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POESIA DO ENCANTO.

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Por:   •  5/4/2014  •  4.821 Palavras (20 Páginas)  •  283 Visualizações

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PROGRAMA DE PESQUISA DA POLITICAGEM:

IDÉIAS, PRINCÍPIOS, REGRAS, CRITÉRIOS E APLICAÇÕES

Heraldo Elias de Moura Montarroyos1

RESUMO:

O artigo desenvolve uma série de recursos e procedimentos metodológicos na tentativa de organizar um programa

científico de pesquisa inédito sobre a politicagem, reutilizando neste sentido as proposições do filósofo

Aristóteles, que são enquadradas em um novo esquema crítico de análise distinto do conceito de política aplicado

até então. Para fundamentar os seus argumentos, o artigo mostra metodologicamente que a politicagem é um

objeto de estudo complexo que se faz presente no cotidiano, apresentando uma estrutura racional de pensamento

com definições ontológicas, metodológicas, axiológicas, teóricas, pragmáticas e contextuais que juntas podem

direcionar o pesquisador no caminho da investigação empírica. Na tentativa de separar a política da politicagem, o

artigo faz uma releitura das idéias aristotélicas, demonstrando que a politicagem se manifesta através das formas

impuras do poder, produzindo mal público, ao contrário da política, que segundo Aristóteles, é a arte de produzir o

bem comum.

Palavras-chave: política; politicagem; programa de pesquisa.

ABSTRACT:

The paper develops a series of methodological procedures and resources in trying to organize a scientific program

of original research on “politicagem”, reusing this sense the propositions of the philosopher Aristotle, which are

framed in a new scheme for critical analysis of the concept of separate policy applied so far. To support its

arguments, the article shows that the “politicagem” is methodologically a complex subject matter that is present in

everyday life, featuring a rational structure of thought on ontological definitions, methodological, axiological,

theoretical, pragmatic and contextual that together can drive researcher on the path of empirical investigation. In

an attempt to separate politics from “politicagem”, the paper reexamines Aristotelian, demonstrating that the

“politicagem” is manifested through the impure forms of power, producing publics bads, unlike the policy, which

according to Aristotle, is the art of producing common good.

Keywords: politics; “politicagem”; research program.

Introdução

O artigo pretende fazer uma releitura crítica da obra “Política” do filósofo Aristóteles,

objetivando sistematizar os princípios que caracterizariam minimamente a estrutura

epistemológica do programa de pesquisa da politicagem.

O método de trabalho desenvolvido nesse processo de releitura é uma ampliação

construtiva do programa de pesquisa, elaborado inicialmente por Lloyd (1995), constituído por

1

Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Pará

(UFPA).

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uma ontologia, metodologia e teoria, sobre o qual acrescentamos a axiologia, a praxis e o

contexto espaço-temporal das idéias, compondo deste modo a estrutura do desenho ou da

imagem do objeto de estudo, aqui representado pela politicagem.

Considera-se como norma fundamental neste estudo que as idéias além de serem

objetos do pensamento, conforme sugere Locke (“Ensaio acerca do entendimento”), podem ser

reorganizadas dentro de uma estrutura lógica de raciocínio; e posteriormente, experimentadas;

discutidas; avaliadas; e transformadas, observando-se, no entanto, a presença necessária de

alguns princípios epistemológicos, que devem ser detalhados mais adiante na parte conclusiva

da investigação.

Tradicionalmente, Aristóteles é identificado como referência obrigatória no debate da

ciência política conceituada como ciência do bem comum. Na obra “Política”, Aristóteles

(Livro primeiro, cap. 1, §1) afirma, por exemplo, que:

[...] uma cidade é uma associação e que qualquer associação é formada tendo em vista

algum bem; pois o homem luta apenas pelo que ele considera um bem. As sociedades

todas elas, portanto, propõem-se algum lucro – especialmente a mais importante de

todas, visto que pretende um bem mais elevado, que envolve as demais: a cidade ou

sociedade política.

Problematizando essa concepção - uns a favor, outros contra - diversos autores, como

exemplo Maquiavel, Hobbes, Weber e Marx argumentam que a atividade política depende da

imposição da força; do monopólio do Estado; da esperteza e coragem dos políticos; ou como

declara pontualmente Weber, na obra “Ciência e Política: duas vocações”, não se obtém a

salvação espiritual nesse tipo de atividade humana, pois nela dominam tão somente as forças

demoníacas do poder.

Em geral, os autores que são adeptos da tradição aristotélica privilegiam o enfoque

ético no estudo da política; nessa direção, o mestre Aristóteles (“Ética a Nicômaco”, Livro I: 3)

define, basicamente, a ciência política como a ciência que investiga “as ações belas e justas

que são variadas por convenção e não por natureza”.

De outro lado, os analistas que são contrários ao modelo ético avaliam que a ciência

política deve privilegiar o estudo da racionalidade econômica, de tal modo que o ponto

máximo da análise empírica seja representável pela Matemática, Estatística e Lógica.

Destacam-se nessa corrente extremista os autores da “escolha racional”, dentre eles, Downs

(1999, p. 40), afirmando, metodologicamente, por exemplo, que:

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Embora nosso modelo se relacione ao problema básico de bem-estar [...] ele não é um

modelo normativo. Não podemos usá-lo para argumentar que a sociedade está em

melhor situação no Estado A e do que no Estado B, ou que o governo deveria fazer X,

mas não Y. O único elemento normativo que contém está implícito no pressuposto de

que cada cidadão adulto tem direito a uma e apenas a um voto. Realmente, embora um

juízo ético deva ser a justificativa definitiva para esse pressuposto, nós o

incorporamos ao nosso modelo apenas como um parâmetro factual, não como um

parâmetro normativo. Portanto, a relação que construímos entre fins individuais e

governamentais é aquela que acreditamos que existirá sob certas condições, não

aquela que deveria existir porque preenche algum conjunto ideal de exigência.

Mais radicais ainda são os autores neoliberais Mitchell e Simmons (2003), que deixam

de lado o modelo aristotélico como fonte de produção do bem comum e procuram desmitificar

a importância da atividade política, enfatizando as externalidades negativas da democracia do

ponto de vista da racionalidade econômica. De acordo com a abordagem pessimista desses dois

autores (2003, p. 143):

[...] Políticas democráticas não são realmente o governo do povo, mas em vez disso,

são uma competição intensa por poder através de votos entre políticos competindo

entre si. Nessa competição, os políticos acham racional provocar confusões, atuar,

inventar mitos, fazer rituais, esconder e distorcer informações, estimular o ódio e a

inveja, assim como a promoção de excessivas esperanças. Os eleitores acham

altamente racional ser racionalmente ignorantes, ser governados por ideologias e

abster-se da participação política individual. Portanto, na escolha coletiva todos são

exonerados de responsabilidade [...].

No meio desses dois extremos, ou seja, entre os autores que descrevem e analisam a

política do ponto de vista ético e aqueles que optam pela abordagem matemática, numa

tendência nitidamente positivista, tratando os fatos sociais ou políticos como coisas, afastando

sistematicamente as pré-noções – como sugere Durkheim, na obra “Regras do método

sociológico”- encontra-se uma outra corrente de autores que tentam localizar o ponto de

equilíbrio ou mediania entre o excesso de abordagem ética e a carência de abordagem

positivista ou lógica no estudo do poder, e vice-versa.

Com essa preocupação, o economista e prêmio Nobel Sen (1999, p.23), no livro

“Sobre ética e economia”, avalia que a tradição aristotélica perpetuou a separação entre ética e

economia, considerando que “a vida empenhada no ganho é uma vida imposta e evidentemente

a riqueza não é o bem que buscamos, sendo apenas ela útil e no interesse de outra coisa”. Na

solução intermediária definida por este autor contemporâneo (1999, p. 57):

Existe uma dualidade essencial e irredutível na concepção de uma pessoa no cálculo

ético. Podemos ver a pessoa em termos de sua condição de agente, reconhecendo e

respeitando sua capacidade para estabelecer objetivos, comprometimentos, valores,

etc., e também podemos ver essa pessoa em termos de bem-estar, o que igualmente

requer atenção. Essa dicotomia perde-se em um modelo em que a motivação é baseada

apenas no auto-interesse, no qual a condição do agente da pessoa tem de ser Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia

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inteiramente voltada para o seu próprio bem-estar. Mas assim que removemos a

camisa-de-força do auto-interesse, torna-se possível reconhecer o fato inquestionável

de que a condição de agente de uma pessoa pode muito bem orientar-se para

considerações que não são abrangidas – ou pelo menos não são totalmente abrangidas

– por seu próprio bem-estar.

O economista e prêmio Nobel Buchanan (1975) também procura o meio-termo entre a

abordagem ética (baseada na doutrina da anarquia) e a abordagem positivista e lógica da

ciência econômica, fundamentando o conceito da “anarquia ordenada” [ou positivada], onde

se concentrariam, segundo ele, as virtudes cívicas e a previsibilidade lógica do comportamento

econômico na ordem político-constitucional.

A abordagem desenvolvida por este autor reconhece a presença negativa da desordem

política [em nosso modelo, na verdade, uma forma de politicagem], constituindo uma

deturpação recorrente da Democracia, que desestabiliza a ordem pública e induz o cidadão a

buscar meios alternativos de produção e de controle dos contratos civis.

Diferentemente dos neoliberais ultra-radicais, Buchanan procura soluções pacíficas e

democráticas para o cidadão evitar os abusos dos governos e dos mercados. Nessa direção, ele

busca inspiração na doutrina da Anarquia e propõe radicalizar os direitos individuais

juntamente com a responsabilidade civil do cidadão, introduzindo uma nova filosofia pública

que estimularia a criação de mecanismos favoráveis à popularização da democracia direta

dentro da prática jurídica do Direito Econômico; em última instância, uma dimensão dos

Direitos Internacionais dos Direitos Humanos.

Na prática, Buchanan considera como pré-requisito que o Leviatã deve ser

domesticado, mas ao mesmo tempo devem ser garantidas livres relações constitucionais entre

cidadãos igualmente considerados perante a lei. Nesse contexto, o autor redimensiona o

conceito aristotélico do bem comum, não mais restrito à esfera monopolística do Estado, mas

fundamentalmente ligado com a dinâmica da cidadania, inclusive no interior do mercado.

Nessa perspectiva, Buchanan reutiliza a idéia clássica de que os indivíduos precisam

se comportar de maneira virtuosa no processo de produção dos bens públicos e também

coletivos e privados, configurando uma terceira dimensão da realidade, que seria de natureza

híbrida ou sincrética, ou seja, público-privada.

No cotidiano político-constitucional descrito pelos autores citados neste estudo, é fato

público e notório que o conceito de política expressa uma atividade ilícita; violenta;

oportunista; suja; imoral, entre outras possibilidades depreciativas ligados ao exercício do

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Esse tipo de abordagem desempenha historicamente uma função ideológica perversa,

facilitando a manutenção do poder público ou “político” nas mãos de um grupo seleto e

heróico de governantes, dispostos a enfrentar as forças demoníacas do poder com a intenção de

fazer o bem comum, conforme sugere a abordagem política weberiana.

Idealmente, na filosofia aristotélica a política é a “arte do bem comum’; entretanto,

avançando a investigação empírica e configurando-se a desordem com suas externalidades

negativas, o mesmo conceito passa a representar a produção dos males públicos, provocando

uma grande confusão de natureza ética e epistemológica.

Como consequência dessa leitura, incluindo a prática do bem e do mal

simultaneamente, consolida-se uma grave impopularidade a respeito do poder no cotidiano

através da máxima que afirma que: “futebol, religião e política não se discute” [na verdade,

melhor seria declarar que o cidadão de bem não gosta de discutir politicagem!].

Ampliando essa problemática de natureza conceitual, é cada vez mais evidente o fato

de que os especialistas e a mídia enquadram o comportamento político dentro da lógica e da

racionalidade utilitarista do agente econômico, desprezando a avaliação ética em favor do

enfoque neopositivista, que impressiona com sua abordagem objetivista e matemática dos fatos

sociais.

Nesse quadro teórico, particularmente, é supervalorizado o processo [lógico] de

produção da racionalidade dos indivíduos que buscam o poder; e não exatamente o processo

[virtuoso] de produção do bem público. Concretamente, os programas da escolha racional

consideram que os bens públicos são subprodutos da racionalidade, do auto-interesse, ou então,

das preferências e convicções dos indivíduos num permanente estado de competição (DOWNS,

1999). Na prática, a descrição do processo institucional focaliza a criatividade e os padrões

lógicos dos indivíduos ligados obrigatoriamente com o uso racional das máquinas ou

tecnologias públicas, inicialmente eleitorais e governamentais.

Também reforçam a instabilidade do conceito de política os próprios autores de

tendência aristotélica, que restringem suas análises empíricas à produção ética do bem comum,

descrevendo os produtos finais e os meios que são virtuosamente empregados pelos cidadãos.

Entretanto, esse tipo de abordagem não consegue acompanhar a variabilidade empírica do

poder no cotidiano, onde são cada vez mais raras as “ações belas e justas”, que seriam no

plano ideal o objeto de estudo da ciência política aristotélica.

Na contramão desse tipo de abordagem, atualmente, tem mais popularidade acadêmica

o lado operacional e maquínico do poder, transformando a ciência política numa nova espécie Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia

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de “Física Social”, na mesma direção das idéias postuladas pelo positivista Comte no século

XIX.

1. Metodologia de trabalho

Na tentativa de ampliar o conhecimento a respeito da variabilidade do poder,

focalizando o conceito antiético de politicagem, o artigo desenvolve alguns procedimentos

epistemológicos que podem redimensionar as idéias aristotélicas e separar criteriosamente a

política da politicagem.

Em primeiro lugar, são reunidas aleatoriamente algumas proposições mínimas,

consideradas significativas pelo pesquisador, formando o banco de dados que caracteriza o

objeto de estudo ou matéria-prima inicial da pesquisa.

Em segundo lugar, essas mesmas proposições do banco dados são estruturadas numa

sequência lógica de categorias pensantes, representadas pela ontologia, metodologia, axiologia,

teoria, praxis e contexto espaço-temporal das idéias.

Em terceiro lugar, a estrutura programática da politicagem anteriormente declarada é

aplicada no processo de releitura das idéias de autores diversos, como La Boétie; Weber;

Rousseau e Aristóteles, que nesta fase podem revelar a presença [invisível] da politicagem

através das variantes empíricas fato, norma, discurso, instituição, indivíduo, valor e história.

Em quarto lugar, é organizada uma discussão crítica sobre a “desordem política” numa

linguagem contratualista, apoiada nas idéias originais de Hobbes e Buchanan, objetivando

argumentar especialmente que a atividade política pode acontecer fora da burocracia estatal,

que é concebida neste estudo como fonte do estado de natureza através da politicagem.

Na parte conclusiva do artigo, são formalizados os princípios epistemológicos

(unidade; logicidade; aplicabilidade; e criticidade) que orientam a estrutura mínima do

programa de pesquisa direcionado ao estudo da politicagem.

2. Banco de dados: idéias aristotélicas

No estudo das formas de governo, Aristóteles admite que a tirania apresenta afinidades

com a democracia mais “desabusada” e também com a oligarquia (“Política”, Livro sexto, cap.

IX). Para o legislador e para todos quantos desejam estabelecer um governo democrático, a

tarefa mais trabalhosa não é, portanto, fundá-lo; trata-se, sobretudo, de prover a sua

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de “Física Social”, na mesma direção das idéias postuladas pelo positivista Comte no século

XIX.

1. Metodologia de trabalho

Na tentativa de ampliar o conhecimento a respeito da variabilidade do poder,

focalizando o conceito antiético de politicagem, o artigo desenvolve alguns procedimentos

epistemológicos que podem redimensionar as idéias aristotélicas e separar criteriosamente a

política da politicagem.

Em primeiro lugar, são reunidas aleatoriamente algumas proposições mínimas,

consideradas significativas pelo pesquisador, formando o banco de dados que caracteriza o

objeto de estudo ou matéria-prima inicial da pesquisa.

Em segundo lugar, essas mesmas proposições do banco dados são estruturadas numa

sequência lógica de categorias pensantes, representadas pela ontologia, metodologia, axiologia,

teoria, praxis e contexto espaço-temporal das idéias.

Em terceiro lugar, a estrutura programática da politicagem anteriormente declarada é

aplicada no processo de releitura das idéias de autores diversos, como La Boétie; Weber;

Rousseau e Aristóteles, que nesta fase podem revelar a presença [invisível] da politicagem

através das variantes empíricas fato, norma, discurso, instituição, indivíduo, valor e história.

Em quarto lugar, é organizada uma discussão crítica sobre a “desordem política” numa

linguagem contratualista, apoiada nas idéias originais de Hobbes e Buchanan, objetivando

argumentar especialmente que a atividade política pode acontecer fora da burocracia estatal,

que é concebida neste estudo como fonte do estado de natureza através da politicagem.

Na parte conclusiva do artigo, são formalizados os princípios epistemológicos

(unidade; logicidade; aplicabilidade; e criticidade) que orientam a estrutura mínima do

programa de pesquisa direcionado ao estudo da politicagem.

2. Banco de dados: idéias aristotélicas

No estudo das formas de governo, Aristóteles admite que a tirania apresenta afinidades

com a democracia mais “desabusada” e também com a oligarquia (“Política”, Livro sexto, cap.

IX). Para o legislador e para todos quantos desejam estabelecer um governo democrático, a

tarefa mais trabalhosa não é, portanto, fundá-lo; trata-se, sobretudo, de prover a sua Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia

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manutenção e obviamente neutralizar o risco dos abusos, “pois não é muito difícil a uma forma

de governo qualquer durar pouco tempo por causa desse risco permanente” (idem).

Segundo o mesmo o autor, os adeptos da desigualdade e dos privilégios conturbam a

paz quando supõem que apenas têm uma parte igual ou menor de poder (“Política”, Livro

oitavo, cap. II, §1). Os cidadãos irritam-se uns contra os outros por razões de interesse e

ambição pessoal, não porque pretendem conquistar riquezas e honras, mas porque as vêem

conseguidas por outros, seja a justo título, seja sem nenhum direito.

Para se conhecer melhor as causas das revoltas e revoluções, é necessário incluir

também o ultraje; a superioridade; o desprezo; o crescimento não proporcionado de alguma

parte do Estado; e sob outros aspectos, a intriga; a negligência; a desatenção (“que faz com que

sejam ampliadas as pequeninas coisas”); bem como a diferença dos costumes (Livro oitavo,

cap. II, §3).

O que mais ajuda as revoltas nas democracias é a insolente perversidade dos

demagogos. Nos negócios da república, os demagogos irritam incessantemente a populaça,

como se pode observar em muitos Estados (“Política”, Livro oitavo, cap. IV, §1).

Dois motivos essenciais, extraordinariamente notáveis, causam as revoluções nos

governos oligárquicos: um, quando os chefes exercem opressão sobre o povo, pois então ele

aceita o primeiro defensor que lhe é apresentado; o outro, mais comum, quando este libertador

sai das fileiras da oligarquia [...] (Livro oitavo, cap. V, §1).

Muitas vezes, a oligarquia é destruída quando em seu interior outra oligarquia é

constituída; quer dizer, quando sendo considerável o número de governantes, nem todos são

chamados às grandes magistraturas [...] (idem, §8); neste caso, as revoluções podem aparecer

tanto em tempo de guerra como em tempo de paz. Especificamente no correr da guerra, a falta

de confiança no povo conduz ao uso de tropas mercenárias; então aquele ao qual é confiado o

comando muitas vezes torna-se tirano. As revoluções aparecem também devido a violência que

os oligarcas exercem uns contra os outros em problemas de matrimônio ou demanda (idem,

§10).

Na tirania, o governante estimula o aviltamento dos vassalos, pois o que tem espírito

vil e covarde jamais será tentado a conspirar. Também investe na desconfiança que alimenta os

cidadãos entre si, pois a tirania apenas pode ser derrubada quando os homens tiverem entre si

uma confiança mútua. Outra estratégia da tirania é fazer acreditar na impossibilidade de se agir

coletivamente, pois ninguém realiza o impossível, ou seja, não se toma a tarefa de destruir a

tirania quando não se tem realmente o poder de fazê-la (Livro oitavo, cap. IX, §8). Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia

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O tirano deve parecer aos olhos de seus vassalos um administrador, um rei, um homem

que não cuida de seus negócios privados, protegendo e exigindo moderação em tudo, distante

de todo excesso. Ele deve admitir homens sérios em sua companhia e obter através de sua

popularidade a benquerença popular. É útil ao tirano ter costumes e virtudes, ou ao menos ser

mais virtuoso do que mau (“Política”, Livro oitavo, cap. IX, §20).

3. Estrutura da politicagem: definições ontológicas

A politicagem é um desvio ético do poder, configurado a partir do interesse de um ou

mais indivíduos politiqueiros, que se auto-organizam com a intenção de obter vantagens

privativas do poder público, provocando por causa desse comportamento inúmeras

externalidades negativas para a sociedade como um todo - através da injustiça, desordem,

instabilidade, violência e descrédito, entre outras modalidades antidemocráticas e desumanas,

que prejudicam a confiabilidade do cidadão nas instituições públicas responsáveis pela defesa

dos interesses de sua própria comunidade.

4. Definições metodológicas

A politicagem é um sistema de idéias e de comportamentos [racionais ou mesmo não

racionais] caracterizado pela utilização de técnicas abusivas do poder. No método oligárquico

da politicagem, o poder é adaptado em favor das classes econômicas ou das elites sociais que

supostamente seriam dotadas de virtudes públicas ou morais acima da média. O processo de

oligarquização do poder é caracterizado pela gradativa exclusão social daqueles que

supostamente não estariam preparados para o desafio da atividade pública. Como

consequência, a oligarquia é um método autoritário, visto que a autoridade máxima fica

localizada num determinado centro do poder através de um grupo seleto de politiqueiros

notáveis. Segundo Aristóteles, a oligarquia pode se perpetuar no poder desenvolvendo algumas

estratégias peculiares. Por exemplo, para se chegar às magistraturas é necessário pagar um

censo tão alto que torna impossível aos pobres, que são a maioria, conseguir ocupar alguma

função pública. Outro aspecto rotineiro da oligarquia é fazer com que o filho suceda ao pai nos

cargos civis.

No método demagógico da politicagem, por sua vez, o poder induz a maioria das

pessoas a acreditarem que o povo sempre governa e toma decisões relevantes. Segundo Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia

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Aristóteles (Livro sexto, cap. IV, §5), o demagogo e o adulador constituem quase o mesmo

indivíduo; trazem entre eles, uma semelhança que os confunde.

Os aduladores e os demagogos possuem do mesmo modo uma influência muito grande

sobre os tiranos; outros, ainda, sobre os povos que ficam reduzidos a esse estado. Os

demagogos são a razão pela qual a autoridade suprema deve ficar depositada nos decretos e

não nas leis, pelo cuidado que eles dizem ter absolutamente com a coisa pública, a fim de que

tudo seja conduzido diretamente ao bem do povo; disso advém como efeito colateral que a

demagogia se fortalece, pois o povo é senhor de tudo, mas o demagogo é o instrumento de

realização da vontade popular.

No método tirânico da politicagem, o poder fica restrito exclusivamente ao livre

arbítrio da pessoa que governa unilateralmente, acima das leis. De acordo com Aristóteles

(Livro oitavo, cap. VIII, §6), o objetivo que se propõe o tirano é o prazer. Em comum com a

oligarquia, a tirania procura tirar as armas do povo. Em comum com a demagogia, faz uma

guerra incessante contra os ricos, prejudicando-os por todos os modos ocultos ou patentes, no

sentido de condená-los ao exílio como rivais e inimigos do poder popular (idem, §7). Na

tirania, são usadas técnicas que evitam, por exemplo, a associação de amigos; a instrução

política; a confiança; objetivando exatamente deste modo que todos fiquem desconhecidos uns

dos outros, pois as relações costumeiras são perigosas visto que podem despertar a confiança

mútua entre os cidadãos (Livro sétimo, cap. IX, § 2).

5. Definições axiológicas

O politiqueiro é um animal paradoxal. Apresenta versatilidade ontológica para

combinar vícios e virtudes simultaneamente no poder com a única intenção de garantir o seu

interesse pessoal ou de quem esteja representando. A versatilidade moral é um atributo

necessário para o politiqueiro sobreviver no espaço fiscalizador e competitivo da comunidade

política.

Também o politiqueiro é uma criatura antipolítica, exatamente nos termos como

sugere o raciocínio de Aristóteles quando ele descrever o processo de instalação da tirania, da

demagogia e da oligarquia, que negam efetivamente “as ações belas e justas” do poder.

Na tirania da politicagem, o politiqueiro cuida apenas do seu egoísmo; em outros

casos, protege o interesse e o prazer exclusivamente favoráveis ao bem-estar de seus amigos e

familiares. Na demagogia, o politiqueiro é um mentiroso e ilusionista do poder. Faz o povo

Pierre Lévy comenta os protestos no Brasil: ‘Uma consciência surgiu. Seus frutos virão a longo prazo’

Filósofo francês, uma das maiores autoridades do mundo nos estudos da cibercultura, fala sobre mobilização em redes sociais

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ANDRÉ MIRANDA (

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Publicado:

26/06/13 - 7h00

Atualizado:

26/06/13 - 10h34

Para Pierre Lévy, é impossível controlar a mídia social

Foto: Divulgação

Para Pierre Lévy, é impossível controlar a mídia social Divulgação

RIO - A resposta ao pedido de entrevista é direta: “O único jeito é via Twitter”, disse o filósofo francês Pierre Lévy, uma das maiores autoridades do mundo nos estudos da cibercultura. E assim foi feito. Lévy conversou com O GLOBO na tarde de segunda, via Twitter, sobre os protestos que vêm ocorrendo no Brasil nas últimas semanas e que surgiram das redes sociais.

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Artistas como Milton Nascimento refletem o clamor das ruas em seus trabalhos

Nos últimos anos, muitos protestos emergiram da internet para as ruas. Como o senhor os compararia com manifestações do passado, como Maio de 1968?

Há uma nova geração de pessoas bem educadas, trabalhadores com conhecimento, usando a internet e que querem suas vozes ouvidas. A identificação com 68 está no fenômeno geracional e na revolução cultural. A diferença é que não são as mesmas ideologias.

Mas qual é a nova ideologia? No Brasil, críticos falam da dificuldade em identificar uma ideologia única nas ruas.

Uma comunicação sem fronteiras, não controlada pela mídia. Uma identidade em rede. Mais inteligência coletiva e transparência. Outro aspecto dessa nova ideologia é o “desenvolvimento humano”: educação, saúde, direitos humanos etc.

E qual seria a solução? Como os governos devem lidar com os protestos?

Lutar com mais força contra a corrupção, ser mais transparente, investir mais em saúde, educação e infraestrutura. Porém, a “solução” não está apenas nas mãos dos governos. Há uma mudança cultural e social “autônoma” em jogo.

No Brasil, um dos problemas é que não há líderes para dialogar. Qual seria a melhor forma de se comunicar com movimentos sem lideranças?

A falta de líderes é um sinal de uma nova maneira de coordenar, em rede. Talvez nós não necessitemos de um líder. Você não deve esperar resultados diretos e imediatos a partir dos protestos. Nem mudanças políticas importantes. O que é importante é uma nova consciência, um choque cultural que terá efeitos a longo prazo na sociedade brasileira.

E as instituições? Elas não são mais necessárias? É possível ter democracia sem instituições?

É claro que precisamos de instituições. A democracia é uma instituição. Mas talvez uma nova Constituição seja uma coisa boa. Porém, sua discussão deve ser ainda mais importante do que o resultado. A revolta brasileira está acima de qualquer evento emocional, social e cultural. É o experimento de uma nova forma de comunicação.

Então, o senhor vê os protestos como o início de um tipo de revolução?

Sim, é claro. Ultrapassou-se uma espécie de limite. Uma consciência surgiu. Mas seus frutos virão a longo prazo.

O que separa a democracia nas comunicações da anarquia? Pode-se desconfiar do que é publicado na mídia, mas o que aparece nas redes sociais é ainda menos confiável.

Você não confia na mídia em geral, você confia em pessoas ou em instituições organizadas. Comunicação autônoma significa que sou eu que decido em quem confiar, e ninguém mais. Eu consigo distinguir a honestidade da manipulação, a opacidade da transparência. Esse é o ponto da nova comunicação na mídia social.

O senhor teme que os governos tentem controlar as redes sociais por causa de protestos como os que ocorrem no Brasil e na Turquia?

Eu não temo nada. É normal que qualquer força social e política tente tirar vantagem da mídia social. Mas é impossível “controlar” a mídia social como se faz com a mídia tradicional. Você só pode “tentar” influenciar tendências de opiniões.

E e o risco de regimes ou ideias totalitaristas ganharem força por conta dos protestos, como já ocorreu no passado na América Latina?

Isso é pouco provável no Brasil, por conta de sua alta taxa de pessoas com educação. A chave é, como sempre, manter a liberdade de expressão, como ela é garantida pela lei. Não é preciso ter essa paranoia com o fascismo.

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