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Residentes da rua

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Por:   •  9/10/2014  •  Trabalho acadêmico  •  5.482 Palavras (22 Páginas)  •  566 Visualizações

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ANHANGUERA EDUCACIONAL

Faculdade Anhanguera de Anápolis

Curso Psicologia – 4 período “C”

Fernanda Santos Ferreira – RA 6271241661

KatherinyFabiane Santos - RA 6621347703

Lidiane Gonçalves P. Braz – RA 6451306044

Renata Sousa dos Santos – RA 6824503169

ATPS - ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA – ETAPA 1

Psicologia Social

Profª Gilsimar

Anápolis - GO

2014

ATIVIDADES PRÁTICAS SUPERVISIONADAS - ATPS

Curso Psicologia – 4período“C”

Atividade Avaliativa: ATPS apresentada ao Curso Superior Psicologia da Faculdade Anhanguera de Anápolis, como requisito para a avaliação da disciplina Psicologia Social professor Gilsimar.

Fernanda Santos Ferreira – RA 6271241661

KatherinyFabiane Santos - R.A. 6621347703

Lidiane Gonçalves P. Braz – RA6451306044

Renata Sousa dos Santos – RA6824503169

ATPS - ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA - ETAPA 1

Tema: Moradores de Rua

Curso Psicologia – 4período“C

Anápolis – GO

2014

Quem é a população de rua – terminologia e conceitos

Buscando situar a pluralidade e as identidades que se constroem entre a população de rua, destacamos as nomeações pelas quais os moradores de rua se identificam, mesmo que estas reproduzam os enquadres institucionais que lhes são impostos, como morador de rua, ou termos que se referem a práticas voltadas para grupos específicos.

É bastante comum, entre aqueles que dormem nas ruas, o uso do termo maloqueiro, que se refere a quem usa a maloca, ou mocó – lugar de permanência de pequenos grupos durante o dia, ou usado para o pernoite, com, normalmente, colchões velhos, algum canto reservado para os pertences pessoais (roupas e documentos) e, às vezes, utensílios de cozinha. Quem usa albergues são identificados simplesmente como usuário de albergue ou albergado. "Trecheiro" também é bastante usado entre os moradores de rua; o termo é oriundo dos trabalhadores que transitavam de uma cidade para outra a procura de trabalho, continua sendo usado pejorativamente por uns e naturalmente por quem já teve a experiência de trecho (referindo-se a esse tipo de percurso). Os "trecheiros" se opõem aos "pardais", que são, na sua visão, os moradores de rua, que se fixam e não trabalham. As atribuições de valor ao nomadismo também são referidas por Magni, pela oposição dos sujeitos pesquisados ao estado de carência e passividade do morador de rua que se fixa num determinado lugar.

O enquadre institucional "medicalizante" e hegemônico na área dos serviços de saúde tem interferido nas categorizações da população, segundo o uso de drogas e sua forma de comportamento como "problema" de natureza mental ou psiquiátrica. Essas categorizações são feitas pelas instituições e reconhecidas ou não pelo conjunto da população de rua. Entre os moradores de rua, ocorre uma delimitação de identidades e espaços por usuários de álcool são chamados de bêbados, bebuns, alcoólatras. Há também o uso de outras drogas na rua, referência ao uso do tipo de droga.

Essas divisões e identidades refletem também a internalização culpabilizante da fala institucional. Os como a maconha, o crack e a cocaína. Para os que usam álcool, de maneira geral, os usuários de outras drogas são chamados de nóia. Os que usam crack também são chamados de "pedreiros". O crack, que esteve muito popularizado entre moradores de rua mais jovens, pode estar cedendo lugar à maconha, a julgar pelas narrativas de freqüentadores de instituições para a população de rua. O uso de maconha não interfere tanto no acesso aos serviços e programas institucionais, como ocorre com os usuários de outras drogas, que apresentam alterações de comportamento conflitivas no ambiente institucional.

Refletindo a situação relacional entre os grupos e as instituições, as classificações operam, de certa maneira, com um conceito de "cronicidade", que relaciona subjetivamente a aparência e comportamento do indivíduo a determinado "estágio de degradação" na significação do que seja a situação de rua. Assim, termos como "maloqueiro" passam a ser utilizados de acordo com a posição de discriminação em que cada um se coloca ou é colocado. Na presença de um assistente social ou agente de saúde é comum que um indivíduo procure se mostrar menos "maloqueiro" do que outro. As classificações usadas variam conforme a natureza do olhar, seja de fora ou de dentro desse meio, ou da ótica institucional. Nesse caso, pode predominar critérios emocionais, religiosos, médicos ou sanitaristas.

Estudando o tema das populações de rua, distingue "ficar na rua, circunstancialmente", "estar na rua, recentemente" e "ser de rua, permanentemente". Essa distinção se funda na visão da permanência na situação de rua, como fator de cronificação. Nesse estudo, consideramos que a situação de rua adquire uma maior complexidade na medida em que se considera o intrincado conjunto de fatores que se inter-relacionam no processo de ida para a rua e nas práticas assistenciais existentes.

A situação também é mais complexa à medida que observamos a construção de várias categorias, a partir de funções, estudos acadêmicos ou de seu uso a partir da própria incorporação, via reflexividade social. Quem cata papel, latinha e cobre na rua, por exemplo, são os catadores – trabalhadores que vivem na rua –, reconhecidos legalmente por essa ocupação profissional. Grande parte deles se considera morador de rua, mas muitos, que têm o seu núcleo familiar constituído, estão vinculados a associações ou cooperativas e nunca estiveram na situação de dependência direta de serviços públicos assistenciais, morando nas ruas.

As classificações também se ordenam em função da ótica dos estudos feitos sobre essa população. Nesse sentido, é significativo pensar na contraposição entre a identificação do sujeito em função da situação de rua, como se observa é no caso brasileiro, com a classificação em relação à ausência de moradia, nos países anglo-saxônicos.

Nos Estados Unidos, usa-se o termo homeless, mas nem sempre com um único significado. Pode, por exemplo, referir-se àqueles que estão em habitações que não atendem às necessidades e padrões mínimos de habitabilidade, ou, como a atribuído pelo National Coalition for the Homeless, às pessoas que enfrentam alguma situação de desabrigo, incluindo pessoas que, mesmo tendo um local para morar, esporadicamente usam os albergues ou dormem nas ruas por falta de abrigamento público adequado e disponível.

Snow e Anderson atribuem ao desabrigo, uma dimensão residencial, uma dimensão de apoio familiar e uma dimensão de valor moral e de dignidade baseada num papel desempenhado. Como primeira dimensão entende-se a ausência de moradia convencional permanente. A segunda dimensão, diz respeito aos laços familiares, às redes sociais, à ligação entre indivíduos e a sociedade e às várias configurações de atenuação dos laços familiares. "O terceiro traço distintivo do desabrigo é o grau de dignidade e de valor moral associado às diversas categorias de desabrigo. De um ponto de vista sociológico, ser morador de rua é, entre outras coisas, ser o detentor de um papel básico ou de um status modelar"

A referência explícita à moradia na identificação de moradores de rua é feita de forma mais ampla, com o termo sem-teto (homeless), usado principalmente nos Estados Unidos, ou com o termo sem domicílio fixo (SDF), usado na França, o que vincula a noção de direito a uma residência permanente.

Outros termos, como mendigos ou pedintes, quase em desuso, não correspondem às características gerais dessa população, embora façam parte do imaginário social. Os primeiros estudos sobre a população de rua do Brasil já identificavam ex-trabalhadores vivendo de maneira socializada na rua e associa a mendicância à uma cadeia de degradação das condições de trabalho ao longo de duas a três gerações. A associação da imagem do servo sofredor - oriundo da tradição religiosa cristã que trata da resignação e do sofrimento de Cristo - ao sofrimento na rua fez surgir o termo sofredor de rua, com conotação religiosa e explícita referência ao sofrimento causado pelas situações de injustiça social. Com o surgimento de uma Pastoral de Rua e da Comunidade dos Sofredores, a partir de 1978 , esse conceito passou a ser adotado mais largamente durante muitos anos, cedendo lugar a outros termos trazidos com a ampliação da rede de assistência no município, principalmente na década de 1990. Alguns antigos moradores de rua ainda se identificam "sofredor de rua", referindo-se, porém, na maioria das vezes, à situação de carência e fragilidade em que se encontram.

Nos Porões da Cidade

Entrar na rua significa desenvolver um processo compensatório em relação às perdas e começar a usar outros recursos de sobrevivência, até então ignorados, e assimilar novas formas de organização que permitem a satisfação das necessidades e a superação dos obstáculos que a cidade apresenta. Entretanto, o que as tornam visíveis é justamente a situação de carência e deficiência, que caracterizam um novo modo de se vincularem ao contexto urbano.

As perdas acumuladas e as deficiências encontradas são classificadas por Snow & Anderson, em quatro categorias de déficits que de limitam a vida dos moradores de rua: deficiências físicas e mentais, falta de capital humano, falta de recursos materiais e falta de margem social. Essas deficiências, entendidas dessa forma por comparação com a população domiciliada, podem estar associadas tanto a causas como a conseqüências por estarem vivendo nas ruas, mas são fatores determinantes nas alternativas de sobrevivência encontradas.

Do ponto de vista dos agentes sociais que trabalham com a população de rua, a perspectiva analítica da carência e a impossibilidade de acesso a oportunidades de trabalho se confundem freqüentemente com a identificação de diversos tipos e graus de deficiências de seus usuários. Isso resulta numa rede de prestação de serviços que interfere nas estratégias adotadas pelos moradores de rua que freqüentemente assumem os papéis que lhe são conferidos quando isto se torna conveniente.

Aproximadamente 40 anos, afirmava que era humilhante pedir dinheiro de cara limpa, mas alcoolizado ele conseguia facilmente, nos faróis. Tomava conta de carros em frente a uma unidade de saúde da Mooca. Enquanto algumas pessoas se acostumam facilmente a pedir, outros têm no trabalho a única fonte monetária. Na interseção entre essas duas situações encontramos aqueles que realizam algum tipo de trabalho para "merecer" o dinheiro que recebem.

Algumas ocupações, como é o caso dos ambulantes e catadores de materiais recicláveis, são executadas com regularidade por alguns trabalhadores, em outros casos observa-se menor constância da ocupação remunerada, como é o caso dos descarregadores de caminhões, guardador de carros, carregadores de feiras e pequenos serviços de manutenção. Para certos tipos de trabalhos braçais, como o dos catadores e carregadores, o uso da bebida chega a ser estimulado pelo empregador, o que facilita a identificação desse tipo de trabalho com o circuito marginal e afasta o trabalhador de outras possibilidades de inserção social.

Itinerância e Desabrigo

Com o surgimento dos albergues públicos e escasseamento de renda, o trecheiro passou a utilizar o albergamento gratuito e aos poucos foi conhecendo a rua como recurso na falta de alternativas de pernoite. Na falta de trabalho e com restrições explícitas de poderes locais, que não toleram a permanência de moradores de rua por muitos dias, muitas cidades forçam a migração dessas pessoas para os grandes centros, fornecendo passes de viagem sob a justificativa de ajudarem-nos a chegar ao seu destino ou ao local de origem. A distribuição de passes e a implantação de albergues interferem no nomadismo dessa população, estimulando a sua mobilidade por um lado e facilitando sua fixação nos grandes centros por outro. Diferentes circuitos recebem, dessa forma, ainda que indiretamente, o reconhecimento e a anuência do estado e da sociedade civil. A rede pública de albergamento e de assistência que se instalou nos últimos anos vem definindo os contornos dos circuitos mais adotados pelo segmento da população de rua que circula entre as cidades.

Na falta de dinheiro e de albergues, os centros comerciais – livre do trânsito de pedestres à noite, com amplas marquises para a proteção da chuva, próximos a bares e restaurantes, que oferecem as sobras de comida e banheiro, caso se esteja com boa apresentação, com farto papelão para se improvisar uma cama – são uma boa opção para passar a noite. Fora dos horários comerciais, esses lugares oferecem os melhores locais para o pernoite sem o incômodo de residências cujos moradores poderiam acionar a polícia ou os serviços de resgate da prefeitura. Em alguns casos a presença de moradores de rua na porta de estabelecimentos comerciais pode servir como uma segurança adicional contra a violência urbana. Alguns relatos mencionam a autorização para que dois ou três moradores de rua dormissem em entradas de casas comerciais ou nas proximidades de residências, como cita E.:

"Se o porteiro está sozinho no prédio e aí tem os cara dormindo na rua vizinho ali, se acontecer alguma coisa ali os cara dormindo ali viram também, então o cara é uma testemunha para alguma coisa que acontecer".

A arquitetura antimendigo, como passou a ser denominada desde a década de 1980, inclui artefatos que impedem a permanência de moradores de rua em certos locais, dificultando o pernoite em locais mais abrigados e isoladamente Jornal O Estado de S. Paulo, 26/04/1998). São tubos de água que mantêm as calçadas molhadas, ferragens pontiagudas, gradis que cercam espaços desocupados sob marquises, pisos irregulares, superfícies inclinadas e luzes, que se aliam a estratégias menos camufladas como guardas noturnos e ameaças explícitas. Aqueles que preferem dormir sozinhos ou com poucos amigos evitam a aglomeração dos lugares disponíveis na região central e optam pelo o garimpo de lugares mais retirados do centro.

Cada um desses lugares, que se configura como o espaço de moradia de um grupo de pessoas, é identificado como uma maloca, construída através do que diversos autores identificam como bricolagens. Pode se constituir simplesmente de colchões velhos e cobertores os colchões podem ser substituídos por papelões, mais facilmente encontrados nas ruas, com, às vezes, alguns utensílios usados para a alimentação, para a água de beber e para a pinga. Quando se prepara algum alimento no local, um canto é reservado para se instalar um fogareiro, construído, muitas vezes, por uma lata de 18 litros e tijolos, nesse caso encontram-se também panelas, talheres e reservatórios de água para cozinhar e lavar os utensílios de cozinha. Esses utensílios são normalmente provenientes da rua mesmo, são vasilhas descartadas nos lixos ou latas adaptadas. A presença de catadores se faz notar quando a maloca tem carrinhos de feira, carrinhos de supermercado ou carroça para a coleta de papelão, que freqüentemente contém materiais recicláveis coletados e ainda não comercializados. Esses carrinhos ou carroças também servem para guardar pertences pessoais, como roupas, documentos, remédios e objetos de maior valor, que se encontram na rua. As mulheres acumulam mais objetos que os homens. Entre os objetos guardados pelas mulheres, encontram-se objetos decorativos, bonecas, perfumes, batons, bijuterias e maiores quantidades de roupas. Os homens guardam poucas peças de roupas, e costumam acumular materiais que podem ser comercializados nos ferros-velhos, mas sempre por poucos dias, como peças de motores, cabos elétricos e papelão.

A população que dorme nas ruas se distingue dos albergados por ter uma maior concentração de alcoolistas crônicos, que fazem uso da bebida alcoólica mais freqüentemente. Permanecem mais tempo ociosos e possuem menos disposição para os programas coletivos orientados institucionalmente. O percentual de alcoolistas nos albergues depende do rigor de cada uma dessas instituições, como atestam os relatos de 26 históricos de uso de bebidas alcoólicas entre 28 entrevistados, num estudo sobre população albergada, em um dos albergues da cidade de São Paulo. Para Nasser, "a bebida se introduziu na vida de todos eles como um hábito familiar cultivado desde a tenra idade, e que, com o passar dos anos, foi se intensificando, até intermediar, na fase adulta, a relação entre o trabalho e a vida doméstica, estabelecendo uma forma de lazer que podia se realizar em curto tempo, com poucos recursos financeiros"

Políticas Públicas para os Descartáveis Urbanos

Um grande contingente de pessoas ainda não usa os serviços públicos oficiais ou pouco se relaciona com a assistência instituída, buscando alternativas para o banho, necessidades fisiológicas, alimentação e vestuário. Vivendo literalmente nas ruas, usam os depósitos de ferro velho ou papelão, postos de gasolina, bicas, torneiras públicas, chafarizes, igrejas, banheiros públicos, instalações de vizinhos domiciliados, lojas e supermercados e serviços de higiene pagos. São vitimizadas pelos problemas estruturais e têm sua situação agravada pela contínua permanência em condições insalubres, sujeitas à violência ou ainda sob a ação contínua de álcool e drogas.

Os programas sociais desenvolvidos nesse contexto trazem a marca ideológica do descarte social de uma população que é tratada como excedente. São programas marcados pela institucionalização de práticas que visam à retirada dessas pessoas das ruas, oferecendo, entretanto poucas possibilidades de uma reestruturação de suas vidas.

O descarte introjetado pelo próprio sujeito o destitui de seu papel social, como no caso de A., que ao sair do albergue pela manhã, dizia sair andando pela cidade, "sem rumo". Uma das alternativas é a dissociação da realidade que o cerca, sob a indução de bebidas.

"Estar sem rumo" é mais do que um recurso de linguagem ou alusão à situação momentânea de não ter onde ficar. Pode ser estendido ao posicionamento do indivíduo em relação a projetos de vida possíveis. A ausência, insuficiência ou inadequação de políticas públicas em relação ao processo de exclusão e vulnerabilidades cumulativas não significa somente uma posição de neutralidade ou incapacidade do estado em lidar com o problema da população de rua, mas pelo contrário reafirma a penalização do indivíduo pela situação em que ele se encontra.

A concepção do descarte social aproxima as pessoas do lixo urbano e tal fenômeno pode estar relacionado com o aumento do número de pessoas que passaram a sobreviver com os materiais descartados pela cidade. A esse respeito, refere-se ao novo paradigma para compreendermos uma das dimensões mais perversas da sociedade globalizada: a relação nodal entre o descarte de produtos e materiais industrializados e o descarte de seres humanos".

A vida na rua e a sua proximidade com o lixo urbano a torna um alvo de ações de limpeza das vias públicas e das medidas encampadas pelos órgãos públicos de ação social. O recolhimento do lixo urbano e a remoção de pessoas para espaços coletivos de serviços assistenciais, que comportam centenas de pessoas, são ações muito próximas, ainda que executadas por profissionais de diferentes secretarias.

A internalização desse processo gera uma certa resignação, que interfere na forma de lidar com as questões de saúde e dificulta a relação com os profissionais dos serviços de saúde. Um grande número de pessoas que vive nas ruas, raramente procura o serviço de saúde, enquanto suporta a presença dos sintomas de doenças, recorrendo à rede ambulatorial em último caso, com a acumulação de vários problemas de saúde. Muitas pessoas só se submetem a tratamentos de saúde quando são conduzidas pelo serviço de resgate ou por meio de instituições de assistência, portanto encontram dificuldades em recorrer a eles espontaneamente e ou ainda pela reincidência de doenças mal tratadas, como tem acontecido com casos de tuberculose. A familiaridade com as doenças referida por Gregis, 2002, entre meninos de rua, pela "morte anunciada e narrada que vão se instalando e se agravando lentamente em decorrência da debilidade física e da perda da imunidade, se estende também às doenças sexualmente transmissíveis ou adquiridas através da convivência com outras pessoas doentes.

O contraste entre as vulnerabilidades características de quem vive nessa situação e a insuficiência dos recursos obtidos através da rede de serviços de saúde grupos organizados da sociedade civil ou patrocinados pelo poder público são indicadores de que a situação da saúde dos moradores de rua não mudou de maneira significativa nos últimos ano.

Os profissionais de saúde têm relatado experiências pontuais de sucesso, quadros epidemiológicos restritos a algumas unidades de saúde e centros de referência para álcool e drogas, como bases para o desenvolvimento e implementação de políticas públicas de saúde para esta população.

É interessante destacar que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vem atualmente definindo como "populações vulneráveis" os povos indígenas considerados a partir do critério da Funai, como aqueles que vivem em aldeias reconhecidas oficialmente , os remanescentes de quilombos e os moradores dos assentamentos rurais. Pensando no tema da eqüidade, ressaltamos a questão da necessidade de discutir as políticas públicas de saúde que, em vez de definirem os programas específicos voltados a grupos elegidos focalmente, passassem a reconhecer os diferentes problemas de acesso, as questões locais, geográficas, culturais e toda a especificidade que envolve a relação com a saúde e a insalubridade dos diferentes grupos populacionais como populações com necessidades especiais, uma política orientada para a população de rua assumiria contornos específicos, tendo em vista a apartação dessa população da organização espacial e social e urbana, e as conseqüências desse processo em todos os níveis da sua saúde e na acessibilidade dos recursos públicos.

Ainda que as situações ideais para a recuperação da qualidade de vida dessas pessoas sejam utópicas, as práticas de redução de danos e riscos sociais apontam para possibilidade de intervenções visando à melhoria da saúde nos circuitos de sobrevivência e de acordo com a vida destas pessoas. Entendendo-se os circuitos como formas dinâmicas que transitam pelas vias da identidade e da exclusão.

Considerações Finais

Ao longo dos últimos anos foi possível identificar uma cultura própria da rua, num contexto de liminaridade social e econômica, caracterizada por mecanismos de defesas contra os danos a que os moradores de rua estão submetidos. Mesmo vindo de diferentes localidades e com diferentes bagagens para enfrentar as adversidades da rua, a população que hoje sobrevive nessa circunstância vem criando uma cultura alternativa, e não raro, distante das convenções e sistemas de organização de outros grupos sociais. Isso significa que entrar nesse circuito implica em negociar a identidade em um contexto liminar.

A busca de identidade dentro dos limites marginais da sociedade pode também estar se revelando na necessidade de ora se misturar e ora se distinguir nos diferentes circuitos liminares que se entrecruzam na rua, por exemplo: da pobreza, das relações familiares, da delinqüência, da violência e do trabalho desqualificado, ou mesmo procurar negar ou distanciar-se deste contexto quando se tem, por necessidade, de utilizar os equipamentos voltados a esta população.

A vinculação do tema população de rua e a saúde pública pode se evidenciar, não somente devido às precárias condições de saúde em que estas pessoas vivem, mas no tocante à articulação de políticas públicas integradoras das populações com necessidades especiais tendo em vista os princípios da universalização, eqüidade e integralidade, preconizados pelo SUs.

A universalização da saúde apresenta o desafio de intervir na realidade tal como ela está constituída. Hoje a população de rua é parte do cenário urbano, requerendo intervenções que levem em conta como ela se constituiu e as formas de sobrevivências ali desenvolvidas.

Segundo o princípio da eqüidade os "serviços de saúde devem considerar que em cada população existem grupos que vivem de forma diferente, ou seja, cada grupo ou classe social ou região tem seus problemas específicos, tem diferenças no modo de viver, de adoecer e de ter oportunidades de satisfazer suas necessidades de vida. Assim os serviços de saúde devem saber quais são as diferenças dos grupos da população e trabalhar para cada necessidade, oferecendo mais a quem mais precisa, diminuindo as desigualdades existentes, ou seja, tratar desigualmente os desiguais. Isso implica, em primeiro lugar, na realização de estudos epidemiológicos da população de rua e definições de estratégias e meios específicos que viabilizem o acesso desta população aos recursos de saúde disponíveis.

Se, por um lado, verificamos o desenvolvimento de ações de remoção dessa população ao lado de medidas, como as ações de limpeza pública e recolhimento dos pertences de moradores de rua ou métodos coercitivos, com o intuito de afastar essa população do centro da cidade, por outro, há a implementação de políticas focais, via assistência social e assistencialismo, que reforçam a segmentação dessa população. Estabelecer políticas públicas universais, como o SUS, considerando o princípio de eqüidade, significa estabelecer procedimentos, formas de atendimento e diagnóstico flexíveis que considerem inclusive a atenção extramuros ou em meio aberto estendendo o serviço de saúde a essa população.

QUEM VOCÊS PENSAM QUE (ELAS) SÃO?

REPRESENTAÇÕES SOBRE AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA*

Quantos dentre nós, em meio às atividades corriqueiras, nos deparamos com a figura de um morador de rua? Considerando que eles habitam com freqüência vários logradouros públicos, é pertinente ponderar que todos nós já interagimos com essas pessoas. Contudo, se refletirmos sobre a qualidade destas interações, observaremos que comumente nós as olhamos amedrontados, de soslaio, com uma expressão de constrangimento. Alguns as vêem

como perigosas, apressam o passo. Outros logo as consideram vagabundas e que ali estão por não quererem trabalhar, olhando-as com hostilidade. Muitos atravessam a rua com receio de serem abordados por pedido de esmola, ou mesmo por pré- conceberem que são pessoas sujas e mal cheirosas.

Há também aqueles que delas sentem pena e olham-nas com comoção ou piedade. Enfim, é comum negligenciarmos involuntariamente o contato com elas. Habituados com suas presenças, parece que estamos dessensibilizados em relação à sua condição (sub) humana. Em atitude mais violenta, alguns chegam a xingá-las e até mesmo agredilas ou queimá-las, como em alguns lamentáveis casos noticiados pela imprensa. Observa-se, assim, a existência de representações sociais pejorativas, em relação à população em situação de rua, que se materializam nas relações sociais. Vagabundo, preguiçoso, bêbado,sujo, perigoso, coitado, mendigo... São designações comuns dirigidas às pessoas em situação de rua. Estes conteúdos interferem na constituição da identidade destas pessoas: é conhecimento socialmente compartilhado e utilizado como suporte. para a construção de suas identidades pessoais.

As representações sociais organizam as condutas e as comunicações sociais e intervêm na difusão e na assimilação dos conhecimentos, além de participar na definição das identidades pessoais e sociais. Para Moscovici (1978), são referências que circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. Além disso, para Moscovici (2003), elas convencionalizam os objetos e pessoas e, além de darem a eles uma forma definitiva, transformamos em modelos de determinado tipo que passam a ser partilhados pelas pessoas na construção de suas realidades. A proposição aqui discutida é clara: as representações sociais sobre as pessoas em situação de rua reforçam a construção de identidades

articuladas com valores negativamente afirmados. Neste caso específico, as representações sociais podem ser consideradas ideológicas, pois re-produzem e cristalizam relações concretas de dominação. Em contrapartida, consideramos que as mesmas representações contêm em si o germe de sua superação, podendo servir como referências para o ingresso das pessoas em situação de rua no campo da reivindicação pelos seus direitos, constituindo, por conseguinte, identidades mais críticas e autônomas.

INTERIORIZAÇÃO DOS DISCURSOS: .SOU UMA

PESSOA VAGABUNDA, LOUCA, SUJA, PERIGOSA

E DIGNA DE PIEDADE?.

Somente a existência destes atributos já pontua a ocorrência de uma violência simbólica para com a população em situação de rua que,

como vimos, legitima a ocorrência da violência física. Contudo, a faceta mais contundente é o fato dessas pessoas utilizarem estes conteúdos como referência para configurarem suas próprias identidades.

Assim, os conteúdos simbólicos emergentes nas relações sociais construídas pelo indivíduos com seus interlocutores tornam-se referências que

passam a ser apropriadas intrapsiquicamente. Isto não quer dizer que o indivíduo aceite de bom grado tais tipificações, mas que as têm como conteúdos subjetivos em torno dos quais ele dá sentido às suas vivências e constrói sua identidade pessoal,mesmo que sejam por ele negados .

Diversos estudos e os próprios depoimentos de pessoas em situação de rua apontam que há uma apropriação das representações sociais a elas

atribuídas e, através delas, dão sentido às suas identidades e às condições sociais a que estão submetidas. Nesse sentido, Cléver nos dá seu depoimento:

O morador de rua não é só aquele que está debaixo do viaduto, dormindo

debaixo de uma coberta, ou mesmo num asfalto ou numa calçada fria,

mas é aquele morador que um dia ele teve uma cama quente, um dia ele

teve um lar, ele teve uma cultura na vida dele. Mas como se fosse numa

fração de segundos, como um vírus no computador, aquilo deu um .tilt.

na vida dele. E ele parou de funcionar, e ele foi parar ali, como se fosse

um depósito de ferro velho. Sem ter alguém, um mecânico que fosse lá tentar

descobrir onde estava o problema, tentar descobrir se tinha conserto ou

não aquela peça... E cada vez mais, quanto mais tempo a pessoa fica colocada

nesse depósito de ferro velho, que é o mundo aí fora, as calçadas e

as esquinas da vida, aquele defeito vai de agravando de tal forma que vai tomando conta de todas as peças, ela vai enferrujando todas as suas partes. Chega um determinado momento que esta peça não tem mais vontade própria, nem sequer ela lembra que teve um passado.

Ela começa a viver na verdade aquele sub-mundo que ela

está vivendo e esquece que existe outro mundo. Ela começa a ver as pessoas

que vivem nesse outro mundo. como se fossem .ETs., como se fossem pessoas superiores a ela ao máximo. Por mais capacidade que essa pessoa

tenha, ela não consegue botar isso para frente, ela não consegue botar

isso para uma mudança da própria vida dela. Configurando sua identidade, a partir destes valores, acaba vivendo o que denomina uma das mais cruéis fases que podem existir ao ser humano.

Justamente uma etapa na qual a própria humanidade lhe é negada. O cidadão em situação de rua não é visto como um igual, como integrante da mesma espécie, apenas não é visto, como se fosse coisa. Como analisamos, o indivíduo pode apropria-se das representações sociais e passar a ver-se como um objeto,uma peça sem vontade própria. Além disso, a pessoa também pode se apropriar do conteúdo ideológico da culpabilização e acreditar que está nestas condições devido somente a imperfeições individuais, responsabilizando se integralmente.

Surgem, então, justificativas, também parciais, segundo as quais a pessoa está em situação de rua porque não estudou, não soube abraçar oportunidades

de emprego ou não tenha pensado no futuro. Por conseguinte, a pessoa pode incorporar uma visão de si própria como digna de menos valia,

como um fracasso, ou seja: .vão pouco a pouco adquirindo a identidade dos caídos, dos inúteis, dos fracassados. No ponto de intersecção entre os conceito de identidade como metamorfose humana e de representações sociais, discutimos o mecanismo da tipificação como forma de cristalizar e sustentar relações de dominação e exploração no âmbito da identidade pessoal. No que se refere às pessoas em situação de rua, estas tipificações surgem sob a feição de apreendê-las como vagabundas, sujas, loucas, perigosas e coitadas . que suscitam atitudes que vão da total indiferença à hostil violência física.

Tal conhecimento compartilhado materializa- se nas relações sociais destes indivíduos servindo como material simbólico utilizado para a constituição de suas identidades. Com efeito, as maneiras com as quais as pessoas em situação de rua elaboram estes conteúdos foram analisados a partir da submissão, materializando a loucura e o suicídio, ou da práxis transformadora, constituindo movimentos sociais

na luta por seus direitos e reivindicações históricas.

Tal como as pessoas em situação de rua, nós, pesquisadores e cientistas sociais, também podemos elaborar de formas distintas as tipificações comumente fomentadas em nossa sociedade. Podemos, por um lado, em nossas pesquisas, nos resignarmos a tais conteúdos e reproduzir relações de dominação alinhadas aos ideais neoliberais: considerando que a culpa pela situação de rua é somente das pessoas que vivenciam tal condição e que cabe a nós, donos do saber, orientá-las submetendo as aos nossos valores. Em contrapartida, temos a possibilidade de negar estas tipificações, atribuindo a essas pessoas a condição histórica de lutar junto a nós para a transformação desta realidade social. Neste último caso, faremos realmente uma Psicologia Social enquanto práxis, como disciplina a serviço das classes populares para construir, junto com elas, uma sociedade mais justa. Na primeira possibilidade, não obstante, não faremos senão reproduzir uma psicologia elitista, ou seja como disciplina subserviente ao ideal neoliberal e instrumento de controle social das classes subalternas utilizado pelas classes dominantes para perpetuar o sistema vigente de dominação e exploração.  

Bibliografia

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902004000100007

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822004000200007

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