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Mathiesen

Por:   •  9/6/2015  •  Resenha  •  1.508 Palavras (7 Páginas)  •  197 Visualizações

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Mathiesen, sociólogo abolicionista norueguês, em primeiro momento, se propõe a desconstruir um dos principais argumentos que defendem o atual sistema punitivo, o argumento que posiciona o sonho abolicionista na figura de uma utopia inalcançável, e as relações de crime e pena já estabelecidas como rígidas e imutáveis. O contra-argumento do autor se dá na forma de exemplo, ele cita a caça as bruxas espanhola, que, iniciada na segunda metade do século XV e perdurando por mais de 150 anos, viu-se completamente extinta em cerca de quatro anos, no início do século XVII,

Foi a pesquisa de um inquisidor espanhol, Alonso de Salazar Frías, realizou, que, como o norueguês ressalta, não tinha dúvidas quanto a existência de bruxas, que fora responsável pelo fim dessa prática, o objeto da pesquisa não era a existência destas, isso era fato de concordância pacífica no imaginário espanhol da época, o que se questionou foi a relação de causa e efeito entre o quanto se falavam nelas e quantas delas surgiam, concluiu Salazar após sua pesquisa:

“Eu deduzo que a importância do silêncio e da reserva da experiência mostrou que não havia bruxas nem enfeitiçados até que se começou falar e escrever sobre eles.” (Lea, 1906/1966, vol. IV:234).

Tendo sido aceita a tese de Salazar em meio aos inquisidores, a caça as bruxas acabou, pois concluiu-se que a melhor arma contra as bruxas era o silêncio.

É evidente que este exemplo é bem mais do que meramente uma ilustração de uma prática ampla que desapareceu, é possível traçar fortes correspondentes entre os elementos da caça as bruxas com o atual fenômeno que se vê na política criminal. O autor procura expor que da mesma forma que as bruxas, criação da mitologia medieval, “desapareceram” quando não foram mais mencionadas, o criminoso, criação da mitologia punitiva, também desapareceria com o fim da taxação dos crimes, nas palavras do autor:

“E minha interpretação é que uma mudança cultural importante aconteceu no interior da Inquisição e a atravessou. Em primeiro lugar, houve um a certa preparação cultural, um tipo de “moderação cultural” contra pelo menos a maioria dos tipos de caça. Esta “moderação cultural”, eu diria, tornou-se a definição autorizada da situação e foi seguida pela abolição a despeito do fato de que no ambiente havia o que hoje poderíamos chamar de um pânico moral em relação às bruxas.” (Conversações Abolicionistas; PASSETI, Edson; pg. 270, §1º)

Em seguida é trabalhado o que, na concepção do sociólogo, seria o “calcanhar de Aquiles” do atual sistema punitivo, a própria irracionalidade da prisão, irracionalidade presente na forma como a prisão busca cumprir os cinco objetivos que ela mesma estabelece.

O primeiro desses objetivos seria a reabilitação, estudos e pesquisas vastas e realizadas nas mais diversas configurações comprovam o mesmo fato: o individuo encarcerado não reabilita o infrator. O segundo seria a intimidação, os mesmos argumentos que podem ser usados no primeiro objetivo aqui se aplicam, os altos índices de reincidência compõe prova empírica da falha nesse aspecto. Depois,em terceiro lugar, temos a prevenção geral, isso é, a intimidação da prisão gerada sobre a sociedade na sua forma ampla, cito o autor:

“Uma afirmação um tanto arrojada — mas não muito — diria que temos um grande, número de estudos sugerindo que o efeito preventivo da prisão é muito modesto ou mesmo mínimo em grupos populacionais nos quais poderíamos desejar que o efeito fosse forte — grupos predispostos ao crime e de constantes infratores da lei — enquanto, talvez, seja mais forte em grupos que por outras razões são de qualquer modo obedientes à lei. Esta é uma forma de resumir os estudos econométricos, estudos históricos antes e após as mudanças legais, estudos longitudinais de vários sistemas legais, entrevistas e questionários dos efeitos das sanções esperadas e assim por diante.” (Conversações Abolicionistas; PASSETI, Edson; pg. 272, §1º)

Quarto, haveria a interdição, tanto na sua forma seletiva como na sua forma coletiva, sendo que estas diferenciam-se pela abrangência do cárcere, já que ambas consistem na retirada do potencial infrator (seletiva) ou grupo de infratores (coletiva), o argumento que aqui se coloca seria de que é impossível uma determinação apurada, e o consequente aprisionamento, de todos os potenciais infratores, tronando este objetivo falho e impraticável. Por último temos o objetivo clássico que consiste na justiça equilibrada, o cárcere como mera retribuição que busca balancear o mal causado pelo infrator com outro mal, este de origem estatal, mas é evidente que o atual modelo não pode se intitular de justiça, nenhuma vítima se sente realmente reparada, justiçada, o protagonismo do crime e do criminoso no nosso sistema retira essa possibilidade.

Ressalto agora o fato de Mathiesen apresentar todos esses argumentos que comprovam a irracionalidade da prisão, retirando a sua legitimidade, de uma posição privilegiada, isto é, de um país de primeiro mundo, pois as prisões norueguesas diferem radicalmente das prisões brasileiras, condizem com a lei do país e podem ser encontradas diversas características básicas que são ausentes na grande maioria das prisões do Brasil, dessa forma ficam afastados os contra-argumentos quanto a ineficácia das prisões por meros fatores materiais, já que, mesmo na Noruega, a prisão ainda se configura conforme foi exposto acima, um instrumento estigmatizante de controle estatal que não cumpre os objetivos que propõe para si.

Após construir sua argumentação enunciando esse caráter irracional, Mathiesen procura estabelecer os motivos pelos quais essa irracionalidade permanece oculta para grande parte da população, e ele afirma que trazer a luz essa realidade deve ser ponto crucial do movimento abolicionista, já que:

“Se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem — de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas —, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser “sentida” em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.” (Conversações Abolicionistas; PASSETI, Edson; pg. 275, §4º)

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