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Apontamentos sobre a reprodução social da desigualdade pelo sistema punitivo

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Por:   •  21/2/2014  •  Pesquisas Acadêmicas  •  1.956 Palavras (8 Páginas)  •  407 Visualizações

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5. APONTAMENTOS SOBRE A REPRODUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE PELO SISTEMA PUNITIVO

5.1 O Sistema Punitivo para Além da Legalidade

O sistema punitivo é composto por uma série de instituições estatais às quais cumpre realizar a função de controle social, pela perspectiva institucional, necessariamente jurídica. Genericamente, pode-se agrupar todas as instituições componentes do sistema punitivo em três grandes estruturas, a saber: a estrutura policial, a estrutura judiciária e a estrutura penitenciária. As funções exercidas por cada uma destas estruturas são funções que, sob a ótica restrita da legalidade, delimitam as etapas indispensáveis para que se verifique o controle social pela perspectiva jurídica. É que a legalidade do Estado de Direito exige que a punibilidade estatal seja realizada por etapas, em um processo que, partindo da constatação de um fato que se suspeita crime, passe pelo julgamento de quem o praticou com consequente condenação e termine com o cumprimento da pena.

Alessandro Baratta35 aponta para a existência de três momentos de verificação do processo de criminalização, nestes termos:

O direito penal não é considerado, nesta crítica, somente como sistema estático de normas, mas como sistema dinâmico de funções, no qual se podem distinguir três mecanimso analisáveis separadamente: o mecanismo da produção das normas (criminalização primária), o mecanismo da aplicação das normas, isto é, o processo penal, compreendendo a ação dos orgãos de investigação e culminando com o juízo (criminalização secundária) e, enfim, o mecanismo da execução da pena ou das medidas de segurança.

A predominância neste trabalho é quanto aos momentos posteriores à elaboração legislativa, ou seja, aos momentos de atução das estruturas policial, judiciária e penitenciária36.

À estrutura policial cumpre a função de coibir a ocorrência de condutas passíveis de criminalização e, quando estas ocorrem, cumpre-lhe investigar a maneira como ocorreu, com vistas a construir o suporte fático-jurídico necessário para desencadear a atuação da estrutura judiciária.

A esta cabe o julgamento da conduta apreendida pela estrutura policial, com o desenvolvimento do processo penal, cujo resultado será a condenação ou a absolvição do réu. Ainda que o complexo legislativo possua uma série de mecanismos processuais que importam em consequências específicas, isto não descaracteriza a função essencial da estrutura judiciária, principalmente para o objetivo aqui pretendido, de delimitar o sistema punitivo. Assim, basta afirmamos que à estrutura judiciária cumpre concluir pela condenação ou pela absolvição do réu.

Por fim, se o resultado da atuação da estrutura judiciária for a condenação, entrará em cena a estrutura penitenciária, que dará cumprimento à execução punitiva, com a aplicação da principal pena – pois é a mais drástica – prevista pela ordem jurídica, qual seja, a pena privativa de liberdade. Insiste-se mais uma vez. Ainda que a ordem jurídica possua outras penas, como a multa a restrição de direitos, o que aqui interessa é a caracterização do sistema punitivo. Assim, se a pena privativa de liberdade é a principal forma de punição utilizada pelo sistema punitivo, para que ela possa ser aplicada é necessário que se construa instituições encarregadas da execução desta punição.

Mas a atuação destas três estruturas não se verifica de maneira compartimentada, isolada, antes se associam, em uma dependência estrutural. E seus resultados não são percebidos apenas nos limites da legalidade, pois há uma superação que lhes encaminha para produzir efeitos diretos na dinâmica das relações sociais que ofereceram o substrato material para sua atuação.

Como forma de controle de social, o sistema punitivo não é algo que está acima da dinâmica das relações sociais, reconhecível somente nos momentos jurídicos. Pelo contrário, o sistema punitivo possui uma realidade concreta, que permite inserí-lo como parte da dinâmica das relações sociais. Esta inserção, como se disse, é concreta, pois reconhecível no processo de criminalização. Conjungando a atuação destas três estruturas é possível retirar três perpectivas pelas quais pode se verificar a reprodução social da desigualdade.

A primeira perpectiva é anterior à atuação direta do sistema punitivo, e caracteriza-se pela sua capacidade de criar um senso comum sobre a criminalidade que identifica grupos sociais específicos como aqueles dos quais não se pode esperar outra coisa senão comportamentos desviantes.

Aqui, estamos diante daquilo que permite identificar os aspectos ideológicos da atuação do sistema punitivo, ou seja, a criação de um senso comum utilizado para descrever a realidade da criminalidade e oferecer respostas, muitas vezes identificadas com o clamor social, desprovido de razoabilidade, por uma atuação punitiva cada vez mais forte.

Desta maneira, o caráter ideológico do sistema punitivo quebra possibilidades emancipatórias ao não permitir a construção de relações comunitárias que sirvam de contraponto ao problema do crime. Maria Lúcia Karam37 é elucidativa quanto a esta função ideológica, ao comentar os efeitos da discussão acerca do combate às drogas no Brasil, que assumiu para si uma dimensão do problema que não corresponde ao que de fato ocorre:

O encobrimento das razões históricas, econômicas e políticas determinantes das distinções entre drogas lícitas e ilícitas, distinção que pouco ou nada tem a ver com a maior ou menor potencialidade de dano de umas e outras e que envolve as drogas qualificadas de ilícitas numa capa de mistério e fantasia; o superdimensionamento do problema, tratado sob uma ótica definida nos países centrais, quando existem, nos paíse periféricos, problemas muito mais sérios em matéria de saúde pública; a utilização de fatores como o desenvolvimento de grandes organizações criminosas e a violência por elas gerada, que são apresentados como consequências da disseminação das drogas; tudo isso acaba por criar uma clima de pânico, de alarme social, seguido pela demanda de mais repressão, de maior ação policial, de penas mais rigorosas, como costume em situações que comovem e assustam o conjunto da sociedade.

O segundo momento já se encontra no terreno da atuação direta do sistema punitivo, pelas estruturas

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