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A Sociologia da religião vem configurando-se desde o século XIX

Por:   •  19/6/2017  •  Trabalho acadêmico  •  5.524 Palavras (23 Páginas)  •  203 Visualizações

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Resumo

A sociologia da religião vem configurando-se desde o século XIX como uma das subdisciplinas mais relevantes da ciência sociológica. Autores clássicos como Emile Durkheim ou Max Weber têm influído poderosamente nas posteriores gerações de sociólogos e as suas ideias acerca do feito social religioso e das instituições religiosas marcam todavia os itinerários a continuar pela comunidade científica. Além disso, desde 1945 a chamada tese da secularização foi tomando força até se converter no paradigma dominante da disciplina, concentrando a atenção e os esforços de grão parte dos investigadores. A vitalidade mostrada pelas religiões no mundo atual semelha invalidar a ideia central da se

cularização segundo a qual a modernidade e a religião viriam a ser incompatíveis. Neste trabalho sustenta-se que a sociologia da religião tem alcançado um ponto de esgotamento teórico e empírico em torno das propostas durkheimianas e weberianas e que, por outro lado, tem caído num certo descrédito ao revelar-se muito insuficiente e mesmo erróneo o que até agora era considerado o seu paradigma principal. Elabora-se aqui uma diagnose da atual sociologia da religião, fruto duma prolongada pesquisa teórica, na que se distinguem até seis características chave. De seguido formulasse uma proposta para sacar à disciplina do estancamento no que se encontra, materializada em duas medidas que pretendem convidar a repensar dum jeito profundo e audaz a nossa disciplina a fim de poder respostar às questões que o século XXI vem presentando.

1. Introdução. A sociologia da religião é um produto do pensamento moderno ocidental e a sua aparição pode datar-se na primeira metade do século XIX. O seu nascimento e primeiros desenrolos correm parelhos aos da sua matriz, a sociologia, que então apresentaba-se como uma nova ciência da sociedade. Desde o início muitas das melhores mentes da sociologia prestaron -por distintos motivos que mais adiante mencionar-se-ão- grande atenção à religião enquanto que instituição e feito social de primeira magnitude. Entre o conjunto destacado de pensadores sociais e sociólogos que lograron ja desde os primeiros tempos proporcionar um corpus consistente de temáticas, conceitos, teorías e sistemas para a sociologia da religião, sobresaem especialmente dois, Èmile Durkheim e Max Weber. Coetâneos e grandes figuras da sociologia ambos, som os verdadeiros artífices da consolidação do estatus científico da disciplina. As obras que Durkheim e Weber dedicaron ao esclarecimento da vida religiosa establecerom sólidas vias de indagação que têm chegado até os nossos dias e em muitos sentidos -não todos eles bos- têm influido profundamente na tarefa que os sociólogos da religião posteriores haveríam de realizar. Uma ideia, procedente na sua origem dos presupostos ilustrados, foi amplamente compartida por um grande número de escritores do século XIX, sofisticándo-se mais tarde até tomar rango de paradigma e incluso de teoria durante o século XX. Dita ideia consistía em considerar a religião, a magia e a superstição como vestígios das crenças proprias dos povos primitivos e pouco civilizados. Em consequência, Europa, embandeirada do progreso e da razão, devia desbotar ditos produtos apenas aceptáveis em sociedades «imaturas», mas de tudo ponto censuráveis em sociedades cada vez mais dominadas pela ciência e a tecnología. O debate vivido naqueles dias foi apaixonante e perigoso, pois tinha que romper-se com o statu quo eclesial. Em síntese e, para a maioria de intelectuais, a religião e a modernidade colocabam-se num mesmo plano de antagonismo. Dito doutro jeito, a modernidade conformada no seo das sociedades avançadas vinha a deslocar e incluso a erradicar rápida e definitivamente a religião, que até então tinha servido de guia moral e provedora de cosmovisões a uma imensa parte da humanidade. A ideia de antagonismo entre religião e modernidade perdurou e projectou-se no século XX, com as interrupções lógicas devidas às duas Guerras Mundiais, dando lugar a partir de 1945 à denominada tese/debate da secularização. Dito debate toma especial viveza nas décadas de 1960 e 1970, chegando a se converter numa temática transversal para tuda a sociologia da religião. A gama de interpretações formuladas acerca do fenómeno da secularização não é nada desdenhável e as piruetas interpretativas sucedem-se e complicam-se dum autor a outro. Em essência, o que a secularização vem representar é um processo pelo qual a religião vai perdendo de maneira progresiva mas indefectível a significação social e a capacidade de explicação e outorgamento de sentido da vida e do mundo. Pérdida que tem o seu reflexo directo nas atitudes individuais, no papel a jogar pelas organizações e na orientação das sociedades. A tese da secularização remata por se converter no paradigma dominante no que trabalha durante varias décadas o grosso de sociólogos da religião e a sua vigência chega até a actualidade da nossa disciplina, isso sim, ja muito mais matizada pois começa a se observar como uma corrente em declive. A constatação observável na modernidade tardia da saudável situação da religião no mundo contemporâneo semelha indicar que apesar dos numerosos e brilhantes esforços teóricos de muitos colegas científicos, modernidade e religião não só não são incompatíveis, senão que aquela proporciona um marco propício para o florescimento de novas e enérgicas expressões de esta. Em definitiva a comprovação da persistencia da religião -da superstição e da magia, haveria que somar- no mundo actual, sinala claramente o erro de quantos vaticinabam a desaparição da crença religiosa e obriga à nossa disciplina a um replanteamento das suas prioridades. 6 de 13 2. Características da sociologia da religião actual. A pujança da qual gozou a sociologia da religião na sua orígem foi-se amornando progresivamente até chegar a uma situação de estancamento na que, segundo se sustenta neste artígo, acha-se a disciplina na actualidade. A tese aquí defendida é que principalmente existem duas causas para explicar tal situação de estancamento, a saber: por um lado presume-se um certo agotamento em torno à obra dos autores clássicos, nomeadamente as de Durkheim e Weber; pelo outro, o ter apostado a disciplina de maneira desmedida por um paradigma como o da secularização, que tem-se demostrado ao cabo pouco ajustado à realidade. O observador atento da nossa disciplina sem dúvida fará conta que algumas outras circunstâncias têm devido concorrer para produzir a perda da vitalidade que hoje presenta a sociologia da religião. Efectivamente. Para descobrir quales som essas circunstâncias intentará de se delinear neste trabalho uma caste de diagnose da disciplina. Segundo a diagnose aquí praticada, cabería salientar as seguintes características: 1) Dispor duma rica tradição sociológica; 2) perceber-se certo estancamento em torno a dita tradição; 3) ter convertido uma corrente conjuntural em leit motiv; 4) existir intrusão de determinadas teologias; 5) dar-se uma desunião entre antropologia e sociologia da religião; 6) ser a sociologia da religião uma subdisciplina multiparadigmática. 2.1. Dispor duma rica tradição sociológica. A sociologia da religião nasce face a 1850 sendo, como tem-se dito coetânea da sua ciência matriz. Muitos dos autores clássicos da disciplina, como por exemplo Marx, Spencer, Müller, Tylor, Pareto, Frazer, LévyBruhl, Durkheim, Simmel, Weber, Troeltsch, Mauss, Radcliffe-Brown, Lowie ou Malinowski, dedicarom boa parte das suas vidas à pesquisa do campo religioso. Sem dúvida erão distintas as motivações que os moviam a realizar tal empresa, mas devem sinalar-se dois principais: em primeiro lugar algums destes sociólogos -ou protosociólogos- mais sagazes descobrirom que na compreensão do fenómeno religioso abriase ao entendimento uma grão parcela da vida social; o segundo motivo a mencionar, menos elevado se se quere, é que muitos intelectuais viviam e trabalhabam imbuidos no espírito ilustrado do momento e estudabam a fundo a religião com a fim de demostrar que era consequência da incultura dos povos e que o progresso, mais cedo que tarde, encarregaría-se de a erradicar. Este espírito histórico é a origem do que décadas mais tarde dará en chamarse «teoria da secularização». Tudas as propostas dos autores clássicos, válidas umas e obsoletas as mais delas, tomadas no seu conjunto significam um capital teórico muito importante, ja que entre tudos deron corpo a uma colecção de problemas científicos suficiente como para requerer a criação duma disciplina específica que hoje conhecemos pelo nome de sociologia da religião ou antropologia da religião. Não é possível profundar em pouco espaço nas distintas propostas e sistemas teoréticos concebidos pelos autores clássicos, mas aos habituais Marx, Durkheim e Weber, sim deseja-se reivindicar aqui a necessidade de somar as meritórias obras em matéria religiosa de Spencer, Tylor, William James, Simmel e Malinowski. Portanto, a sociologia da religião presenta, bem olhada, uma rica tradição de pensamento muito mais coral do que normalmente se pensa. 2.2. Estancamento em torno à tradição. Se bem é certo que nos começos da sociologia da religião a produção intelectual foi muito abundante e todavía na actualidade determinados parágrafos escritos antes da II Guerra Mundial têm a virtude de nos fazer vibrar com a sua leitura, não deixa de ser certo que uma renovação de ideias poderia devolver à disciplina a frescura que semelha ter perdido. Assim, de maneira um tanto exagerada, pode-se dizer que a sociologia da religião leva cem anos dando voltas ao redor das mesmas ideias. É, como se advirte, uma exageração pero a verdade é que a disciplina parece acusar uma situação de estancamento, incluso de 7 de 13 agotamento, pelo que fai ao âmbito teórico. Dita situação só é interrompida, não sempre para bem, pelas formulações teóricas expressadas em relação à secularização e à sua sequela, a desecularização. Dispor duma sólida tradição de pensamento científico é um feito muito positivo para a nossa disciplina, pois proporciona uma ampla base desde onde poder desenrolar novas propostas. Mas acostuma a presentar uma contrapartida ou efeito não-desejado, que é a de condicionar o caminho a andar e a desincentivação do investigador a se sair da senda marcada pela comunidade científica. A herdança dos três ou quatro autores mais relevantes da sociologia resulta muito valiosa mas também exigente; obriga ao menos timorato dos sociólogos a medir as distancias e as palavras. Não ha dúvida que o investigador que hoje pretenda pesquisar o significado do sagrado ou a diversidade de religiões laicas terá que debater com Durkheim e Mauss, quen sinta interesse pelas organizações religiosas, a secularização ou a liderança (carismática) religiosa não poderá deixar de revisitar as páginas escritas por Weber, quen tenha interesse por estudar os movementos de integrismo religioso, o conflito social religioso e a relação existente entre mudança social e mudança religiosa, terá a obriga de se enfrontar cos textos de Marx. Nada reprovável ha nesta atitude, os clássicos estão aí para ser explorados e reinventados pelas novas gerações. Contudo, a sociología da religião de hoje em dia tem a necessidade de proporcionar respostas a novos problemas que dificilmente acharám solução se não se avança na descoberta de novos enfoques e na apertura de novas linhas de investigação. 2.3. Fazer duma corrente conjuntural o «leit motiv». Até aproximadamente a segunda metade dos anos ’80 do século XX a maior parte dos sociólogos creíam que o fenómeno da secularização era certo, ilimitado e imparável, e à interpretação e à análise do mesmo dedicarom boa parte do seu tempo e dos seus esforços. Hoje o fenómeno está em entredúvida, mas o feito de ter sustentado a nossa disciplina uma conceição falsa acerca do alcance da secularização por um período tão prolongado de tempo tem acarreado algumas desgraciadas consequências. Talvez a mais grave de tudas elas seja que a secularização funcionou durante anos como um elemento transversal da sociologia da religião, à luz da qual deviam ser interpretados tudos os problemas aos que a disciplina estimaba oportuno atender. Naturalmente, se uma disciplina científica parte dum critério erróneo para julgar as matérias que lhe são proprias, tais juízos contaram com bastantes probabilidades de resultar também erróneos. Outra consequência, muito mais relativa se se quere, é a de ter incorrido a nossa disciplina num alto custo de oportunidade, é dizer, o (muito) que a sociologia da religião deixou de avançar noutras matérias durante as últimas décadas por ter-se entretido em demasia nos labirintos da secularização. Se bem é certo que a secularização merece ainda seguir sendo investigada, pelo interesse intrínseco do conceito-fenómeno-debateparadigma-teoria e porque, como tem escrito a professora Vilaça, todavia ficam muitas questões epistemológicas irresolutas (Vilaça, 2003: pp. 96-97), não semelha embora recomendável que em diante ocupe nem a metade da atenção da que até agora vinha gozando. 2.4. Intrução de determinadas teologías. A aparição da sociologia no panorama científico mundial foi seguida por algums teólogos com grão interesse mas também com a esperança de que a nova disciplina contribuise à consolidação duma sociologia religiosa confessoral. Dita sociologia religiosa confessoral era em verdade uma teologia social aplicada que, apesar de tomar a linguagem, as teorias e os autores da sociologia enquanto que ciência positiva da sociedade, a sua atitude era essencialmente deductiva e doutrinal. Dito doutro jeito, a pseudosociologia que algums teólogos desejabam impulsar não derivaba da observação dos feitos humanos, senão da especulação apartir de textos religiosos. A consequência de pôr em circulação «sociologias religiosas confessorais» e «antropologias teológicas» junto à sociologia da religião é que isto conduze a uma confusão absolutamente rejeitável, pois implica revestir de científico ante um amplo público consumidor de ciência umas formas de conhecimento que pertencem a outra esfera distinta, a da crença e o sobrenatural. Assim, quanta mais confusão presenta o 8 de 13 sistema, maior descrédito alimenta a sociologia da religião. Porém, deve aclarar-se que não tuda influença procedente da teologia tem sido negativa para a sociologia, eis os casos de Rudolf Otto, Paul Tillich ou H. Richard Niebuhr, por sinalar só três exemplos, que têm enriquecido o discurso sociológico sobre a religião. 2.5. Desunião entre antropologia e sociologia da religião. Não semelha discutível o feito de que a antropologia e a sociologia da religião tenham uma origem compartida na que vozes clássicas como as de Spencer, Müller, Tylor, Frazer, Durkheim, Weber, Mauss, Radcliffe-Brown ou Malinowski ressoam indistintamente numa e outra sem se poder apropriar nenhuma delas en exclusiva. Apartir desse ponto em comum, ambas disciplinas científicas iniciam um processo imparável de distanciamento muitas vezes justificado sob pretexto duma especialização que se bem é real, quando menos resulta questionável. Entre antropologia e sociologia da religião existem similitudes e diferenças que permitem argumentar ora em favor da ideia que ambas são ou deveriam ser a mesma coisa, ora em favor da ideia de que ambas têm um pasado comum mas um porvir independente. Entre as similitudes cabe sinalar um mesmo substrato teórico inicial -com autores clássicos ja mencionados-, mas também uma atitude generalizada de indiferença e mesmo hostilidade relativa à religião nesses primeiros autores. Compartem, ambas ciências, multitude de conceitos e categorias proprios da linguagem etnográficosociologica e ainda hai transvase naqueles casos onde os termos semelham mais especializados, por exemplo nos de mana, orenda ou manitu. Teorias e paradigmas científicos acham-se por igual em ambas ciências, por mais que umas podam topar melhor aceitação na antropologia e outras na sociologia. Ambos tipos de científicos centram os seus esforços cada vez mais nos cenários urbanos e a misião para ambos não deixa de ser común, desenrolar teorias analíticas e sistemáticas da religião. Mas também existem diferenças: a antropologia tem tendido historicamente ao estudo de sociedades primitivas primeiro e campesinhas mais tarde, mentres que a sociologia poucas vezes tem saido do âmbito urbano ocidental nas suas pesquisas. Quanto à metodologia, existem numerosas convergencias, mas pode-se dizer que a antropologia emprega mais as técnicas qualitativas mentres que a sociologia fai maior emprego das quantitativas. A perspectiva dos sociólogos da religião tem sido quase exclusivamente cristianocéntrica, mentres que os antropólogos da religião têm aberto as suas miras a tudas as religiões e outras formas mais ou menos afims como a magia, a bruxaria, o feiticismo, o xamanismo ou a superstição. A diferença chave probávelmente encontra-se na construção das identidades profissionais separadas que materializa-se na distinção de departamentos universitários, colegios oficiais, associações profissionais ou publicações especializadas entre as quais de cotío existe pouca comunicação e intercâmbio. Em sintese não deve entender-se que o que aqui se propõe seja a fusão imediata de ambas disciplinas, senão a promoção do intercâmbio de ideias, dados, modos de contemplação dum mesmo fenómeno, análises críticas e conceitos. Se do hipotético achegamento remata por se deducir a conveniência de fusionar ambas subdisciplinas em favor duma mais completa, com mais amplas miras, com maior poder explicativo e a capacidade de analisar e explicar o fenómeno religioso em qualquer lugar do mundo, esso só o tempo o amostrará. 2.6. A sociologia da religião como subdisciplina multiparadigmática. A peculiar circunstância epistemologica na que se move a sociologia em general e a sociologia da religião em particular, permite manter ao tempo à nossa disciplina vários paradigmas dentro dos quais poder trabalhar. Esta peculiaridade não é tanto um handicap como uma oportunidade de alcançar mais ricos resultados e facilita aos sociólogos da religião a possibilidade de ir adicionando novos paradigmas conforme vai mudando o cenário religioso. Porém não cabe dúvida que é uma complexidade adicional. 9 de 13 Tomando o conceito «paradigma» como sinónimo de escola ou línha de pensamento, actualmente podem-se identificar quando menos quatro paradigmas distintos na sociologia da religião: a) de influxo durkheimiano (v. g. estudo das religiões profanas); b) de influxo weberiano (v. g. estudo da oposição racionalizaçãoreligião); c) de influxo marxista (v. g. estudo do integrismo religioso em relação ao conflito e ao câmbio social); d) estrutural-funcionalista (v. g. estudo da relação entre religião e coesão social ou entre religião e identidade). Contudo, a ambiguidade do conceito «paradigma» permite que seja entendido não só como escola ou línha de pensamento, senão também como sinónimo de teoria e incluso de problema científico. Neste sentido algums colegas falam do paradigma modernização-secularização, do paradigma câmbio religioso-câmbio social ou do paradigma religiões sobrenaturais-religiões laicas, sendo tudos eles perfectamente válidos. 3. Uma terapêutica para a disciplina. Se, como tem-se visto, a sociologia da religião vive uma situação de estancamento produzida por uma série de circunstâncias que a levam empobrecendo desde 1945, só aos sociólogos da religião corresponde a tarefa de a sacar da situação crítica na que se encontra. A opinião aquí defendida é que unicamente através dum pensamento audaz, que não perda as referências da tradição sociológica, mas que seja o bastante livre como para criar sem ataduras, poderemos dar resposta como colectivo científico às exigencias que hoje em día se lhe demandam à nossa disciplina. A cada vez maior celeridade dos câmbios sociais, a profunda influença das modernas tecnologías da comunicação ou os interesantes avanços realizados pela neurociência cognitiva nos últimos anos são questões que não podem escapar à olhada dos sociólogos nem dos antropólogos da religião. A fim de revitalizar a sociologia da religião haveriam de se adoptar, segundo este trabalho, duas medidas: 1) reinterpretar e redimensionar as teorias clássicas da religião; 2) ensaiar paradigmas científicos inovadores. 3.1. Necessidade de reinterpretar e redimensionar as teorias clássicas da religião. Uma leitura atenta dos primeiros sistematizadores do tratamento científico da religião enquanto fenómeno social deixa bem sentado que, desde os seus inicios, as teorias formuladas entre a segunda metade do século XIX e o primeiro terço do século XX podem-se agrupar em duas grandes tendencias. Constata-se, então, a existencia de duas formas históricas de entender a sociologia da religião: uma de corte psicologista, centrada nos traços da personalidade; sociologista a outra, outorgando primazía à influença da sociedade sobre o individuo. À primeira pertencem autores como Spencer, Tylor, Pareto ou Simmel, à segunda, os mestres Durkheim e Weber. Os trabalhos sobre religião realizados pelos autores pertencentes ao primeiro grupo encontram-se hoje ensombrados ante o sucesso alcançado pelos dois segundos. A tendencia sociologista da sociologia da religião tem relegado ao esquecimento à tendencia psicologista. Na prática este feito significa que as explicações propostas por Émile Durkheim e Max Weber sobre religião têm rematado por se impor a outro tipo de explicações como as que no seu momento elaborarom Herbert Spencer, Edward B. Tylor, Vilfredo Pareto, Georg Simmel, Bronislaw Malinowski ou mesmo o filósofo pragmatista William James. Esta circunstância tem mais que ver com o modo como vão desarrollando-se as ciências sociais que com a validez das teorias em si mesmas. É dizer, de continuo a comunidade científica atua prestando a sua atenção e apoio a umas correntes de pensamento e deixando caer outras, lentamente, no olvido. Não significa necessariamente que umas sejam certas por completo e as outras erróneas, senão que, por diversos factores que seria ocioso percorrer aquí, umas linhas de pensamento casam melhor que outras com o espírito dos tempos. Por fortuna as ciências sociais têm o potencial de recuperar num momento determinado ideias formuladas em tempos pretéritos. 10 de 13 Neste trabalho quere-se reivindicar especialmente a figura de Herbert Spencer, quem nos seus First Principles (Primeiros principios) de 1862 e posteriormente nas suas Instituições eclesiásticas de 1885, que forma parte da obra maior Principles of Sociology (Principios de Sociologia), lega-nos uma rigorosa teoría sociológica sobre a religião, equiparável em qualidade às muito reconhecidas teorias durkheimiana e weberiana da religião. Spencer tomou o culto do espírito dos antepassados como elemento central para a sua explicação da origem da religião, de onde derivará também a resposta à pregunta mil vezes formulada «¿que é a religião?». Mas, ficar na sua contribução à chamada teoria espiritista, obviando o conjunto sistemático de intuições e raçoamentos geniais que completam a sua teoria geral da religião é, segundo este trabalho, um erro reproducido geração tras geração entre os sociólogos. Juntamente com Spencer, faze-se precisso reinterpretar a obra de Tylor, pioneiro da antropologia a quem devemos o conceito principal de animismo e outras inteligentes observações sobre a religião e a cultura primitivas. Saindo por um momento da tradição estritamente sociológica topamos as inspiradoras formulações feitas por William James acerca da dupla religião pessoal – religião institucional e a importância que concede este autor aos líderes religiosos. Por outro lado, Vilfredo Pareto não dedicou muitas páginas ao tratamento da religião mas o seu conceito de sentimento, olhado não necessariamente como um impulso instintivo biologicamente herdado, amossa a sua relevancia ao pensar-se no sentimento religioso, capital para a interpretação do fenómeno religioso no seu conjunto. De Simmel podem-se tirar novedosas linhas de trabalho, construindo sobre a sua ideia de que muitas relações humanas escondem sentimentos e impulsos religiosos ou, dito doutro jeito, que em condições não-religiosas podem-se achar «momentos religiosos», por exemplo -di Simmel-, na relação dum filho devoto respeito aos seus pais, na dum patriota entusiasta pelo seu país ou na dum orgulhoso senhor feudal pelo seu estamento. Malinowski, cuja obra talvez é mais conhecida que a dos autores anteriores, acertou a sinalar algumas das mais importantes funções sociais da religião. Fez finca-pé na função consoladora e alentadora da religião frente às adversidades e, sem dúvida, não é casualidade que hoje em dia a neurociência cognitiva da religião esteja a descobrir no cerebro humano o reflexo dessa observação malinowskiana anticipada em sesenta anos. Em síntese, pode-se dizer que tudos estes autores -de corte psicologista- são muito pouco conhecidos pelos sociólogos da religião e em verdade uma releitura creativa dos mesmos pode resultar de grão proveito para a nossa disciplina. Por outro lado, o quadro quase mitológico tecido ao redor dos gigantes Durkheim e Weber tende a diminuir quando se enfronta uma leitura crítica das suas obras e quando ademais tem-se notícia do que outros pensadores de valia escribirom no seu momento. De aí a necessidade de enfrentar uma reinterpretação e um redimensionamento da tradição. 3.2. Exigencia de ensaiar paradigmas científicos inovadores. Parece evidente que, postos a imaginar, podam propor-se uma infinidade de enfoques ou perspectivas novas para a sociologia da religião mas, não se trata disso. Em verdade o que precisa a sociologia da religião é ensaiar novos enfoques que permitan abrir novas sendas de indagação e que podam, ademais, enriquecer as perspectivas que ja estão em marcha. Este trabalho menciona somente alguma das possiveis línhas de investigação realizáveis que, por suposto, não esgotan tudas as possibilidades. Uma primeira via para a inovação da sociologia da religião consistiria na cooperação com outras ramas da sociologia ja establecidas. Por exemplo, a sociologia da literatura, a sociologia da arte e a sociologia da música constituem um set de ciencias que até o de agora têm sido muito pouco aproveitadas para o estudo social das religiões. As condições do artista, o público que percebe esse produto artístico -ja seja um romance, um poema, um espaço arquitectónico ou uma composição musical- e o impato que tal poduto causa nas atitudes sociais da época, o conteúdo da obra -seja religioso ou não- e o contexto no que se enquadrar. Tudas estas questões e outras afims podem contribuir à melhora da nossa ciência precisamente porque a religião tem configurado a cultura desde sempre. Outro exemplo é o da sociologia das emoções que, semelha evidente deve achegar luz à compreensão do fenómeno religioso. A sociologia das emoções tem por objecto 11 de 13 contextualizar ao sujeito emocional e explicar a influença da estrutura social e da cultura na geração e circulação das emoções nos individuos (Turner, 1999; Turner & Stets, 2005: pp. 1-2), entre as quais topamse, lógicamente, as emoções religiosas. Um terceiro exeplo o constitue a pouco explorada sociologia jurídica ou sociologia do direito -de novo, Weber-, que bem pode amostrar novas faces para o entendimento de questões capitais hoje em dia como a liberdade, o pluralismo ou as minorias religiosas. Uma segunda via para a inovação consiste em abrir ou impulsar campos de investigação inéditos ou quaseinéditos na sociologia da religião. Neste sentido presentam-se dois exemplos claros: a presença da religião na Internet e as recentes descobertas da neurociência cognitiva em relação à religião. A chamada religião online, segundo definição de Heidi Campbell, é a forma que toman as práticas e os discursos religiosos tradicionais e não tradicionais quando aparecer na Internet (Campbell, 2006: pp. 3). Contudo, nos estudos sobre religião online acostuma a se distinguir, segundo a popular proposta de Helland, entre religion-online e online-religion; a primeira modalidade consistiria na importação das formas religiosas tradicionais à religião na rede, a segunda seria a adaptação da religião para criar novas formas de interacção espiritual na rede. Semelha esta uma distinção pertinente e afortunada, ja que ambas modalidades não parecem tratar do mesmo tipo de fenómeno. Se bem resulta habitual que uma religião tradicional tenha uma expressão online -na forma duma página web, por ejemplo-, as comunidades religiosas virtuais rara vez presentam uma actividade offline constante. Por outro lado, as actividades religiosas online mais frequentes são as de tipo informativo (descarrega de vídeos, audições, devocionarios e textos de conteúdo religioso), as de culto e ritual (como a oração online), o recrutamento de fieis e a acção misioneira (evangelização electrónica) e o fazer propriamente comunidade religiosa. A comunidade religiosa virtual consiste na reunião dum grupo de internautas em torno a um feito de fe. Graças às tecnologias informáticas como o e-mail ou o Internet Relay Chat, podem interactuar em tempo real com una comunicação de doble sentido desde qualquer ponto da geografia mundial. Os membros destes grupos podem ser estables ou mudáveis e a coesão interna vai depender da afinidade e dos sentimentos de cada individuo pelo grupo ou pelo asunto que dá razão de ser a dito grupo (Campbell, 2006: pp. 3). Tras uma década de estudos sobre religião online pode dizer-se que apenas temos descuberto os primeros dados deste fenómeno emergente religiosocomunicacional muito prometedor e de grão relevancia face ao futuro da disciplina. Além disso, o telemóvel constitue outra bem espalhada tecnologia da comunicação, empregada por milheiros de pessoas em tudo o mundo. O sujeito religioso -assím como o não-religioso- pode aceitar ou rejeitar o seu uso, mas quando o aceitar, com frequência começa aí uma transformação da cultura religiosa. Uma tecnologia como o telemóvel, apropriada por um sujeito religioso mediante a descarrega de aplicações de conteúdo religioso, por exemplo, está a criar uma forma nova de se comunicar com um ou vários entes sobrenaturais aos que, à fim, hão de propiciar-se. Outra transformação da cultura religiosa dá-se, por exemplo, quando dentro daqueles grupos religiosos mais contrários ao uso do telemóvel xurdem individuos favoráveis à sua utilização, gerando assím dinâmicas diversas no interior das organizações religiosas. Em palavras de Manuel Castells, a sociedade, tal e como é, se apropria da tecnologia para os seus próprios usos e valores (Castells e Ince, 2003: pp. 69). Pelo que refire à perspectiva neurocientifica aplicada à sociologia da religião resulta um enfoque inédito na nossa disciplina. O certo é que a maioria dos sociólogos acostumam construir as suas teorias sobre a vida em sociedade de costas às ciências naturais e à teoria evolutiva mas, pessoalmente creo que nesa atitude perde-se uma porção importante da comprenção do ser humano. O sociólogo da religião que aplica uma perspectiva neurocientífica interessa-se por averiguar qual é, a juízo dos neurocientíficos, a relação existente entre o cérebro humano e o fenómeno da religiosidade. Uma vez que dispõe dos datos mais fiáveis e melhor conhecidos, deve os por em contraste com o acervo de conhecimentos sociológicos sobre a religião e observar as coerências e as contradições assim como as posíveis complementaridades que podam dar-se. Ademais de ter uma mente aberta a outros campos científicos, o sociólogo que pretenda aplicar o enfoque neurocientífico deve quando menos contar com os rudimentos que lhe permitir entender e interpretar minimamente os resultados obtidos pelos neurocientíficos. Isso implica, entre outras coisas, tomar 12 de 13 consciência do potencial revolucionario que tem a actual neurociência cognitiva, mas também ter presentes as muitas limitações que pelo momento sugerem os seus resultados. A neurociência cognitiva é uma disciplina recente que conta escassamente vinte anos de existencia e são várias as circunstâncias que têm possibilitado a sua aparição e rápido desenrolo, como a chamada «revolução cognitiva» iniciada em Psicología na década de 1950, o desenvolvimento da computação e da inteligência artificial, ou a irrupção das tecnologias de neuroimagem. A neurociência cognitiva estuda as bases neurais do pensamento, a percepção e a emoção, coisa que resulta possível ja que dita actividade mental produce sinais eléctricos, magnéticos ou metabólicos que resulta possível registrar mediante as tecnologias de imagem cerebral. Estas tecnologías pouco a pouco permitem descubrir o mapa de activação cerebral dos processos cognitivos, ou seja, a localização mas também a complexidade dos mesmos. De feito, apenas começa-se agora a vislumbrar os distintos processos e regiões cerebrais que participam na implementação das funções diferenciais humanas tais como a linguagem, a estética e a moral. Em verdade, ao dizer de muitos autores, tudas as experiências humanas têm um substrato neurobiológico ou cerebral, o que converte à religião num objecto potencial da neurociência. Deste jeito o estudo da religião ve-se enriquecido com uma nova fonte de conhecimento, a neurociência cognitiva da religião -às vezes chamada de forma pouco apropriada neuroteologia-, que recentemente tem vido a somar-se ao conjunto um tanto abstracto das denominadas ciências da religião. Não convem ao objectivo deste trabalho profundar mais nos pormenores das todavia incipientes investigações neurocientíficas da religião, mas parece de justiça sinalar as pesquisas de Grafman (Kapogiannis et al, 2009), Harris (Harris et al, 2009) ou Inzlicht (Inzlicht et al, 2009), como iniciadoras sistemáticas da nova disciplina. Ainda terão de se suceder muitas investigações antes de poder sentar algumas certezas, contudo os achados parciais que a neurociência da religião vaia realiçando servirão à sociologia da religião como elemento de contraste ou elemento de control para as proprias teorias sociológicas. De tal jeito que o hipotético «paradigma neurocientífico» da sociología da religião deve ser considerado como uma ferramenta mais -e não a única- para a corroboração ou refutação das teorias e modelos sociológicos. Com outras palavras, a neurociência cognitiva da religião virá a marcar algums límites à imaginação sociológica. 4. Conclusão. Neste trabalho tem-se sustentado que a sociología da religião vive no presente uma difícil situação de estancamento teórico e empírico que vem provocada principalmente por ter assumido a nossa disciplina a tese da secularização como o paradigma dominante durante as últimas décadas e do que agora sabemos o seu alcance muito limitado, apenas válido para umas confissões e geografias concretas. Outro dos feitos que têm motivado tal situação de estancamento é o de não ter enfrentado como comunidade científica uma leitura ambiciosa dos autores clássicos da nossa disciplina, ficando em muitas ocasiões na leitura de resumos e recensões. O succeso um tanto acrítico das interpretações durkheimiana e weberiana da religião escurece outras aportações da nossa propria tradição sociológica, de corte psicologista, que podem ser todavia recolhidas com grande proveito. A religião, enquanto entidade dinámica, não tem deixado de demandar respostas a velhas e novas questões científicas xurdidas num quadro de modernidade tardia. O século XXI, apenas numa década, alcança a presentar uma série de focos de interesse que a comunidade científica deve pesquisar e analisar sem maior perda de tempo. O novo pluralismo religioso, o auge dos fundamentalismos, a crescente aceptação das confissões carismáticas, a revivência do esoterismo, a questão da identidade ou os novos modelos de familia são algumas das matérias a atender, mas também a actividade religiosa na Internet, o esclarecimento do status das chamadas religiões laicas ou a consideração das descobertas em neurociência cognitiva da religião merecem uma olhada atenta. 13 de 13 Este estado de coisas, do que apenas tem-se dado aqui uma impressão, deve levar aos sociólogos da religião a se interrogar sobre a sua actividade e a ver a necessidade de repensar a disciplina para assim fortalecer o seu aparato conceitual e lhe proporcionar as possibilidades que dela se esperam.

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