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Relacao Juridica

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Por:   •  16/11/2014  •  7.098 Palavras (29 Páginas)  •  331 Visualizações

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Relação jurídica

Elementos e estrutura da norma jurídica. O bem jurídico

DE MODO TRADICIONAL, OS ESTUDOS jurídicos não concentram as suas preocupações introdutórias no estudo das relações jurídicas como pressuposto do fenômeno jurídico e, por conseguinte, do conhecimento jurídico. A relação jurídica é exatamente a expressão normativa que traduz as relações sociais ou condutas juridicamente relevantes. A norma jurídica, enquanto conceito que pensa a conduta, é que define e articula os seus elementos constitutivos. Por essas razões, o estudo das relações jurídicas estará sempre (e necessariamente) condicionado e vinculado ao conceito de norma e à tipificação normativa da conduta ou das relações sociais.

Foi com o moderno desenvolvimento da sociologia jurídica e com os estudos críticos sobre Hans Kelsen, especialmente do jurista argentino Carlos Cossio e dos brasileiros Miguel Reale e A.L. Machado Neto, que não apenas se viabilizou o estudo do direito como o estudo das relações jurídicas, mas, especialmente, da relação jurídica como expressão conceitual significativa de determinadas relações sociais. A relação jurídica é, consequentemente, a possibilidade fática de realização da prescrição que normativamente conceitua determinadas relações sociais. A relação jurídica é sempre e necessariamente uma abstração normativa sobre determinada relação social, o que significa que nem toda relação social seja ou venha a ser conceituada como uma relação jurídica. Existe sempre uma íntima possibilidade de correlação entre o mundo dos fatos sociais e o mundo jurídico, mas não se pode afirmar que todo o âmbito das ocorrências sociais seja alcançado pelos conceitos normativos, nem ao menos como conduta lícita.

Nesse sentido, a sempre rotineira afirmação de que “tudo que não é juridicamente facultado é juridicamente proibido”, embora expressiva da correlação entre as relações sociais e as relações jurídicas, dá aos fatos sociais totais uma dimensão de relevância jurídica que a totalidade dos fatos sociais não possui. Por outro lado, a afirmação de que “tudo que não é juridicamente proibido é facultado”, excluindo a dimensão jurídica do permitido, limita o âmbito normativo do direito e deixa entender que se restringe o direito à mera regulamentação da conduta punível ou criminalmente relevante (Machado Neto, 1988:152).

Há que se reconhecer na primeira das afirmações uma vocação universalista que o direito não tem, permitindo que se afirme que todo o mundo das condutas ou é juridicamente facultado, permitido, ou é juridicamente proibido, ilícito. Essa vocação abrangente da afirmativa reduz todo o mundo dos fatos sociais ao mundo jurídico e permite mesmo uma confusão metodologicamente indesejável: o âmbito das normas seria o âmbito dos próprios fatos. Tudo seria jurídico. A segunda das afirmativas, embora expressiva da original formulação kelseniana, reduz o direito à conduta ilícita, à ameaça punitiva do Estado, fechando os seus canais de abertura e convivência social juridicamente harmônica.

O direito, enquanto norma que pensa a conduta, é uma forma especialíssima de contemplar determinadas e específicas relações sociais, e não todas elas, como condutas ou relações sociais juridicamente relevantes, que, pela sua importância social, pelos seus efeitos na vida e na organização social, precisam ser prescritos dentro de determinados âmbitos e limites. Nesse sentido, o paradoxal exagero da modéstia kelseniana afirmando que “tudo que não é juridicamente proibido é facultado” (Kelsen, 1979:338), mais decisivamente contribui para a definição e delimitação do fenômeno jurídico do que o expansionismo jusfilosófico de Carlos Cossio. Kelsen admitindo, todavia, que o direito se reduz às condutas definidas juridicamente como proibidas, renuncia à percepção do amplo espaço jurídico das condutas lícitas reconhecidas pela ordem jurídica como condutas de importância jurídica relevante.

Não há uma vocação imanente à ordem de apenas definir condutas jurídicas ilícitas, como também não há definir condutas lícitas. Da mesma forma que não podemos afirmar que por serem algumas condutas juridicamente relevantes como lícitas, outras como ilícitas, não significa que fora desses âmbitos outras condutas não tenham qualquer importância jurídica por se incluírem no mero âmbito dos fatos sociais tradicionais ou novos. Portanto, a norma pode prescrever como relevantes juridicamente tanto condutas ilícitas, explicitando, nesses casos, a sanção cabível, como condutas lícitas, que se presume devam ser cumpridas. A norma é uma prescrição hipotética, abstrata; a sua realização é que provoca consequências e efeitos jurídicos.

Assim, se a norma define explicitamente como juridicamente ilícito o homicídio: “Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos” – ou a subtração de coisa alheia móvel (furto): “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa” (art. 155, CP) –, não significa de forma alguma que em outras circunstâncias identifique-se a conduta lícita pela definição explícita da conduta juridicamente ilícita. Por exemplo: ao fixar os parâmetros legais da vida conjugal estabelecendo como deveres de ambos os cônjuges: “I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos”, ou mesmo quando um contrato interindividual dispõe que deverá o inquilino efetuar o pagamento do aluguel nos prazos prefixados ou, numa última hipótese, uma lei municipal qualquer que disponha que a abertura de comércio depende de prévio alvará de funcionamento, estar-se-ia definindo o juridicamente lícito, mas poder-se-ia concluir qual seria a conduta ilícita. Por outro lado, fora desses específicos âmbitos da conduta legal relevante, outras situações se impõem, embora juridicamente desprezíveis como socialmente significativas.

Os exemplos supra mostram muito claramente que não se pode espezinhar os fatos e reduzi-los à expectativa jurídica. A prática jurídica, ou mesmo a prática social, dá relevância à conduta, tanto através de prescrições juridicamente lícitas como ilícitas, o que acaba beneficiando, senão o universalismo abrangente da proposta de Carlos Cossio, pelo menos as preocupações teóricas de não se transferir para o puro mundo dos fatos sociais as condutas lícitas juridicamente relevantes. Isso significa que o reducionismo kelseniano se permite uma identificação mais nítida do fenômeno jurídico, restringe, em

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