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Filosofia Medieval

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Por:   •  13/9/2014  •  5.673 Palavras (23 Páginas)  •  443 Visualizações

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1.2. “Filosofia medieval”

Potenciando os conhecimentos já consolidados de estudantes de 2º ano de uma licenciatura e numa perspectiva diacrónica, poderia orientar-se a atenção dos estudantes para a análise comparativa do modo como os problemas medievais tinham sido (ou não) formulados no pensamento antigo, despertando-os para, mais tarde, estudarem os autores renascentistas ou modernos verificando o modo como reorientam, modificam ou reinventam as formulações propostas pelos autores medievais. A comparação ou o paralelismo com outros períodos pode ilustrar que os pensadores de um tempo e contexto não serão compreendidos de modo conveniente se forem pensados apenas através dos critérios de outra época. Ou seja, a experiência de contacto com a Filosofia Medieval deve permitir compreendê-la no seu contexto histórico, evitando os anacronismos de interpretação, mas sem que isso conduza a resultados antagónicos, como a ilusão de estarmos perante uma philosophia perennis, contrariada pela própria sobrevivência da discussão dos problemas, ou a qualquer espécie de relativismo trans-histórico em que tudo se equivaleria e todos os curto-circuitos e sobreposições epocais seriam legítimos. Cada tema a explorar poderia ilustrá-lo. Por exemplo, no contexto dos autores cristãos latinos do século XIII não é o mesmo discutir e compreender a felicidade antes ou depois da tradução da Ética a Nicómaco de Aristóteles; as discussões em torno da questão da unidade/unicidade da alma não são compreensíveis sem ter presente o modo como é recebida e evolui a interpretação da obra de autores como Avicena e Averróis no contexto da Faculdade de Artes; as discussões sobre o objecto da metafísica não são compreensíveis fora da intersecção da recepção do peripatetismo arabo-persa, v.g. da obra de Avicena, e das discussões teológicas acerca da cognoscibilidade de Deus; não é compreensível a reorientação dos modelos de organização das ciências, ocorrida no século XIII, sem a inserir no contexto da Universidade e da prática do comentário de textos e da legitimação da sua autoridade. E os exemplos poderiam desmultiplicar-se extensamente a outros momentos e domínios da Filosofia.

Compreender um autor do passado exige também estar atento a de onde vêm os seus problemas, porquê e como são formulados, como é que o próprio situa a sua resposta face ao passado, bem como verificar com que autores dialoga, que fontes reivindica, ou omite, ou rejeita, que novidade traz o seu pensamento. Ou seja, numa perspectiva de história da Filosofia, um autor do passado deve ser analisado nos seus próprios termos e conceitos (embora haja aqui limitações poderosas para o conseguirmos de um modo adequado), sem que isso nos obrigue a uma eterna e estéril paráfrase que se limitasse a repetir o dito. Embora não seja assim que discutimos com os nossos próprios contemporâneos, por incapacidade de distanciamento, compreender um autor nos seus próprios termos é o melhor modo de aprender o descentramento, de olhar o outro, de perceber a novidade, de escutar o já dito mas nunca escutado, porque não há filosofia sem autores e sem um tempo em que pensam.

O passado da filosofia não deve ser nostalgicamente praticado como uma alternativa do presente, mas pode fornecer-nos os instrumentos, a endurance, o exemplo e o treino para abordarmos de modo diverso o presente e o futuro da Filosofia. A Filosofia Medieval, pelos pré-conceitos de rejeição a que está associada na cultura popular, pode mesmo fornecer um campo privilegiado para esta aprendizagem. A “Filosofia Medieval” acrescenta “filosofia” à “Idade Média”, uma etiqueta histórica e ideológica muito discutida, que, afinal, afecta tudo em que toca.

E a “Idade Média” não pode ser dissociada das razões que estão na origem do nome, da periodização que cabe ao nome, do modo como se descontinuam as ideias sobre ela feitas. Deve até ter-se presente que a filosofia e a teologia, ou melhor, o método escolástico de discussão e argumentação que estas ciências praticavam no âmbito da universidade, são uma das fortes razões de distanciamento que provocaram em homens inspirados por outro humanismo. É no Renascimento (que, como se compreende cada vez melhor, não parece ser senão a Idade Média com outro nome) e para assinalar a consciência infeliz que o período anterior representava, que vai sendo cunhada a expressão Media aetas, ou Medium aevum, ou semelhantes. O conceito de “Idade Média” é forjado a partir das diversas expressões (media aetas, media tempora, media tempestas) com que os humanistas dos séculos XV-XVI designam esse tempo de interregno civilizacional entre o seu próprio presente e a antiguidade clássica que o tempo moderno pretendia recuperar. Conceito difuso, correspondem-lhe diversas delimitação cronológicas possíveis (entre a conversão de Constantino e a Reforma, entre a queda do Império romano do Ocidente e a queda do Império romano do Oriente, etc.), que, sendo sempre puramente convencionais, dependem de critérios exteriores à própria “Idade Média”, mas têm a vantagem de proporcionar uma repartição do trabalho científico (De Rijk) e, nesse sentido, podem também servir-nos de modo operativo. Antes de no século XVII se fixar a forma medium aevum (idade média, middle ages, moyen age, ettà di mezzo e depois medio evo em italiano; cfr. Sergi:p.13-14), outras formulações tinham já ocorrido desde que Petrarca [Sobre Petrarca e a Idade Média: A. de Libera, «Pétrarque et la romanité», in C. Menasseyre – A. Tosel (dir.), Figures italiennes de la rationalité, Éd. Kiné, Paris 199fg7, pp. 7-35.] e Boccaccio no século XIV (portanto ainda em plena Idade Média, qualquer que seja o critério cronológico usado) expressaram repetidos lamentos porque a aetas nostra ou o evo nostro perdeu os livros da antiguidade ou tarda em por fim ao exílio das letras clássicas [cit. em Viti,pp.45-6]. O desgosto dos humanistas por esta época explica-se pelo seu desprezo das técnicas de argumentação (é um facto que muitos autores fizeram a sua apologia, em defesa da produtividade da razão para chegar à verdade) [cfr. sua apologia no texto 4, de Abelardo] aprendidas em súmulas de lógica e repetidas na discussão de questões e no comentários de obras sem qualquer primor literário, como eram agora julgadas as de Aristóteles e seus epígonos face ao redescoberto e revalorizado Platão, com a agravante de aquelas apresentarem um latim pouco elegante a ouvidos formados na escola da poesia, ou mesmo deplorável no caso das traduções realizadas a partir do árabe (mas já o muito escolástico Rogério Bacon em pleno século XIII o lamentara). Os “manuais da escola” e o “vício

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