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Objeto de Ética

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Por:   •  19/10/2014  •  Projeto de pesquisa  •  10.040 Palavras (41 Páginas)  •  272 Visualizações

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ADOLFO SÁNCHEZ VÁSQUEZ

ÉTICA

Capítulo I

Objeto da Ética

1. - Problemas Morais e Problemas Éticos

NAS RELAÇÕES cotidianas dos indivíduos entre si, surgem continuamente problemas como estes: Devo cumprir a promessa x que fiz ontem ao meu amigo Y, embora hoje perceba que o cumprimento me causará certos prejuízos? Se alguém se me apro¬xima, à noite, de maneira suspeita e receio que me possa agredir, devo atirar nele, aproveitando que ninguém pode ver, a fim de não correr o risco de ser agredido? Com respeito aos crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, os soldados que os executaram, cumprindo ordens militares, po¬dem ser moralmente condenados? Devo dizer sempre a verdade ou há ocasiões em que devo mentir? Quem, numa guerra de in¬vasão, sabe que o seu amigo Z está colaborando com o inimigo, deve calar, por causa da amizade, ou deve denunciá-lo como traidor? Podemos considerar bom o homem que se mostra ca¬ridoso com o mendigo que bate à sua porta e, durante o dia — como patrão — explora impiedosamente os operários e os em¬pregados da sua empresa? Se um indivíduo procura fazer o bem e as consequências de suas ações são prejudiciais àqueles que pretendia favorecer, porque lhes causa mais prejuízo do que benefício, devemos julgar que age corretamente de um ponto de vista moral, quaisquer que tenham sido os efeitos de sua ação? Era todos estes casos, trata-se de problemas práticos, isto é, de problemas que se apresentam nas relações efetivas, reais, entre indivíduos ou quando se julgam certas decisões e ações dos mesmos. Trata-se, por sua vez, de problemas cuja solução não concerne somente à pessoa que os propõe, mas também a outra ou outras pessoas que sofrerão as consequências da sua decisão e da sua ação. As consequências podem afetar somente um indivíduo (devo dizer a verdade ou devo mentir a X?); em outros casos, trata-se de ações que atingem vários indivíduos ou grupos sociais (os soldados nazistas deviam executar as ordens de extermínio emanadas de seus superiores?). Enfim, as conse-quências podem estender-se a uma comunidade inteira, como a nação (devo guardar silêncio em nome da amizade, diante do procedimento de ura traidor?).

Em situações como estas que acabamos de enumerar, os indivíduos se defrontam com a necessidade de pautar o seu comportamento por normas que se julgam mais apropriadas ou mais dignas de ser cumpridas. Estas normas são aceitas inti¬mamente e reconhecidas como obrigatórias: de acordo com elas, os indivíduos compreendem que têm o dever de agir desta ou daquela maneira. Nestes casos, dizemos que o homem age mo¬ralmente e que neste seu comportamento se evidenciam vários traços característicos que o diferenciam de outras formas de conduta humana. Sobre este comportamento, que é o resultado de uma decisão refletida e, por isto, não puramente espontânea ou natural, os outros julgam, de acordo também com normas estabelecidas, e formulam juízos como os seguintes: "X agiu bem mentindo naquelas circunstâncias"; "Z devia denunciar o seu amigo traidor", etc.

Desta maneira temos, pois, de um lado, atos e formas de comportamento dos homens em face de determinados proble¬mas, que chamamos morais, e, do outro lado, juízos que apro¬vam ou desaprovam moralmente os mesmos atos. Mas, por sua vez, tantos os atos quanto os juízos morais pressupõem certas normas que apontam o que se deve fazer. Assim, por exemplo, o juízo: "X devia denunciar o seu amigo traidor", pressupõe a norma "os interesses da pátria devem ser postos acima dos da amizade".

Por conseguinte, na vida real, defrontamo-nos com pro¬blemas práticos do tipo dos enumerados, dos quais ninguém pode eximir-se. E, para resolvê-los, os indivíduos recorrem a normas, cumprem determinados atos, formulam juízos e, às vezes, se servem de determinados argumentos ou razões para justificar a decisão adotada ou os passos dados.

Tudo isto faz parte de um tipo de comportamento efetivo, tanto dos indivíduos quanto dos grupos sociais e/tanto de ontem quanto de hoje. De fato, o comportamento humano prático-moral, ainda que sujeito a variação de uma época para outra c de uma sociedade para outra, remonta até as próprias ori-gens do homem como ser social.

A este comportamento prútico-moral, que já se encontra nas formas mais primitivas de comunidade, sucede posterior¬mente — muitos milênios depois — a reflexão sobre ele. Os homens não só agem moralmente (isto é, enfrentam determina¬dos problemas nas suas relações mútuas, tomam decisões e rea-lizam certos atos para resolvê-los e, ao mesmo tempo, julgam ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decisões c estes atos), mas também refletem sobre esse comportamenlo prático e o to¬mam como objeto da sua reflexão e de seu pensamento. Dá-se assim a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral; ou, em outras palavras, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com os inícios do pensamento filosófico, já estamos propriamente na esfera dos problemas teórico-morais ou éticos.

À diferença dos problemas prático-morais, os éticos são caracterizados pela sua generalidade. Se na vida real um indi¬víduo concreto enfrenta uma determinada situação, deverá re¬solver por si mesmo, com a ajuda de uma norma que reconhece e aceita intimamente, o problema de como agir de maneira a que sua ação possa ser boa, isto é, moralmente valiosa. Será inútil recorrer à ética com a esperança de encontrar nela uma norma de ação para cada situação concreta. A ética poderá dizer-lhe, cm geral, o que c um comportamento pautado por normas, ou em que consiste o fim — o bom — visado pelo comportamento morai, do qual faz parte o procedimento do indivíduo concreto ou o de todos. O problema do que fazer em cada situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético. Ao contrário, definir o que é o bom não é um problema moral cuja

solução caiba ao indivíduo em cada caso particular, mas um problema geral de caráter teórico, de competência do investiga¬dor da moraí, ou seja, do ético. Assim, por exemplo, na Anti¬guidade grega, Aristóteles se propõe o problema teórico de de¬finir o que é o bom. Sua tarefa é investigar o conteúdo do bom, e não determinar o que cada indivíduo deve fazer em cada caso concreto para que o seu ato possa ser considerado bom/ Sem dúvida, esta investigação teórica não deixa de ter consequên¬cias práticas, porque, ao se definir o que é o bom, se está tra¬çando um caminho geral, cm

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