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Paradigma Emergente

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Por:   •  31/3/2014  •  6.554 Palavras (27 Páginas)  •  246 Visualizações

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PARADIGMA TRADICIONAL E PARADIGMA EMERGENTE:

ALGUMAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO

1

Wallace Carvalho Ribeiro*

Wolney Lobato**

Rita de Cássia Liberato***

RESUMO:

É intrínseco ao Homem conhecer os objetos e os fenômenos da

realidade que o cerca, por meio de um ponto de vista que, por sinal, se

refere a um paradigma que traz consigo uma epistemologia. Nesse con-

texto, o presente artigo objetiva levantar alguns princípios e pressupostos

do Paradigma Tradicional e do Paradigma Emergente, como também visa

apresentar algumas implicações desses dois paradigmas na Educação.

Esse trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e faz

parte da dissertação de Mestrado, defendida no 1º semestre de 2009, pelo

seu primeiro autor no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC

Minas. Ao final, constatou-se que se vive hoje um período de mudanças

paradigmáticas, embora todos nós ainda temos muito do paradigma

cartesiano-newtoniano, mas o surgimento de novos problemas oriundos

da dinâmica da realidade nos impõe o desafio da transformação no nosso

ser e agir, no intento de (re)construir um conhecimento mais humano e

diversificado.

Palavras-chave:

Paradigma Tradicional. Paradigma Emergente. Educação.

TRADITIONAL PARADIGM AND EMERGING PARADIGM:

SOME EDUCATIONAL IMPLICATIONS

ABSTRACT:

It is intrinsic to human beings to get to know the objects and

the phenomena around reality, through a perspective that, by the way,

refers to a paradigm that brings along an epistemology. In this context,

this article aims at raising some principles and assumptions of the tradi-

tional and the emerging paradigm, whereas presenting some implications

of these two paradigms in Education. This work was developed through

bibliographic research and is part of the master's dissertation, defended

in the 1st half of 2009, by the first author in the Programa de Pós-

Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. In the end, it was concluded that although we are living a time of

paradigmatic changes, we still have much of the Cartesian-Newtonian

paradigm, however, the emergence of new problems from the dynamics

of reality poses the challenge of transformation in our way of being and

acting, with an attempt to (re)build a more human and diverse knowledge.

Keywords:

Traditional Paradigm. Emerging Paradigm. Education.

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*

Mestre em Educação pela

Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais

(PUC Minas). Coordenador de

Educação Ambiental do

Instituto Inhotim.

E-mail:

wallacecarvalho@inhotim.org.br

**

Doutor em Ciências e

História Natural pela

Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG). Professor do

Programa de Pós-Graduação

em Geografia - Tratamento da

Informação Espacial da

Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais

(PUC Minas). Co-autor e

orientador da pesquisa.

E-mail:

secpos@pucminas.br

***

Doutora em Geografia -

Tratamento da Informação

Espacial pela Pontifícia

Universidade Católica de

Minas Gerais (PUC Minas).

Professora do Departamento

do Curso de Geografia da

Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais (PUC

Minas). Co-autora e co-

orientadora da pesquisa.

E-mail:

liberato@pucminas.br

1. INTRODUÇÃO

O Homem é um ser indagador e transformador. Sempre buscou o

significado de objetos e fenômenos da realidade que o cerca mediante um ponto

de vista que, por sinal, diz respeito a um paradigma que traz consigo uma

epistemologia ou, como sinaliza Moraes (2004), um determinado quadro epistê-

mico, segundo o qual estabelece alguns critérios a serem seguidos no processo

de (re)construção do conhecimento.

Os avanços tecnológicos e científicos da ciência moderna erigiram

pressupostos, conceitos e princípios que nos influenciam – enquanto Homens

ocidentais – na forma de ver e fazer a Educação, por intermédio de suas ativi-

dades. A ciência avançou de uma perspectiva moderna para uma pós-moderna

2

,

tendo sempre em vista o aparecimento de novos problemas e desafios oriundos

da complexa dinâmica da vida e de seus condicionantes. Todavia, nota-se que a

Educação de hoje ainda traz em seu bojo ações e valores pautadas no cartesia-

nismo e mecanicismo da ciência moderna e, por conseguinte, instrui alunos para

o futuro com um pensamento tradicional do passado.

Esse é um artigo introdutório à discussão de paradigmas, no sentido

de levantar alguns princípios e pressupostos do Paradigma Tradicional (baseado

nas contribuições filosóficas e científicas de Galileu Galilei, Francis Bacon, René

Descartes e Isaac Newton) e do Paradigma Emergente (apoiado na Teoria da

Relatividade de Albert Einstein, no Princípio da Complementaridade de Niels

Bohr, no Princípio da Incerteza de Karl Heisenberg e na Teoria das Estruturas

Dissipativas de Ilya Prigogine) como também objetiva expor algumas implica-

ções desses dois paradigmas na Educação.

Tal trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e faz

parte da Dissertação de Mestrado

3

, defendida no 1º semestre de 2009, pelo primeiro

autor desse artigo no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas.

Sendo assim, serão suscitados, inicialmente, alguns princípios e pres-

supostos do Paradigma Tradicional e suas respectivas implicações na Educação.

Na sequência, serão apresentados alguns princípios e pressupostos do Paradigma

Emergente e também suas respectivas implicações na Educação. Ao final, serão

levantadas algumas considerações, tendo a preocupação de lançar reflexões no

que tange a construção de um saber contextualizado e ético, em consonância

com avanço do conhecimento científico e com as complexas mudanças que

ocorrem atualmente no mundo.

2. PARADIGMA TRADICIONAL

O termo paradigma é usado pelo filósofo e historiador da ciência Thomas

Samuel Kuhn (1922-1996) em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”,

publicado em 1962. Esse conceito é tratado por Kuhn como uma estrutura de

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pensamento, ou melhor, uma totalidade de crenças, valores e técnicas partilhadas

pelos membros de uma comunidade científica. Portanto, o paradigma é mais que

uma teoria, sendo o qual uma espécie de estrutura maior geradora de novas teorias.

Em contrapartida, o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921- )

vai mais além que Kuhn quando conceitua paradigma como o próprio princípio

de organização das teorias. Para Morin (1998) o paradigma impõe conceitos e

relações que controlam a lógica dos discursos no âmbito de uma comunidade

científica, permitindo que, sob sua proteção, convivam tanto as teorias e os

conceitos soberanos, quanto teorias e conceitos contrários ao paradigma vigente.

Isso, por sinal, caracteriza uma realidade poliparadigmática, na qual modelos

distintos convivem simultaneamente.

Ressalta-se então que nem sempre as revoluções científicas ocorrem

da forma como Kuhn as imaginou – como um processo ao qual um paradigma

substitui o outro. Segundo Piaget e Garcia (1987) as reestruturações, tanto da

ciência quanto da cognição, não se constituem no vazio, mas a partir de algo

preexistente que se manifesta no devir contínuo da construção da ciência e que

implicam em cortes, saltos, desequilíbrio e reequilíbrio.

Sendo assim, de tempos em tempos, as teorias estão sujeitas a per-

turbações, a anomalias, decorrentes do surgimento de determinadas indagações,

cujas soluções parecem difíceis de serem alcançadas ao se recorrer ao conjunto

de teorias de um determinado modelo vigente num certo período de tempo.

Abre-se então a novos debates e discussões a fim de se levantar novos fundamentos,

princípios e ideias que dêem conta de solucionar os emergentes problemas. As

mudanças conceituais são provenientes dessas novas discussões, o que acaba

erigindo a chamada crise dos paradigmas. No entender de Moraes (1996, 2003)

a crise provoca sempre um mal estar na comunidade envolvida, visto que muitos

intelectuais resistem às renovações de cunho teórico-prática. Já para Okamoto

(1999) o novo paradigma, a rigor, é mais adequado do que o antigo, uma vez que

o novo consegue explicar os fenômenos e processos que o antigo já não explica.

Desse modo, a visão orgânica de mundo que prevalecia na Europa na

Idade Média se caracterizava pela interdependência dos fenômenos materiais e

espirituais, assim como pela subordinação das necessidades individuais às

coletivas. De acordo com Capra (1982) a estrutura científica que prevalecia nessa

visão orgânica se pautava em Aristóteles e na Igreja.

Entretanto, a partir dos séculos XVI e XVII, a ciência medieval começou

a sofrer mudanças radicais. A ideia aristotélica de Natureza e de mundo como sendo

algo animado e vivo é substituída pela noção de uma Natureza sem vida e mecânica.

Esse é o período designado pelos historiadores de Revolução Científica.

Tal revolução para Grün (2002), por ser justamente de cunho

científico e filosófico, não pode ser resumida a somente três ou quatro figuras,

mas as influências de Galileu Galilei (1564-1642), de Francis Bacon (1561-1626),

de René Descartes (1596-1650) e de Isaac Newton (1642-1727) são expressivas

no agir humano na civilização

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ocidental.

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Galileu era físico, matemático, astrônomo italiano e foi o precursor na

descrição da Natureza em uma linguagem físico-matemática. Em meados do

século XVI esse cientista estabelece matematicamente a Lei dos Corpos em seu

manuscrito “

De Motu

”, sendo que, em seguida, corrobora empiricamente a

Teoria Heliocêntrica de Copérnico (VICENTE; PEREZ FILHO, 2003). Para

Galileu os objetos possuíam qualidades distintas, isto é, primárias e secundárias.

As qualidades primárias são reais, já que a forma, o tamanho, o número e a

posição dos objetos existem por si mesmos, independente da cognição humana,

e por conta disso, são qualidades capazes de serem mensuradas. Já as qualidades

secundárias, tais como cor, cheiro, sabor e som, são subjetivas, qualitativas,

pertencem ao domínio da sensibilidade (GRÜN, 2002). Galileu, movido pela sua

personalidade contestadora e amante da comprovação, achava que tudo deveria

passar pela experimentação (MORAIS, 1997). Dessa maneira, ele direciona a sua

atenção e importância para tudo que fosse quantificável no mundo e esse,

inexoravelmente, foi perdendo a sua sensibilidade.

Francis Bacon era filósofo, cientista, político inglês e criador de um

novo sistema de investigação no qual, para se ter o correto e exato conhecimento

dos fenômenos, seria necessário partir de fatos concretos da experiência para se

chegar às leis e suas respectivas causas (MORAES, 1996). O empirismo de

Bacon e sua lógica indutiva representavam uma nova metodologia na experi-

mentação científica, ao passo que esse cientista desejava a libertação do Homem

por meio da ciência. Nesse sentido, Grün (2002) acredita que Bacon queria o

rompimento com o velho modo de pensar e o fortalecimento de uma nova

maneira de viver calcada na superioridade do Homem frente à Natureza, pois

esse é senhor do seu destino.

Descartes é considerado, no meio científico, o pai do racionalismo

moderno. Esse pensador tinha a dúvida como ponto fundamental do seu

método, utilizando-a como instrumento básico de raciocínio. A única coisa que

para ele não havia dúvidas era a sua existência como um ser pensante, pois

sempre afirmava “penso, logo existo”

5

. Descartes deduziu que a essência da

natureza humana está no pensamento e que todas as coisas que concebemos de

forma clara e distinta são verdadeiras (OZMON; CRAVER, 2004).

Descartes propôs, no “Discurso do Método”

6

, a decomposição do

pensamento e dos problemas em partes componentes, bem como refletiu que a

disposição dessas partes se dá dentro de uma ordem lógica. Para ele o conhe-

cimento é obtido a partir da intuição e da dedução – diferentemente de Bacon

que se pautava na indução progressiva – por meio das quais se tentava construir

o conhecimento emanado de sólidos alicerces e a análise mostrava o caminho

verdadeiro para o qual fora inventada, ao mesmo tempo em que revelava que os

efeitos dos fenômenos dependem de suas causas (MORAES, 1996).

No pensamento cartesiano, a razão só pode legitimar a sua autonomia

como divisora do mundo físico, o que pressupõe a divisibilidade infinita do

objeto – totalidade divisível – e a ênfase nas suas partes em detrimento do todo.

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Na sexta parte do “Discurso do Método”, Descartes apresenta a formulação

ideológica que dará impulso decisivo à oposição entre Homem-Natureza,

sujeito-objeto, mente-corpo e espírito-matéria no Ocidente:

[...] em vez dessa filosofia especulativa que se ensina nas escolas, pode-se encontrar

numa outra prática, mediante a qual, conhecendo a força e a ação do fogo, da água,

do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos rodeiam tão

distintamente como conhecemos os diversos ofícios de nossos artefatos, poderíamos

empregá-los da mesma maneira em todos os usos a que são adequados e assim nos

tornar como que

senhores e possuidores da natureza

(DESCARTES, 1996, p. 69,

grifo nosso).

Assim, dois aspectos ficam marcantes no ideal cartesiano. O primeiro

se refere ao caráter pragmático que o conhecimento adquire – “[...] conhecimen-

tos que sejam úteis à vida em vez dessa filosofia especulativa que se ensina nas

escolas [...]” (DESCARTES, 1996, p. 69). Em decorrência disso, o conhecimento

passa a ser um meio visando o domínio dos processos, formas e elementos do

meio ambiente, tendo esse a conotação de recurso infinito e ilimitado. O segundo

concerne à visão Antropocêntrica, segundo a qual o Homem passa definitiva-

mente a ser visto como centro do mundo, um sujeito superior à Natureza.

Em resumo, Descartes (1996) exprime que o Homem é o sujeito

pensante, o

cogito,

que legitima a sua razão sobre o mundo, seu objeto. Ou

melhor, o Homem no pensamento cartesiano não faz mais parte do meio

ambiente, pois ele o domina, é civilizado e racional, restando ao meio a condição

de atraso, arcaico, tradicional e objeto. Ademais, para Descartes o Universo

material foi constituído por Deus como uma máquina perfeita, sem vida e sem

espiritualidade. A Natureza funciona de acordo com as leis mecânicas e exatas.

Tudo no Universo poderia ser explicado, através de leis matemáticas e a partir

do entendimento de suas partes (CAPRA, 1982).

O físico inglês Isaac Newton, no início do século XVIII, realizou uma

sistematização dos conceitos procedentes dos estudos de Copérnico, Kepler,

Galileu, Bacon e, sobretudo, complementou o pensamento de Descartes,

concedendo vida à visão de mundo como uma máquina perfeita

7

, sedimentando

o paradigma mecanicista. Na concepção de Newton, Deus criou as partículas

materiais, a força entre elas e as leis fundamentais do movimento. Tudo isso

funcionando como uma máquina governada por leis imutáveis. O mundo era um

sistema mecânico passível de ser descrito objetivamente, sem relacionar o

observador humano, fazendo com que tal descrição objetiva da Natureza

tornasse o ideal de toda a ciência (GRÜN, 2002; MORAES, 1996; 2004).

Nesse intento, Newton combinou as contribuições de Kepler e de

Galileu, bem como formulou as leis gerais, universais, do movimento que gover-

nam todos os objetos presentes no sistema solar, ao descobrir a influência da

força da gravidade. Esse físico ainda explicou o movimento dos planetas, da lua

e dos cometas, dentre outros fenômenos ligados à gravidade, elaborou o cálculo

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infinitesimal, desenvolveu as leis de reflexão e refração luminosas, tal como criou

a teoria acerca da natureza corpúscula da luz (MORAES, 1996).

O pensamento cartesiano-newtoniano possui o intuito de decifrar a

realidade recortando-a, moldando-a em compartimentos com vistas a dominá-la.

Tal manipulação da realidade faz com que o conhecimento torna-se a verdade

absoluta que, aplicada no modo de produção capitalista, organiza e administra a

emergente sociedade burguesa. Esse modelo produtivo, por sua vez, financia a

ciência moderna, configurando um processo de retroalimentação de proporções

incomensuráveis.

Destaca-se que o movimento Iluminista na Europa, em meados do

século XVIII, reforçou o pensamento cartesiano-newtoniano em nossas vidas.

Os iluministas consideram que o Homem é um ser dotado de razão e que esse

deveria se emancipar através do seu saber. O Iluminismo, no entender de Ribeiro

(2007), expurga os resquícios religiosos medievais e autentica a visão

antropocêntrica e pragmática no imaginário cultural e no universo ideológico, a

partir do momento em que há uma transposição às regras lógico-formais da

perspectiva mecanicista das ciências naturais para as ciências humanas,

culminando no movimento conhecido como positivismo.

Na concepção de Horkheimer e Adorno (1985) e Horkheimer (2003)

a razão iluminista não se torna apenas uma forma de razão, mas sim a razão que

desconsidera toda e qualquer forma de saber. Tal razão é instrumentalizada, pois

atender às necessidades humanas passa de fim a meio (RIBEIRO, 2007). E o fim

(objetivo final) passa, inexoravelmente, a ser o bom funcionamento do sistema –

produção, consumo e lucro.

O que não se ajusta às medidas de calculabilidade e de utilidade é

suspeito para o Iluminismo. Aquilo que não se pode desvanecer em números é

desconsiderado pelo positivismo moderno. A verdade tornou-se aquilo que é

quantitativamente palpável, o que dá resultados.

3. PARADIGMA TRADICIONAL NA EDUCAÇÃO

As ciências naturais alcançavam um extraordinário progresso nos

séculos XVI, XVII e XVIII e isso exigiu da Educação o compromisso de acom-

panhar o avanço científico. Sendo assim, o professor e cientista checo Johann

Amos Comenius (1592-1670), discípulo confesso de Bacon, acreditava que a

Educação deveria fundamentar-se no conhecimento objetivo das ciências natu-

rais (GRÜN, 2002).

Comenius tentou implantar, no campo da Educação, a reforma

pretendida por Bacon no domínio das ciências. Esse educador sempre

incentivou a experimentação concreta e almejava construir uma escola que

promovesse a instrução experimental físico-matemática, tendo a Natureza como

objeto a ser dominado (MANACORDA, 1989).

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A Educação ganhou, pela primeira vez,

status

de ciência com a

Pedagogia herbartiana. O filósofo e psicólogo alemão Johann Friedrich Herbart

(1776-1841) desenvolveu um sistema pedagógico fundado na psicologia empí-

rica, de influência newtoniana. Para tanto, Grün (2002) lembra que, foi Herbart

quem sucedeu o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), em 1809, na

cátedra de filosofia em

Königsberg

. Kant foi quem identificou o objeto científico

única e exclusivamente com a física newtoniana, impossibilitando qualquer abor-

dagem organicista da Natureza.

Kant aliás, em 1781, formulou a noção de sujeito transcendental, em

seu livro “Crítica da Razão Pura”. Tal noção se refere a de um sujeito formal e

abstrato, capaz de adquirir conhecimentos e tornar-se autônomo e reflexivo. Um

sujeito pensante que emite juízo de valor, com vistas à construção e a justificação

do conhecimento (MARCONDES, 1994).

No século XIX, a revolução política burguesa universalizou o ensino,

visando retirar os Homens da ignorância e do conhecimento especulativo, assim

como instruí-los para uma sociedade contratual, urbana e industrial, por meio de

uma escola laica

8

. Nesse processo, caberia ao Estado liberal e desenvolvimentista

criar as condições para que os cidadãos se apropriassem da racionalidade

técnico-científica da ciência moderna e essa, por sua vez, deveria estar presente

no currículo escolar, garantindo, concomitantemente, a ordem social numa

perspectiva durkheimiana

9

e legitimando a ordem democrática burguesa.

Sobre esse assunto, Apple (1982, p. 97) declara que “os interesses

sociais e econômicos que serviram de base para a atuação dos mais influentes

especialistas em currículo não eram neutros nem fortuitos”. E ainda,

ao delimitar o papel básico que o currículo escolar deveria exercer, a questão social e

econômica fundamental que preocupava esses primeiros teóricos (do currículo) era a

industrialização e a divisão do trabalho que lhe seguia (APPLE, 1982, p. 105).

Conforme Grün (2002) havia na constituição do currículo escolar esta-

dunidense, no século XIX, um código curricular que era racional e alicerçado por

três elementos estruturais: o pragmatismo, o individualismo e o racionalismo. O pragma-

tismo está em consonância com o desenvolvimento econômico da época, trans-

formando a Educação em um instrumento funcional para a reprodução da ideologia

dominante

10

da sociedade industrial, por meio de princípios e de linguagens. Vale

dizer que o pragmatismo como filosofia da Educação se baseia no progressismo do

filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey (1859-1952) que, por sinal, possui

influências do método indutivo de Bacon (OZMON; CRAVER, 2004). Já o indivi-

dualismo e o racionalismo, também contidos no código curricular, estão em har-

monia com o pensamento kantiano (KANT, 1983), tendo a Educação o escopo de

constituir um sujeito moral e emancipado, construtor da sociedade e do mundo.

Na Educação moderna, o que não é científico, calcado no cartesia-

nismo e no mecanicismo, é desconsiderado. É uma Pedagogia induzida, behaviorista,

a qual se baseia na transmissão do conhecimento pelo professor e no acúmulo

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do mesmo pelos alunos. Enfatiza-se o conteúdo programático, com vistas a

instruir uma futura mão-de-obra técnica para o mundo do trabalho – de acordo

com a demanda e os interesses da sociedade desenvolvimentista capitalista. O

erro é tido como algo ruim e deve ser evitado. O importante é o resultado

eficiente, as notas, ou melhor, o produto final. A memorização mecânica, por

intermédio de um ensino descontextualizado e pouco interativo, é o melhor

caminho na instrução de sujeitos racionais, “pensantes” e “esclarecidos”.

Ademais, a Educação moderna não valoriza o Homem como um ser

multidimensional

11

e multisensorial

12

; reitera as dicotomias entre Homem-Natureza,

sujeito-objeto, mundo interior-mundo exterior, saber científico-saber popular.

Trabalha com estratégias pedagógicas que fomentam a constituição de uma visão

reducionista da realidade, pois os fenômenos são estudados como simples,

mediante leis e modelos universais. Nesse processo, os aspectos afetivos e

intersubjetivos – diálogo entre pessoas e saberes distintos – não são fomentados.

E por fim é uma Pedagogia muito mais quantitativa que qualitativa, tendo em

vista a fragmentação e a compartimentação da realidade, da vida e do

conhecimento.

4. NOVOS PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS, NOVO PARADIGMA

Soffiati (2002) frisa que o evolucionismo do naturalista britânico

Charles Darwin (1809-1882) e a Termodinâmica, no final do século XIX,

reintroduzem a história e a irregularidade no relógio newtoniano. Darwin conse-

guiu uma explicação “natural” da evolução, sendo essa provada como um pro-

cesso orgânico. O Universo, a partir de Darwin, passou então a ser estudado

como um sistema em perene evolução e mudança. Já a Termodinâmica apre-

sentou a formulação do conceito de entropia e a sua segunda lei faz referência à

dissipação de energia sob a forma de calor, o que introduz na física a ideia de

processos irreversíveis.

Em 1905, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) desenvolveu a

Teoria da Relatividade, demonstrando que a simultaneidade dos acontecimentos

distantes não pode ser verificada, pode somente ser definida, pois ela é arbitrária

(SANTOS, 2001). Com essa teoria identificou-se que a energia tem massa e que

não há espaços e tempos absolutos no Universo, pois as medidas desses são

relativas e sua distribuição depende da matéria (MORAES, 1996). Logo, o con-

ceito de “espaço vazio” perdeu significado na Astrofísica.

Moraes (2004) nos recorda que a partir dos experimentos do físico e

químico neozelandês Rutherford (1871-1937), que bombardeou átomos com

partículas alfas, ficou demonstrado que os átomos, em vez de sólidos e indes-

trutíveis, possuíam um espaço no qual se moviam partículas extremamente

pequenas. O físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) afirmou, por meio do

seu Princípio da Complementaridade que, dependendo da forma de como as

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unidades subatômicas são abordadas, elas podem aparecer tanto como partí-

culas, quanto como ondas. A matéria vista como partícula significa que ela tem

massa e ocupa um lugar no espaço, já na forma de onda significa que a matéria

é invisível, não tem massa e não pode ser localizada.

Segundo Capra (1982) essa visão de dualidade no mundo subatômico

suscitou o conceito de realidade da matéria, que é o próprio fundamento da visão

mecanicista, ao descrever que, no nível subatômico, não se pode afirmar com

plena certeza que a matéria exista em lugares definidos. É pertinente declarar que,

a partir de Bohr, certos fenômenos tendem a existir e/ou a ocorrer de uma

determinada forma que de outra. Nada mais é visto de modo isolado, mas como

padrões de interconexões. A física quântica é a física das possibilidades.

O físico alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976), em 1927,

descobriu que o comportamento das partículas é totalmente imprevisível. O seu

Princípio da Incerteza parte do pressuposto de que não há como mensurar ou

produzir as ações de um elétron, como também esse não possui significado

como entidade isolada. A “incerteza” não é o resultado da imprecisão da vida,

mas proveniente de um princípio que poderia ser demonstrado empiricamente.

Por conta disso, Heisenberg realçava que a vida não é linear, pois ela acumula

energia e dá saltos, ela é incerta e desordenada.

Moraes fez algumas proposições ao Princípio da Incerteza de

Heisenberg, dentre essas:

a)

Na mecânica quântica, o sujeito observador altera a natureza do

objeto observado;

b)

Não há objetividade científica, uma vez que o rigor científico é

limitado (MORAES, 1996).

Sem dúvida, a Teoria das Estruturas Dissipativas do químico e físico

russo Ilya Prigogine (1917-2003) também colabora para a crise do paradigma

mecanicista. Tais estruturas são sistemas abertos, são considerados complexos

organizacionais detentores de um equilíbrio dinâmico. Na verdade, os sistemas

vivos funcionam nas margens da estabilidade cuja evolução se explica por

flutuações de energia que, em determinados momentos, desencadeiam, esponta-

neamente, reações. Essas, através de mecanismos não lineares, pressionam o

sistema para além de um limite máximo de estabilidade, conduzindo-o a um

novo estado (PRIGOGINE, 1986).

Nesse raciocínio, Prigogine nos ensina nas décadas de 1960 e 1970 que

novas organizações são criadas por flutuações ou perturbações sem precedentes,

que o comportamento dos sistemas vivos é aleatório e inesperado, assim como

a vida é possível porque é espontânea, criativa e não rígida e mecânica.

Com efeito, as construções relacionadas à Teoria da Relatividade, bem

como algumas teorias e princípios que compõem a física quântica – Princípio da

Complementaridade de Bohr, Princípio da Incerteza de Heisenberg, Teoria das

Estruturas Dissipativas de Prigogine, dentre outras – esfacelam os principais

conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica newtoniana associados à

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noção de espaço e tempo absolutos, às partículas sólidas elementares, à objeti-

vidade científica, à causalidade e a separatividade, fazendo com que nenhum

desses conceitos pudesse sobreviver às emergentes contribuições da física. O

mundo passou a ser concebido em termos de movimento, fluxo de energia e

processos de mudança.

5. ALGUMAS IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS DO PARADIGMA EMERGENTE

A visão quântica apresenta uma leitura de mundo globalizante,

holística, o que implica em uma nova ordem: a totalidade indivisível. Nessa, a

visão é ecológica, na acepção de que há interdependências complexas dos

diversos sistemas vivos que compõem a realidade em diferentes níveis, mediante

o processo de auto-eco-organização (MORIN, 1998), tendo assim a valorização

do contexto sócio-cultural ao qual, nós humanos, estamos inseridos.

A Teoria da Relatividade e os supracitados princípios da física quântica

levantam uma gama de implicações que, inexoravelmente, influenciam nossas

vidas e, por conseguinte, a Educação

13

. A ideia de totalidade indivisível é

relevante se pensarmos que o mundo deva ser visto como um todo indivisível,

no qual todas as parcelas que compõem o Universo, incluindo o sujeito obser-

vador, configuram uma única totalidade. Isso nos faz pensar que a diversidade é,

antes e acima de tudo, uma grande rede de ligações inerentemente dinâmica,

construída de interconexões invisíveis, envolvendo, de acordo com Morin (2005),

os fenômenos biológicos, físicos, psíquicos, sociais e culturais.

Outra implicação interessante é que todo sistema vivo possui autonomia

relativa. Isso é possível, pois todo sistema vivo possui equilíbrio dinâmico, visto

que o mesmo está acoplado ao meio ao qual se encontra. A interdependência de

ambos – sistema vivo e meio – proporciona incessantes esforços interacionais, por

meio de permutas de matéria-energia-informação (MORAES, 2004).

As interconexões entre elementos no interior e entre unidades sistê-

micas promovem, permanentemente, a causalidade circular de modo recursivo.

Em outras palavras, o produto de uma ou mais interações entre elementos

antagônicos acaba sendo também produtor daquilo que o produz. Assim,

sempre existirá equilíbrio em um ecossistema, mas de forma dinâmica dada a sua

aptidão a reorganização, como também o todo – unidade complexa – sempre

será ou maior ou menor que a soma das partes.

Tal noção de causalidade circular – a qual é uma implicação relevante

do Paradigma Emergente – nos incita a refletir que o mundo é constituído de

elementos distintos, mas complementares entre si, assim como nos faz inferir

que a vida é possível porque é diversa, recursiva, mutável e flexível.

Pensadores como o psicólogo e educador suíço Jean Piaget (1896-

1980), o educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997), o educador e filósofo

brasileiro Moacir Gadotti (1941- ) e Edgar Morin (1921- ) apenas para citar

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alguns, são pós-modernos, no sentido de defenderem

14

, entre outras premissas, a

de que a construção do conhecimento ocorre pela interação entre sujeito e

objeto. É óbvio que tais pensadores possuem suas singularidades teóricas, uma

vez que os mesmos têm formações e, por conseguinte, influências epistemo-

lógicas distintas um do outro, assim como se inseriam em contextos sociocul-

turais também diferentes. Contudo, em linhas gerais, o principal ponto de con-

vergência entre os mesmos é a superação da dicotomia entre sujeito e objeto.

Nesse raciocínio, as contribuições intelectuais desses pesquisadores, ao

longo do século XX, promoveram muitas reflexões e debates, no campo da Educação.

Tem-se, como resultado, elaborações e execuções de múltiplos projetos, com

vistas a erigir uma Educação mais condizente com os avanços científicos

15

e, por

consequência, proporcionar uma visão da realidade mais pertinente com as

mudanças de um mundo cada vez mais globalizado, transnacional, neoliberal,

antiecológico e extremamente excludente em vários sentidos.

A Educação pós-moderna é centrada no sujeito coletivo, se preocupa

com o processo de assimilação e acomodação, como também com a construção

do saber de forma dialógica e criativa. É uma Pedagogia contextualizada,

recursiva, interdependente com o Universo e que, por conta disso, é vista como

um sistema aberto. Essa noção de interdependência na Educação se calca nas

interações entre os diversos elementos que a compõem, tais como as disciplinas,

a sua direção e administração, os docentes, os discentes, a comunidade, os pais,

os funcionários, dentre outros. E ainda, é uma Educação comprometida com a

valorização das experiências vividas subjetivas dos sujeitos educandos e com a

sua formação política e ética, tendo em vista os conflitos étnico-culturais, a

autoconsciência ecológica e os princípios humanitários.

Somos sujeitos inacabados, em permanente busca (FREIRE, 1987,

1996; MORIN, 2005), o que pressupõe humildade, respeito à subjetividade do

outro e a transformação do erro em algo positivo dentro do sistema. Humildade

pois as verdades e as realidades não são absolutas e inquestionáveis. Respeitar o

outro porque ao respeitá-lo eu também me respeito, já que a subjetividade do

outro também me reconstrói, da mesma forma que a minha subjetividade o re-

constrói (MORAES, 2004). Ver o erro como um fator de transformação na reorga-

nização do sistema cognitivo, se justifica uma vez que somos seres limitados e o

erro é humano (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003; MORIN, 2005).

A Escola quântica é criativa, transcendente, participativa, edificadora

de ambientes alegres e estimuladora da religação dos saberes. A ênfase é dada na

aprendizagem do aluno, na sua emergência, criatividade e criticidade. A Escola

torna-se o

locus

da heterogeneidade e das múltiplas diferenças, sendo essas

revestidas pelo princípio da igualdade, pois esse princípio não dissolve o parti-

cular, pelo contrário, promove a igualdade na diferença.

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Paradigma tradicional e paradigma emergente: algumas implicações na educação

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vive-se hoje um período de mudanças paradigmáticas de uma visão de

mundo cartesiano e newtoniana para uma visão quântica e holística. É claro que

ainda não existe, no presente momento, uma estrutura conceitual e institucional

bem definida sobre a formulação do novo paradigma, mas as linhas estruturantes

desse novo modo de pensar estão em curso e sendo desenvolvidas por diferentes

agentes individuais e coletivos.

Frisa-se que as transformações paradigmáticas são lentas. Exigem re-

conceituação, reavaliação de ideias, princípios e premissas, assim como de-

manda humildade de todos e respeito às visões de mundo do outro, visto que os

conflitos e as divergências são inevitáveis. Ainda temos muito do paradigma

anterior, pois justamente fomos formados e também formamos por meio dele.

Nosso modo de ser e fazer no mundo, em grande medida, ainda são cartesianos

e newtonianos.

No entanto, a própria física quântica, bem como os ensinamentos de

Edgar Morin e de Paulo Freire, por exemplo, nos sinalizam que os sistemas vivos

são seres em perene transformação. Logo, o desafio posto para todos nós

pesquisadores-educadores, na condição de indivíduos e de coletividades, é o de

engendrar transformações no nosso modo de ser e agir, buscar um saber que seja

contextualizado e ético, bem como entender que a Educação não se restringe ao

ambiente escolar.

A busca de novas respostas procedentes de problemas complexos da

realidade se dará por meio de um quadro epistêmico mais amplo para justamente

se construir um conhecimento mais humano e diversificado em harmonia com

o avanço do conhecimento científico e com as complexas mudanças que ocor-

rem no mundo de hoje. Algumas atividades e ações importantes no mundo atual

globalizado – tais como a Informática, a Robótica, a Biotecnologia, as Teleco-

municações e o intenso hibridismo cultural – são realidades que exigem o diá-

logo de diversos saberes interdisciplinares e transdisciplinares em consonância

com um mundo dinâmico e interdependente.

Salienta-se que o alcance da consciência e da cidadania planetária

perpassa indubitavelmente por uma Educação e uma ciência mais flexível e ética,

o que proporciona a abertura de novos caminhos, na orientação do encontro

comum e do pertencimento mútuo de todos os elementos que compõem a vida.

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Wallace Carvalho Ribeiro, Wolney Lobato, Rita de Cássia Liberato

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NOTAS

1

Apoio financeiro da CAPES.

2

Na acepção de ultrapassar e/ou ressignificar valores, princípios e pressupostos modernos

(HARVEY, 1992; LYOTARD, 2002).

3

“Meio Ambiente e Educação Ambiental: as percepções dos docentes do Curso de Geografia da

PUC Minas – Unidade Coração Eucarístico”.

4

O vocábulo deriva do latim

civita

que designava

cidade

e

civile

– civil – o seu habitante (HOUAISS,

2008). Sob a ótica iluminista, civilização é o estágio da cultura social e da civilidade de um agru-

pamento humano caracterizado pelo progresso social, científico, político, econômico e artístico

(CUCHE, 1999). Isto é, quanto maior a civilidade e mais evoluída uma nação, maior é o seu grau

de civilização. E ainda, a civilização é um processo social em si, inerente aos grupamentos

humanos que tendem sempre a evoluir com a variação das disponibilidades econômicas, princi-

palmente alimentares, e sua decorrente competição por esses com os grupamentos vizinhos

(MAUSS; DURKHEIM, 2009). Para Vesentini (2004) as civilizações abrangem vários povos distintos

que constituem agrupamentos de sociedades com determinados traços culturais em comum:

origem dos idiomas, crenças religiosas, tipo de organização familiar e outras. Vesentini (2004) ainda

advoga que, há hoje no mundo inúmeras culturas e civilizações, porém existem cinco grandes

civilizações, tendo como critério básico, a considerável quantidade de pessoas que abarcam. São

elas: a ocidental, a islâmica, a hindu ou indiana, a sínica ou chinesa e as negro-africanas.

5

Em latim “

cogito, ergo sum

”. Tal frase está em latim, pois a mesma não aparece na versão original

do livro “

Discours de la Méthode

”, escrita em francês, mas emerge, anos mais tarde, na sua primeira

tradução para o latim.

6

Essa é considerada a principal obra de Descartes, a qual foi escrita em 1637. O seu intuito, ao

publicá-la, foi o de expor um novo método científico, ou melhor, de reconstruir o saber com tudo

o que isso implica de crítica e recusa da tradição cultural, assim como de negação aos proce-

dimentos filosóficos da Escolástica. Tal método científico seria composto por quatro regras:

clareza e distinção, análise, ordem e enumeração. Mais detalhes a esse respeito ver Silva (1993) e

Descartes (1996).

7

O Universo visto como um grande mecanismo de relojoaria, funcionando com precisão absoluta,

tem por base o pressuposto de que a realidade é ordenada, rígida e previsível.

8

a acepção de ser uma instituição de caráter não religiosa e leiga.

9

No entender do filósofo francês Émile Durkheim (1858-1917) a Educação formal – escolar –

possui a tarefa de modelar e preparar os alunos para as distintas funções sociais, evitando assim o

perigo da anomia – desordem social – e viabilizando o bom funcionamento social por meio da

divisão do trabalho (DURKHEIM, 1964; 1984). Lembra-se que Durkheim é um dos maiores

expoentes do que se chama na Sociologia da Educação de funcionalismo clássico, próprio do final

do século XIX e início do século XX, segundo o qual via a sociedade moderna como se fosse um

organismo biológico, em que cada membro social seria um executor funcional na divisão do

trabalho social, com vistas a manter a solidariedade orgânica, tendo o (a) professor (a), em especial

– na figura de uma autoridade moral e a serviço da coesão social – o compromisso de interiorizar

nos discentes hábitos, valores e normas sociais.

10

Ideologia designada como um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de

um indivíduo ou de um grupo, segundo os quais o orienta em suas ações sociais e, principalmente,

políticas. Segundo o filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883) a ideologia pode ser

considerada como um instrumento de dominação (consciência falsa) que age através do conven-

cimento e não da força, de forma prescritiva, alienando a consciência humana e mascarando a

realidade (WIKIPÉDIA, 2007b).

11

Segundo Morin (2005) o Homem é, a um só tempo, biológico, físico, psíquico, social, cultural e

histórico.

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Paradigma tradicional e paradigma emergente: algumas implicações na educação

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12

Para Okamoto (1999) e Moraes (1996; 2004), à luz do construtivismo piagetiano, os seres

humanos apreendem e constroem a realidade através dos seus cinco sentidos – visão, audição,

olfato, tato e paladar – e por meio de outros sentidos. Moraes (2004) diz, de forma genérica, que

esses outros sentidos estão relacionados à complexidade e a riqueza do corpo humano. Já

Okamoto (1999), de maneira minuciosa, apresenta esses outros sentidos: espacial, cinestésico,

proxêmico, do pensamento, da linguagem e do prazer.

13

A agrônoma e educadora brasileira Maria Cândida Borges de Moraes propôs em sua tese de

Doutorado, defendida na PUC São Paulo, em 1996, o Paradigma Educacional Emergente

elaborado a partir de um conjunto de novas pautas educacionais e de um arcabouço teórico

fundamentado nas questões epistemológicas derivadas da Teoria da Relatividade, da Teoria da

Estruturas Dissipativas e dos princípios da Complementaridade e da Incerteza. Nesse sentido,

Maria Cândida é uma das primeiras pesquisadoras no Brasil a refletir sobre a possibilidade de se

desenvolver a visão sistêmica no âmbito educacional. Para mais detalhes, consultar Moraes (1996).

14

Mesmo que alguns desses pensadores já tenham falecido, seus ensinamentos e conhecimentos

estão vivos em suas obras e servem de suporte teórico para a construção de uma Educação

quântica e pós-moderna.

15

Não se quer aqui afirmar que toda a sociedade tem que andar a reboque da ciência. Tais avanços

científicos são exaltados, pois os mesmos são revestidos de princípios – tais como a flexibilidade,

a interação e o diálogo – os quais prezam a transcendência e a emancipação dos sujeitos, a inter-

disciplinaridade e a transdisciplinaridade dos diferentes campos do saber.

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