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Sobre Sociabilidade e Entretenimento na Baixada Fluminense

Por:   •  14/12/2015  •  Artigo  •  4.670 Palavras (19 Páginas)  •  267 Visualizações

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O que São João me disse:[1]

Sobre sociabilidade e entretenimento na Baixada Fluminense

Resumo

A Baixada Fluminense abriga cerca de um terço da população do Estado do Rio de Janeiro e possui uma multiplicidade de gostos, costumes, cores e sons. Apesar do número significativo de moradores, o local ainda é tratado como periferia e tem destaque mais pelas marcas de violência e carência do que pelas marcas culturais.  Portanto, este artigo pretende apresentar este momento de religação, de afirmação da pertença a comunidade, de formação de negociação de identidade a partir de um pequeno São João celebrado em Nilópolis na Baixada Fluminense.  E assim afirmar que a Baixada também é um lugar de festa, e como bem lembra Miguez (2012, p.206), a festa como a língua e a religião são fundamentais para a compreensão da cultura, pois “a festa é a melhor tradução do que somos como povo e como cultura”

Palavras-chave:

Entretenimento; Comunicação; Sociabilidade, Baixada Fluminense.

INTRODUÇÃO

Uma cidade, um povo, mesmo um grupo mais ou menos restrito de indivíduos, que não logrem exprimir coletivamente sua imoderação, sua demência, seu imaginário, desintegra-se rapidamente.

Maffesoli

O sertanejo faz o povo levantar

O pancadão faz a galera balançar

Latino

As tradicionais festividades de São João já foram tema de diversos estudos sobre festa, alguns enfatizando a questão da perda da tradicionalidade da festa em vistas da mercantilização da cultura popular (CARVALHO, 2012) e outros argumentando sobre a necessidade de um diálogo entre mercado, política e sociedade (MIGUEZ, 2012). É fato que pelas poucas ruas em que vemos festas sendo organizadas, o conteúdo da festa mostra-se bem diferente de décadas atrás. Percebe-se a interessante mistura de ritmos - forró, sertanejo, pagode, funk, axé... - e comidas. Tendo ou não as características de uma “tradicional” festa São João, estas pequenas e grandes comemorações são significativas para população e possuem, como afirma Fernandes (2008) a função de ligar ou re-ligar os indivíduos ao mundo. E o próposito deste artigo é identificar as ligações acionadas por esta prática comunicativa, a festa, em um território do Rio de Janeiro ainda considerado como periférico e sem vida.

Tudo começou como uma reunião de bar. O falecido “Seu Wilson”[2] era conhecido e amado naquele pequeno pedaço de uma Rua de Nilópolis, na Baixada Fluminense[3]. “Seu Wilson” cozinhava bem, conhecia a todos, tinha um bar no qual grande parte dos moradores se reunia no final de semana para beber e conversar. E ele tinha um caderninho com a anotação de todos os aniversários dos frequentadores do bar, e assim se deu início o costume de fazer um jantar para comemorar os aniversariantes do mês. Cada morador trazia à mesa sua contribuição e a pequena festa não tinha hora para acabar, era um momento capaz de fortalecer (ou romper) relacionamentos. Desta celebração à mesa, a qual moradores fazem memória, surgiu outro costume que já atravessou décadas, o de realizar festejos juninos naquela rua.

Na época estes festejos eram comuns na região, todos os bairros (ao total quinze) da pequena Nilópolis organizavam uma festa, era comum ver as ruas fechadas para passagens de carros, com barracas de ripas ornamentadas com chita e folhas de coqueiro e bambu, um espaço para fogueira e outro para quadrilhas que vinham de todos os bairros e de outras cidades para se apresentar. Donas de casas ensaiavam as quadrilhas com dois ou mais meses de antecedência. Nilópolis possui quatro paróquias e as festas em honra a São João, Santo Antônio e São Pedro também eram costume nos átrios das Igrejas e em seu entorno. Essa conversa entre sagrado e profano da qual Maffesoli (2009) enfatiza o aspecto de “religação” propiciada por estes momentos de troca, de “socialidade”, é o que dá a estes moradores o sentido de pertencimento, de “viver com”, importante não porque permitem manter uma “tradição”, mas porque permitem se o sentir-se vivo. Nas palavras de uma moradora “quer coisa melhor do que comemorar com quem a gente gosta, mesmo sem ser Natal, a gente se sente vivo [...]”.

É fato que não se encontra hoje o mesmo número de festas nas ruas Nilópolis, ademais, é comum que moradores mais antigos reclamem da mistura que tornou conta do festejo, que além das cantigas tradicionais hoje toca funk, pagode e axé. Em vez de quadrilhas muitas vezes apresentam-se meninas das academias de dança da região ao som de um pop music. Também é comum que reclamem da perda da simplicidade que encarece as festas e faz com que a “tradição se perca”, como nos conta uma organizadora “você começa com uma caipira comum e básica e termina com uma quadrilha que tem que comprar conduíte pra fazer anágua”. A tecnologia também é apontada como fator de desagregação social que reflete na falta de entusiasmo para organização das festas e manutenção dos costumes, como relatado “na minha época não tinha toda esta tecnologia, as pessoa iam pras ruas conversar”, ou “essa geração não tem a simplicidade dos antigos, as meninas querem laptop e não vestido pra dançar quadrilha”.

Apesar das críticas acerca das transformações, as festas persistem e existe uma geração nova que está disposta a manter o costume, com transformações, mas que indicam o que já foi percebido por pesquisadores de festa como Miguez (2012) e do quotidiano como Maffesoli (2009) e tantos outros que afirmam ser a cultura algo dinâmico e não estanque. O trabalho de Thompson (2005) acerca dos costumes também é uma obra elucidativa do problema. O autor também destaca a constante negociação entre grupos na formação da cultura, o que demonstra através do estudo específico das relações entre a plebe e a gentry da Inglaterra do século XVIII. Estas negociações, que asseguram uma espécie de resistência, geram transformações nos costumes, mas algo permanece, e o que resiste é devido principalmente à tradição oral.

O interessante é que enquanto o foco nas análises sobre as transformações, diminuição ou extinção das festas enfatiza a entrada do mercado como razão principal, este não é o motivo apontado pelos organizadores da festa em questão, trata-se mais de um confronto de gerações. É óbvio que o fator econômico está presente, mas não é um problema de englobamento da tradição pelo mercado. Esta diferenciação entre as gerações na manutenção do costume é abordada por Thompson (2005) ao comentar sobre a importância da tradição oral para perpetuação das tradições, tema que reaparece quando afirma que “as gerações sucessivas já não se colocam na condição de aprendizes umas das outras” (THOMPSON, 2005, p. 21). Neste momento o autor também está fazendo referência às questões econômicas, de um capitalismo que é capaz de remodelar necessidades e expectativas, mas deixa claro sua preferência pelo destaque do “não econômico” e pelo confronto (negociação) entre uma “economia de mercado inovadora” e a “economia moral da plebe”. É preciso olhar por outras janelas para entender o que associa os homens, a festa é uma destas brechas.

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