas protuberantes que venham repercutir coletivamente. Quantas pessoas sofrem atualmente com doenças degenerativas e depositam nas descobertas científicas com células-tronco toda sua esperança de sobrevivência? 10 Informativo 497 de 2008 do STF: ADI e Lei da Biossegurança. O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o art. 5º da Lei Federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, e estabelece condições para essa utilização. O Min. Carlos Britto, relator, julgou improcedente o pedido formulado, no que foi acompanhado pela Min. Ellen Gracie. (ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.3.2008.) 13 Quantas famílias futuramente terão um ente querido vitimado por uma dessas doenças cruéis e fatais, que consomem a saúde aos poucos, definhando o paciente? Quantos óbitos poderão ser evitados e os doentes curados com o desenvolvimento dessas pesquisas? São questões sobre direitos difusos e coletivos: direito à saúde, à vida digna, ao respeito à dignidade humana. São interesses de a toda a sociedade, a qual deve ter voz também nos tribunais, sendo o instituto do amicus curiae meio plausível para tal escopo. 4.2.1 Aspectos formais da intervenção do amicus curiae na ADI e na ADC A partir da redação do § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99, na expressão utilizada pelo professor Gustavo Binenbojm11, pode-se enxergar o “binômio relevânciarepresentatividade” como requisitos a serem avaliados pelo relator em sua discricionariedade para admitir o amicus curiae no processo. Destarte, não é qualquer órgão ou entidade que irá ser aceito na condição de “amigo do tribunal”. Devem ser ponderadas a relevância do objeto da ação e a representatividade da instituição candidata a fazer a prestação assistencial. A lei atribuiu ao relator o papel de valorar a pertinência da intervenção bem como o liame da entidade com a matéria discutida, considerando sempre o grau de importância do tema. O amicus deve demonstrar a utilidade de sua intervenção de forma bem motivada. Tudo isso dentro da avaliação da individualidade das causas. Perfaz-se, igualmente, a necessidade de postulação através de advogado, visto ser indispensável o conhecimento técnico no que tange à confecção das peças dos memoriais e aos procedimentos dos tribunais. 11BINENBOJM, Gustavo. A dimensão do amicus curiae no processo constitucional brasileiro: requisitos, poderes processuais e aplicabilidade no âmbito estadual. Revista Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, p. 85-108, jan/dez 2004. Segundo o autor, “na análise do binômio relevância-representatividade, deverá o relator levar em conta a magnitude dos efeitos da decisão a ser proferida nos setores diretamente afetados ou para a sociedade como um todo, bem como se o órgão ou entidade postulante congrega dentre seus afiliados porção significativa (quantitativa e qualitativamente) dos membros do(s) grupo(s) social(is) afetado(s)”. 14 Além da apresentação e juntada de memoriais escritos ao processo, tanto no âmbito estadual como no federal, o advogado do “amigo da corte” poderá valer-se da sustentação oral nas sessões de julgamento, sendo este entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal. Tal prerrogativa revela-se muito útil no âmbito dos julgamentos colegiados, que, com freqüência, geram entusiasmados debates. Some-se o fato de que o ingresso de pessoa, entidade, órgão ou grupo social pode ocorrer a qualquer tempo, até o início do julgamento final da ação. Neste caso, vale a regra comum aos terceiros no processo, que o recebem da maneira que se encontra, podendo exercer os poderes cabíveis dali em diante. O postulante do amicus também tem a possibilidade de recurso contra o despacho do relator que indefere o pedido de intervenção nos autos. Isto decorre da interpretação de que a regra da irrecorribilidade da decisão inscrita no § 2º do art. 7º refere-se apenas à decisão positiva, que acolhe o pedido do interveniente na qualidade de amicus curiae. Se a manifestação já foi admitida, quis o legislador restringir o direito recursal, visualizando os fins práticos e a celeridade do processo, posto que desnecessário aceitar recurso de algo que já foi concedido. De outro modo, a decisão denegatória gera um agravo específico ao postulante, tolhido em seu direito de participar como interessado. Assim, é justo que queira impugnar o despacho, exercendo legítimo direito à inconformação. Todavia, saliente-se que a “decisão irrecorrível” prevista na Lei 9.868/99 deve ser vista com restrições, porquanto constitui exceção à regra geral da recorribilidade das decisões, vinculada aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. 5 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DE PETER HÄBERLE E A SOCIEDADE PLURALISTA 15 O professor alemão Peter Häberle12, expoente no direito constitucional, defende método de interpretação constitucional que leve em conta a participação das potências públicas, grupos sociais e cidadãos que, direta ou indiretamente, sofram os efeitos da prerrogativa exercida pelos intérpretes lídimos na letra da lei – a exemplo dos legitimados no art. 103 da Lei Maior e dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nesta linha, consoante o autor, constata-se a saturação do monopólio interpretativo do Estado, lastreado num modelo de sociedade fechada, na qual o Poder e o povo coexistem em distância espantosa. É como se existisse um largo abismo, em virtude do qual o povo não tem acesso às deliberações constitucionais dos juízes, sem falar nos procedimentos formais que marginalizam o cidadão leigo sobre seu funcionamento. A sociedade moderna está inserida num contexto de novos valores, marcada por interesses profundamente discrepantes, exigindo uma teoria constitucional mais aberta e não mais tão arraigada à obediência à norma criada pelo Estado. A incumbência interpretativa do Estado é questionada pela sociedade pluralista, ávida por ter lugar na legitimação das decisões. As atrocidades da época do nazismo e o período pós Segunda Guerra Mundial contribuíram deveras para o surgimento de um novo modo de pensar mais humano e inclusivo, que só tende a progredir nas mais diversas esferas. Para Häberle, os critérios de interpretação constitucional são tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade. A participação dos agentes sociais no processo deve colocá-los tanto no papel de intérpretes como no de destinatários. Faz-se necessário quebrar a redoma dos intérpretes tradicionais da norma jurídica, de forma que os juízes constitucionais e parlamentares não atuem isoladamente, haja vista a riqueza democrática da participação desses intérpretes latos. A proposta do autor germânico é soltar as algemas do positivismo clássico, que aceita apenas a interpretação dos intérpretes estatais ou em sentido estrito, e albergar os anseios sociais de inclusão popular no processo de legitimação das normas e decisões. Proposta esta já vislumbrada em vários segmentos jurídicos do cenário mundial. 12HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: constituição para e procedimental da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997. 16 Depreende-se, então, que a teoria de Häberle coaduna-se com o instituto do amicus curiae, porquanto sua finalidade é justamente proporcionar a abertura do debate de teses e argumentações àqueles terceiros interessados na matéria, que, por seu relevo e feição, lhes diga respeito. É uma teoria que bem reflete as necessidades e aspirações da sociedade contemporânea, pluralista e democrática. A admissão do amicus é valiosa, vez que, através do memorial, pretende apenas apresentar ponto de vista que seja desconhecido ou ignorado pelos juízes. É verdade que também busca influir na decisão final, já que a imparcialidade não é pressuposto da atuação do amicus. Todavia, suas considerações são a título de informações adicionais, não vinculam o convencimento dos julgadores, embora possam cooperar com uma visão mais ampla e límpida do processo. 6 O ACESSO POPULAR À JURISDIÇÃO E O AMICUS CURIAE NO DIREITO COMPARADO A Constituição Federal de 1988 é digna de elogios em muitos aspectos. Sendo, ao mesmo tempo, semente e fruto de uma conjuntura avançada de nosso ordenamento, semeou as bases de uma nova ordem constitucional, ao privilegiar direitos e garantias fundamentais, e regulamentou várias mudanças político-sociais que as Constituições anteriores insistiam em manter marginalizadas da tutela jurisdicional maior. No que tange à participação popular, o constituinte de 1988 foi bastante sábio e precavido ao inscrever vários institutos que nos colocam à frente de outros sistemas no direito comparado que nem chegam a permitir o acesso do cidadão à jurisdição constitucional. Nesse contexto, o ingresso do amicus curiae em nosso direito guarda evidente sintonia com a atual Carta Magna, fortalecendo sua adjetivação como “Constituição cidadã”. 17 Como diz Lênio Streck13, o diferencial normativo representado pelos mecanismos de proteção dos direitos fundamentais e de acesso popular à tutela constitucional revela-se mais reforçado nas Constituições do Brasil (mandados de segurança e de injunção, habeas corpus, habeas data, ação popular, ADPF), da Alemanha (recurso constitucional) e da Espanha (recurso de amparo), para citar algumas. Em contraste, Portugal, cujo sistema de controle de constitucionalidade é exclusivamente normativo, e Itália não possuem instrumento viabilizador do acesso dos cidadãos em geral à jurisdição constitucional. Não obstante a inexistência desses meios de acesso em alguns sistemas, o instituto do amicus curiae vem sendo bem aceito e expandindo-se nos ordenamentos de civil law. Elisabetta Silvestri14 informa que tanto no direito francês como no italiano, os tribunais têm adotado entendimento permissivo do colaborador informal da corte, embora não haja expressa autorização legal. Na Argentina e outros países hispanoamericanos, o amicus é igualmente admitido. Apesar dos ventos que, no correr dos tempos, espalham o instituto pelos diversos ordenamentos jurídicos, é indiscutível a notoriedade que o amicus curiae atingiu no direito norte-americano, ambiente do common law onde o instituto virou símbolo de referência. A apresentação do amicus brief (memorial) é freqüente no cotidiano dos tribunais americanos, havendo circunstâncias de mais de uma centena de amici num mesmo processo15 . Contudo, recomenda-se cautela na sua aceitação pelos julgadores, vez que a disseminação do instituto acaba ensejando que também seja usado de má-fé pelas 13 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 374/375 14 SILVESTRI, Elisabetta. L’amicus curiae: uno strumento per la tutela degli interessi non rappresentati, p. 679/680. apud BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p.110-118. 15 Julgamento realizado pela Supreme Court of the U.S., em 23/06/2003, envolvendo a University of Michigan sobre sistema de cotas para minorias étnicas no procedimento de admissão ao curso de pósgraduação da respectiva Law School (faculdade de direito). A ampla repercussão do caso despertou a atenção de inúmeras ONGs, universidades, empresas e entidades civis e militares, que atuaram como amici curiae. A Universidade obteve vitória por maioria, quando a Suprema Corte confirmou o direito das universidades de considerar a raça nos processos de admissão, com fim de obter um corpo diversificado de estudantes. Disponível em: < http://www.umich.edu/news/Releases/2003/Jun03/supremecourt.html>. 18 partes, que, nos bastidores, chegam a patrocinar a confecção dos briefs por outras entidades, sendo redigidos em benefício de seus próprios interesses. Por isso, a Rule 37 da Supreme Court16 aduz que o memorial deve indicar quem, exatamente, participou da elaboração intelectual (no todo ou em parte) do amicus brief e se houve contribuição financeira para a sua preparação ou submissão, devendo ser identificadas, em nota de rodapé, as pessoas e entidades que o produziram e financiaram. Tal regra intenta conferir legitimidade ao instituto, evitando que seja utilizado de forma temerária no processo. Conforme preceitua a mesma Rule 3717, o brief que não faz jus ao seu propósito colaborador, que não traz novidade e só repete o que já está nos autos, torna-se um fardo para a corte e não deve ser recebido. Cabe frisar que a admissão do amicus brief no procedimento americano depende de anuência das partes, embora funcione a previsão de que o magistrado pode suprimir o consentimento delas em determinados casos. A título de confronto, repare-se a inexigibilidade de consentimento das partes em nosso direito, mas apenas a avaliação discricionária do relator, abalizada nos elementos relevância e representatividade. Comprovando o adiantado tratamento do friend of the court no direito estadunidense, a doutrina e a jurisprudência de lá apontam dois tipos de amici curiae: os “amici governamentais”, que desfrutam de maior amplitude de poderes em juízo; e os “amici privados”, que possuem poderes de atuação mais discretos. No âmbito das relações supranacionais, não pode passar despercebida a dimensão que o “amigo da corte” alcançou nos tribunais e comissões internacionais, especialmente nas questões envolvendo direitos humanos, e no direito continental. Os memoriais dos amici são aceitos, dentre outros organismos, pela Corte Internacional de Justiça, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pela Corte Interamericana 16Rule 37. Brief for an Amicus Curiae – 6. Except for briefs presented on behalf of amicus curiae listed in Rule 37.4, a brief filed under this Rule shall indicate whether counsel for a party authored the brief in whole or in part and whether such counsel or a party made a monetary contribution intended to fund the preparation or submission of the brief, and shall identify every person or entity, other than the amicus curiae, its members, or its counsel, who made such a monetary contribution to the preparation or submission of the brief. The disclosure shall be made in the first footnote on the first page of text. 17Rule 37. Brief for an Amicus Curiae – 1. An amicus curiae brief that brings to the attention of the Court relevant matter not already brought to its attention by the parties may be of considerable help to the Court. An amicus curiae brief that does not serve this purpose burdens the Court, and its filing is not favored. 19 de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Comumente, são oferecidos por ONGs de defesa dos direitos humanos locais, nacionais ou internacionais, associações não lucrativas de advogados, fundações ou corporações filantrópicas e, inclusive, particulares. As peças memoriais podem versar sobre disciplinas não jurídicas, abordando perspectivas históricas, políticas, econômicas, sociológicas, mas que tenham certa pertinência jurídica. As intervenções almejam, usualmente, ressaltar questões de direito comparado e informar as práticas mais comuns no país doméstico. 7 CONCLUSÃO O Direito não é estático, mas dinâmico. Acontece todos os dias na vida dos jurisdicionados e tem sua razão de ser no amparo legal de seus direitos e deveres. Assim, nada mais justo e louvável que os cidadãos e outras entidades possam ter voz ativa nas discussões do Judiciário. Para tanto, o amicus curiae apresenta-se como instituto jurídico que satisfaz dito objetivo. Tendo como berço o antigo direito inglês, mesmo após tantos séculos de aprimoramento do instituto, o amicus curiae preserva o caráter original de suas raízes traduzido na função básica de subsidiar a tarefa jurisdicional dos magistrados. A frase latina, que significa “amigo da corte”, constitui o terceiro interessado que não representa uma parte na causa, mas aparece voluntária ou provocadamente, endereçando ao tribunal parecer com explicações sobre pontos controversos de interesse difuso e coletivo. Seu intento é resguardar o interesse da sociedade e oferecer suporte técnico e hermenêutico aos juízes, declarando como ele acha que deve ser decidida a matéria. A importância do amicus revela-se na necessidade de fontes complementares e informações extrajurídicas nos casos mais complexos, cuja solução ultrapassa a mera aplicação da lei. O desfecho transcende os limites do processo e chega a atingir pessoas ou entidades fora dele. 20 Embora haja semelhanças, o amicus curiae não se confunde com outros auxiliares do juízo como o perito, o assistente e o Ministério Público no papel de custos legis. Ele é detentor de minudências específicas que o diferenciam desses outros personagens processuais. O instituto associa-se a princípios como o “contraditório institucionalizado”, a participação, a soberania popular, o acesso ao direito e aos tribunais e o princípio democrático. Também concilia-se com as diretrizes do constitucionalismo moderno e do pluralismo democrático. Nas sociedades abertas e plurais, o acesso dos cidadãos à jurisdição e a diversificação dos debates sobre a interpretação constitucional reluzem como fatores fundamentais, segundo a teoria de Peter Häberle. Nesse contexto, inserese a realidade brasileira, repleta de divergências políticas, sociais e econômicas. No âmbito da nossa jurisdição constitucional, o amicus curiae, previsto na Lei 9.868/99, veio inaugurar a abertura da legitimidade para participar do processo de controle de constitucionalidade. Com isso, quebra-se a redoma dos intérpretes tradicionais do art. 103 da Constituição Federal, aproximando os jurisdicionados em geral da atividade hermenêutica. Atitude esta muito positiva, ainda mais porque são decisões da esfera colegiada, a qual costuma suscitar ampla margem de discussão. Além disso, tratando-se da corte máxima e irrecorrível, que é o Supremo Tribunal Federal, é aconselhável a análise profunda e exaustiva da questão, definindo as interrogações com nitidez. Entretanto, mesmo antes da edição da Lei 9.868/99, o Supremo Tribunal Federal já havia aceitado, informalmente, a juntada de memorial de terceiro colaborador em ação direta de inconstitucionalidade. Não vislumbra-se reprovabilidade na conduta do STF, porquanto a função do amicus sintoniza-se de forma transparente com a Carta Magna em vigor, independentemente de previsão expressa. Caminhando por outros sistemas de direito comparado, vemos que o direito brasileiro apresenta saltos vantajosos em pontos como o acesso dos cidadãos à jurisdição e os “remédios constitucionais”. Por outro lado, ainda precisamos de aperfeiçoamentos em várias matérias. Nesta linha, o amicus curiae no ordenamento pátrio desenvolve-se inspirado no direito norte-americano, de onde “importamos” o instituto fazendo as devidas burilações à nossa realidade jurídica. É notável o patamar 21 de apuração do amicus curiae nas cortes dos Estados Unidos, sendo o país referência quando se investiga a aplicação desse curioso “amigo da corte”. Ao consignar todos os benefícios e conveniências do instituto, sem descuidar da necessidade de não deixá-lo tornar-se um fardo para o andamento processual em face do uso reprovável, verificamos que sua aplicação deve ser incentivada. É certo, também, que a admissão do amicus já é uma realidade em nosso ordenamento, com destaque para as causas do Supremo Tribunal Federal. AMICUS CURIAE: A PANORAMA OF THE THIRD PARTY COLLABORATION. ABSTRACT Amicus curiae is a third party who acts as a collaborator of the court in cases of relevant matter. This institute, originated from common law system, was well received by Brazilian law. However, it is still being adapted to our reality by home doctrine and jurisprudence. In this context we present some reflections about the subject, with the aim of building a panorama in internal law and comparative law since its earliest origins. We broached its definition, legal nature and requirements. We also connected some principles to the institute and compared it with other kinds of legal interventions to better draw its features. In addition, we singled out the participation of amicus curiae in the process of constitutionality control, which cemented the institute into constitucional jurisdiction. The importance of the ‘friend of the court’ was considered as a mean of social legitimation of legal decisions in the context of democratic pluralism, reflection of open societies and of the new constitucionalism. Therefore, it was demonstrated that its insertion into Brazilian law is welcome and adjusted to the current Constitution. At this rate, we approached the constitutional hermeneutics theory of Peter Häberle and the need to interpret laws and the Constitution according to the pluralism of our complex and controversial society, in order to allow the access of citizens to court jurisdiction. Keywords: Democratic pluralism. Amicus curiae. Third party intervention. REFERÊNCIAS 22 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 3. ed. rev., atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. BINENBOJM, Gustavo. A dimensão do amicus curiae no processo constitucional brasileiro: requisitos, poderes processuais e aplicabilidade no âmbito estadual. Revista Direito, Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, p. 85-108, jan/dez 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003. BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 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