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A Inteligencia Emocional

Por:   •  21/10/2015  •  Trabalho acadêmico  •  5.017 Palavras (21 Páginas)  •  461 Visualizações

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Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Emotional intelligence in the work of palliative cares teams Monica M. Trovo Araújo* Maria Júlia Paes da Silva** Gustavo G. De Simone*** Gladys M. Grance Torales**** Resumo: Trabalhar com pessoas que vivenciam a terminalidade demanda do profissional de saúde saber identificar e lidar com as emoções que emergem em si próprio e nos colegas de equipe frente ao sofrimento multidimensional do paciente e seus familiares. Para tanto, a inteligência emocional desempenha papel central. Este estudo objetivou realizar uma revisão da literatura sobre inteligência emocional em cuidados paliativos. Realizou-se busca bibliográfica em 169 bases de dados online em ciências da saúde e em 12 periódicos que continham o termo palliative no título. Foram selecionados apenas 7 trabalhos, sendo 2 reflexões teóricas e 1 revisão da literatura, evidenciando a carência de produção científica sobre o tema. Destacou-se a utilização de habilidades de comunicação e a gestão inteligente das emoções como ferramentas facilitadoras para o êxito da integração necessária entre as diferentes disciplinas no cuidado de quem vivencia o processo de morrer. Palavras-chave: Inteligência Emocional. Cuidados Paliativos. Equipe Interdisciplinar de Saúde. Abstract: To work with persons in a terminal condition demands from health professionals the capacity to identify and to deal with the emotions that surface for them and in team colleagues before the multidimensional suffering of patients and their relatives. This makes emotional intelligence to fulfill a central role. This study aimed to carry out a review of the literature on emotional intelligence regarding palliative cares. A bibliographical survey was done in 169 online data bases in health sciences and in 12 magazines containing the term “palliative” in the title. Only 7 works were selected, including 2 theoretical reflections and 1 literature survey, which shows a lack of scientific production on the subject. There stands out the use of skills of communication and the intelligent management of emotions as facilitating tools for the necessary integration among the different disciplines for caring for those who pass through the process of dying. Keywords: Emotional Intelligence. Hospice Care. Patient Care Team. * Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Docente do Centro Universitário São Camilo. ** Enfermeira. Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Responsável Técnica de Enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. *** Médico. Diretor da Pallium Latinoamerica. Docente da Universidad Del Salvador, Buenos Aires, Argentina. **** Enfermeira. Coordenadora de Enfermagem da Pallium Latinoamerica, Buenos Aires, Argentina. Introdução Todo profissional de saúde enfrenta inúmeros desafios em seu cotidiano de trabalho. Alguns obstáculos relacionam-se com aspectos técnicos do fazer e podem ser transpostos com relativa facilidade, à medida que o profissional faz uso de suas habilidades e saberes técnicos e científicos. Outros desafios dependem diretamente de habilidades relacionais para serem transpassados e demandam do profissional um grande esforço emocional, por envolverem questões que vão além do saber-fazer, relacionando-se diretamente com o comportamento humano em sua totalidade e complexidade. Trabalhar com pacientes que vivenciam a terminalidade envolve a utilização do saber técnico para o controle de sintomas na mesma proporção que demanda o uso de habilidades interpessoais e emocionais do profissional de saúde, independente de sua área de especialidade. Médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e demais membros da equipe de saúde necessitam saber lidar com seus próprios sentimentos e com as emoções que identificam no outro. Frente à situações de dor, sofrimento e perdas do paciente sob cuidados paliativos e seus familiares, os profissionais necessitam conhecer suas próprias forças e saber usá-las produtivamente. Precisam ter automotiva- ção e atitudes positivas frente às incertezas, saber lidar com situações de estresses e reveses sem perder o autocontrole, desenvolvendo empatia para perceber o que as pessoas sentem, saber ouvir e buscar compreender o ponto de vista do outro, ter habilidade no trato social e 59 Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(1):58-65 no relacionamento interpessoal, e necessitam ser emocionalmente inteligentes para gerenciar emoções. A teoria das inteligências múltiplas foi elaborada na década de 1980 por pesquisadores da Universidade de Harvard, liderados pelo psicólogo Howard Gardner. Em seus estudos sobre o desenvolvimento das capacidades cognitivas dos seres humanos, Gardner contestou a existência de um quociente de inteligência (QI) único e específico para toda a vida. Propôs um amplo espectro de inteligências, as quais denominou inteligências múltiplas: a inteligência linguística ou verbal, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a cinestésica corporal, a naturalista e as inteligências pessoais: intra e interpessoal1 . As inteligências pessoais de Gardner foram renomeadas emocionais por Peter Salovey e John Mayer que, em 1990 propuseram o conceito de Inteligência Emocional, expandindo as aptidões pessoais para cinco domínios principais: autoconhecimento, autocontrole, automotivação, empatia e habilidades de relação1,2. Embora o conceito de Inteligência Emocional tenha sido proposto por Salovey e Mayer, tornou-se conhecido mundialmente após a publicação do livro “Inteligência Emocional” em 1995, por Daniel Goleman. Desde então, além do interesse popular gerado, o constructo também provocou certa agitação no âmbito científico, pois embora sejam notáveis os progressos no desenvolvimento da teoria de inteligência emocional, bem como dos testes que se propõem a medí-la, ainda há aspectos que precisam ser melhor investigados, como a validade de constructo e de escalas para mensuração utilizadas1,2,3,4. Goleman compreende inteligência emocional como a capacidade de reconhecer sentimentos em si mesmo e nos demais, sendo hábil em manejá-los ao trabalhar com o outro. Para ele, utilizar bem a inteligência emocional é ter habilidade para o trabalho em equipe, exercitando frequentemente o diálogo e a autoanálise, permitindo ao sujeito manter-se em equilíbrio consigo mesmo e com os outros. Utilizando-a é possível interagir com os demais, trabalhar em grupo, tolerar situações difíceis e de conflito, fortalecer vínculos afetivos, estabelecer empatia, controlar os impulsos e manter níveis adequados de humor1 . O trabalho em equipe é condição sine qua non para a assistência paliativista. No conceito de cuidados paliativos proposto pela Organização Mundial de Saúde já se encontra implícita a necessidade de trabalho em equipe para a atenção ao paciente que vivencia o processo de morrer, ao abordar a necessidade de tratamento de problemas de natureza física, psicossocial e espiritual5 . Há limitação na ação uniprofissional quando se objetiva promover o controle de dor e outros sintomas multidimensionais e angustiantes, integrando ao cuidado os aspectos sociais, psicológicos e espirituais, de modo a possibilitar o exercício da autonomia do paciente e brindar suporte aos familiares. Nenhuma especialidade da área de saúde ou das ciências humanas consegue isoladamente dar conta das necessidades complexas e multifacetadas de indivíduos que vivenciam o processo de morrer. A literatura é escassa em pesquisas que apresentam um modelo conceitual de trabalho em equipe que seja bem formulado, assim como de uma definição universal do que seja uma equipe. O uso de terminologia variada e indiscriminada para designar a atuação em equipe prejudica a compreensão do que seja efetivamente esse tipo de trabalho. Utiliza-se frequentemente e de modo errôneo como sinônimo os termos “trabalho em grupo” e “trabalho em equipe”, assim como “multidisciplinar” e “interdisciplinar”6,7,8. Os grupos de trabalho podem ser compreendidos como um conjunto de pessoas que interagem para partilhar informações e tomar decisões que auxiliem cada membro a desempenhar suas tarefas individualmente, sendo a responsabilidade também individualizada. Já as equipes de trabalho são formadas por indivíduos que também interagem para partilhar informações e tomar decisões, porém guiadas para uma meta uníssona, gerando sinergia positiva, cujo resultado é maior do que a soma da atuação isolada dos profissionais e a responsabilidade de seus membros é tanto individual quanto coletiva6 . Equipes constituem formas mais aprimoradas de grupos de trabalho e o que determina esse desenvolvimento é o esforço coletivo na busca de objetivos e metas comuns, além da confiança e respeito mútuos. De acordo com o modo que essas equipes relacionam-se, comunicam-se e integram suas disciplinas pode-se utilizar o prefixo “multi”, “inter” ou até “trans”. Equipes multidisciplinares são aquelas compostas por profissionais de várias disciplinas, que tendem a cuidar dos pacientes de modo independente e sem interação 60 Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(1):58-65 direta, compartilhando informações de maneira indireta quando necessário, geralmente por escrito7,8. O termo interdisciplinar deve denominar equipes onde os profissionais trabalham interagindo diretamente, combinando conhecimentos e compartilhando as atividades para atingir um objetivo conjunto e único, o cuidado do paciente. Configura-se em uma relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas de vá- rios profissionais e a interação desses saberes que, por meio da comunicação verbal direta e consensualmente escrita, articulam suas ações e promovem a cooperação mútua7,8. Ainda poucas pesquisas têm sido produzidas tendo como conceito básico a “transdisciplinaridade”, baseada na proposta desenvolvida por Edgar Morin9 , entre outros, de leitura do mundo por meio do pensamento complexo. Complexo sendo entendido como “o que está tecido junto”. A proposta de trabalho em equipe em cuidados paliativos deve ser interdisciplinar ou transdisciplinar10, frente à multidimensionalidade das necessidades dos indivíduos que vivenciam o processo de morrer e à demanda pela ação integral e conjunta de profissionais de saúde em prol do objetivo comum, a melhora da qualidade de vida do paciente. Somente com a coesão entre os membros da equipe que atuam articulando em torno desse objetivo único seus saberes oriundos das diferentes disciplinas, tomando decisões e resolvendo problemas juntos, com cooperação mútua e complementaridade de ações é possível atingir a eficácia, a eficiência e a efetividade da assistência ao ser humano em situação de dor e sofrimento ao fim da vida. Trabalhar em equipes transdisciplinares em cuidados paliativos significa relacionar-se rotineiramente com colegas que possuem diferentes saberes e maneiras de interpretar. Para que sejam bem-sucedidos em seus propósitos integracionais, seus membros devem saber ouvir, interpretar e aproximar as diferentes linguagens profissionais, além de saber conviver de modo harmônico, respeitando-se as diferenças. E, sobretudo, necessitam saber dialogar, compartilhar e negociar para trabalhar em equipe, gerenciando emoções. O presente estudo objetivou identificar e analisar a produção científica sobre inteligência emocional em cuidados paliativos com foco no trabalho em equipe interdisciplinar. Para tanto, foi realizada uma revisão narrativa e reflexiva da produção bibliográfica sobre inteligência emocional em cuidados paliativos. Foi procedido levantamento bibliográfico nas bases de dados BIREME, MEDLINE/PubMed, SciELO, CINAHL e nas demais bases de dados em ciências da saúde disponibilizadas no Brasil pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em seu portal, com livre acesso à comunidade acadêmica. Utilizando-se os termos emotional intelligence and palliative care and teamwork não foram encontrados registros em nenhuma das 169 bases de dados em ciências da saúde acessadas. Combinando-se de modo pareado os mesmos termos, nas mesmas bases de dados, nos últimos doze anos (1999-2011), foram encontrados 136 registros de estudos com resumos disponíveis. Por meio da leitura do resumo destes estudos, apenas quinze foram selecionados, pelo fato dos demais não relacionarem- -se com o tema desta investigação e sim com a mensuração de inteligência emocional, principalmente em estudantes. Dos quinze artigos secionados, somente sete estavam disponíveis com texto completo, sendo acessados e restaurados na íntegra. A princípio, pensou-se entrar em contato com os pesquisadores responsáveis pelos outros oito artigos, contudo havia endereço para correspondência apenas em dois resumos. Realizou-se contato via e-mail com os responsáveis por esses dois artigos para solicitar-lhes a íntegra, contudo não houve resposta ao requerimento. Foi também realizada busca manual por publica- ções sobre inteligência emocional em doze periódicos que contém no título o termo palliative, nas edições dos últimos 10 anos, não sendo encontrada nenhuma referência sobre o assunto. Resultados e discussão Os sete artigos8,11,12,13,14,15,16 incluídos nesta revisão são apresentados no Quadro 1. 61 Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(1):58-65 Quadro1: Autor (es) Periódico Ano de publicação Tipo de estudo Principais resultados/considerações/conclusões Maddix; Pereira14 Journal of Palliative Medicine 2001 Reflexivo tipo relato de experiência Relata a experiência da criação de um grupo multidisciplinar de reflexão e discussão sobre o trabalho em cuidados paliativos. A partilha de experiências, discussões grupais e escuta ativa moderada por um facilitador são estratégias apontadas como fatores de sucesso para o grupo. McQueen13 Journal of Advanced Nursing 2004 Revisão de literatura Ferramentas da inteligência emocional são necessárias aos enfermeiros para o cuidado direto do paciente e para o trabalho cooperativo em equipes multidisciplinares. Habilidades interpessoais são valiosas nas relações de trabalho. OConnor; Fisher: Guilfoyle8 International Journal of Palliative Nursing 2006 Reflexivo O funcionamento efetivo de equipes interdisciplinares de cuidados paliativos é crucial para estabelecer cuidado de qualidade ao paciente. Contudo, essa efetividade não ocorre por si própria, necessita ser sustentada sistematicamente nos níveis individual e organizacional. Intervenções no nível individual incluem programas educacionais que foquem no aprimoramento da comunicação interpessoal entre os membros da equipe. Junger; Pestinger; Elsner; Krumm; Radbruch11 Palliative Medicine 2007 Qualitativo (entrevista com 19 profissionais paliativistas) Comunicação, filosofia da equipe, ambiente de trabalho e compromisso da equipe evidenciaramse relevantes para a cooperação em equipes de cuidados paliativos. McCallinBamford12 Journal of Nursing Management 2007 Qualitativo (entrevista com 44 profissionais) A equipe é a responsável pela manutenção de relações interpessoais saudáveis de seus membros e para tanto necessita entender e administrar emoções. Habilidades comunicacionais, sociais, autoconsciência e autocontrole são centrais para a gestão das emoções em equipes interdisciplinares. Davies; Jenkins; Mabbett15 British Journal of Community Nursing 2010 Qualitativo (entrevista com cinco enfermeiras) A inteligência emocional é percebida como atributo essencial para o cuidado de qualidade, especialmente quando relacionada ao contexto dos cuidados paliativos. Clarke16 Team Performance Management 2010 Quantitativo, realizado junto a 68 profissionais randomizados em pequenas equipes Inteligência emocional é um aspecto importante nas diferenças individuais entre os membros de uma equipe e podem contribuir para a efetividade da mesma. Dos sete estudos, quatro foram publicados em perió- dicos de enfermagem, dois em revistas médicas e um em periódico da área de administração. Destaca-se ainda que três artigos que enfocavam trabalho em equipe foram publicados em periódicos específicos de cuidados paliativos, demonstrando o interesse e a busca paliativista pelo aprimoramento do trabalho em equipe. Contudo, ressalta-se que três trabalhos analisados são reflexivos e empíricos e outros três, de natureza qualitativa, investigam a percepção de profissionais sobre o tema. Apenas um trabalho16 aprofunda o estudo do constructo IE no trabalho em equipe, trazendo novas contribuições nesse tópico. Denota-se a carência de pesquisas ancoradas em marcos conceituais sobre o tema e/ou que tragam novas implicações para a prática cotidiana. Em um estudo17 que traça um panorama da pesquisa científica sobre IE no Brasil, observou-se que as publica- ções (n=37) ocorreram todas nas últimas duas décadas, sendo 12 artigos teóricos e 25 empíricos, porém, nenhum deles se refere especificamente a IE e Cuidados Paliativos. Destacou-se como elemento comum aos 7 artigos analisados o uso de habilidades interpessoais como fator indispensável para o bom trabalho em equipe, denotando ser as habilidades relacionais imprescindíveis para a gestão das emoções no trabalho interdisciplinar e, portanto, transdisciplinar. Uma das características fundamentais do trabalho em equipe interdisciplinar e transdisciplinar é a consciência e o uso adequado da comunicação interpessoal, sendo o critério mais frequentemente apontado por profissionais de equipes de cuidados paliativos como fator de sucesso para o bom desempenho das mesmas11,15. Problemas de comunicação entre os membros da equipe impactam negativamente a qualidade de vida de 10 a 20% dos pacientes sob cuidados paliativos, conforme evidencia um estudo inglês que avaliou como ocorre a comunicação no cuidado ao fim da vida em equipes de cuidados paliativos em três grandes centros europeus18. A boa inter-relação entre os membros da equipe paliativista e a transmissão compartilhada de informações constitui um instrumento estratégico e embasador para a realização efetiva desse tipo de trabalho. Comunicação interpessoal não se resume apenas em troca de mensagens entre duas ou mais pessoas. Trata-se de um processo complexo que envolve a percepção, a com- 62 Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(1):58-65 preensão e a transmissão de mensagens por parte de cada sujeito envolvido na interação, sendo que sua essência reside em processos relacionais e interacionais, à medida que todo comportamento humano possui valor comunicativo. Assim, comunicar-se é relacionar-se subjetivamente e em dado contexto com outro ser humano que possui experiências, cultura e valores diferentes dos nossos19,20,21. Na relação com o outro, o homem utiliza na expressão de seus pensamentos duas dimensões do processo de comunicação, a verbal e a não-verbal19,20,21. A dimensão verbal está associada às palavras, por meio da linguagem falada ou escrita, e tem por objetivo expressar um pensamento, clarificar um fato ou validar a compreensão de algo. A clareza do que se deseja transmitir verbalmente é um ponto fundamental, na medida em que muitos conflitos que ocorrem no contexto do trabalho em equipe são devidos ao fato de que critérios não estavam claros para as partes envolvidas21. Contudo, a comunicação verbal é insuficiente para caracterizar a complexa interação que ocorre no relacionamento humano. É necessário qualificá-la, dar a ela emoções, sentimentos e adjetivos, um contexto que permita ao homem perceber e compreender não só o que significam as palavras, mas também o que o emissor da mensagem sente. Para permitir a demonstração e compreensão dos sentimentos nos relacionamentos interpessoais é primordial a dimensão não verbal do processo de comunicação. A qualificação da linguagem verbal é dada pelo jeito e tom de voz com que as palavras são ditas, por gestos que acompanham o discurso, por olhares e expressões faciais, pela postura corporal, pela distância física que as pessoas mantêm umas das outras, e até mesmo por suas roupas, acessórios e características físicas19. Para o processo de trabalho em equipe interdisciplinar e transdisciplinar em cuidados paliativos são atributos comunicacionais indispensáveis: a habilidade de apresentar claramente aos colegas os próprios julgamentos e ideias, saber ouvir sem interromper, valorizar a opinião dos demais membros da equipe demonstrando interesse e atenção, saber negociar utilizando argumentos válidos e objetivos, validar a comunicação antes de dar a seu parecer; perceber e valorizar o fato de que a diversidade de visões sobre um mesmo problema enriquece a discussão, oferecer opiniões, ideias e sugestões, sintetizar decisões consensuais, reconhecer sinais não-verbais de ansiedade no outro; identificar, respeitar e saber lidar com as diferenças, minimizando-as em prol de um objetivo comum10,19. É na comunicação que reside à adequação e a harmonia do trabalho em equipe. O resultado esperado desse trabalho depende da capacidade de envolvimento, argumentação e negociação dos membros da equipe, o que implica saber ouvir e ceder diante de razões bem fundamentadas, dados convincentes, experiências referendadas e informações fidedignas. No trabalho em equipe é necessário que o diálogo esteja presente o tempo todo porque, embora as metas sejam comuns, nem sempre as ideias são convergentes. Pontos de vista distintos podem gerar discussões desnecessárias e improdutivas que terminam em conflitos, arriscando-se a atingir esferas puramente pessoais, com grande prejuízo emocional das partes. No contexto de trabalho em cuidados paliativos, onde já existe sobrecarga emocional dos profissionais por lidarem com situações limítrofes de perdas e sofrimento, a busca pelas boas relações no trabalho e por mecanismos de suporte emocional permitem manter a sanidade física e emocional11. Do diálogo e da partilha de percepções e sentimentos é que emergem entendimentos e soluções, e que se consegue a confiança e a cooperação dos pares9 . O trabalho interdisciplinar e transdisciplinar também deve buscar nortear-se por meio da contribuição coletiva16. Na medida em que os profissionais que compõem a equipe tomam decisões e resolvem problemas juntos, visando atingir um melhor desempenho, precisam assumir mutuamente as responsabilidades e a consequência pelos resultados. Assim, tanto os erros, quanto os acertos são de responsabilidade conjunta e refletem a ação uniforme da equipe. Desse modo, é imprescindível que as decisões tomadas pela equipe sejam transmitidas de modo consensual, refletindo uma posição conjunta e não individual. Faz- -se necessário que a transmissão de informações ocorra ao paciente, seus familiares e demais cuidadores de modo verbal e direto, utilizando-se uma linguagem passível de compreensão e também por escrito, registrada em prontuário. O consenso escrito é importante para reafirmar e validar a conduta da equipe. A inteligência emocional fornece ferramentas para o trabalho inter e transdisciplinar em cuidados paliativos. McCallin, Bamford12, ao analisarem o componente emocional em equipes interdisciplinares por meio de observação participante e entrevista com 44 profissionais de 63 Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(1):58-65 saúde de distintas disciplinas, evidenciaram que a efetividade da equipe melhora quando os profissionais sentem- -se emocionalmente seguros uns com os outros. Apontam ainda que essa segurança é atingida quando as interações interprofissionais são baseadas em relações de confiança e respeito, desenvolvendo-se melhor quando os indivíduos possuem inteligência emocional (autocontrole, autoconhecimento, motivação, empatia e habilidades relacionais) para considerar diferentes pontos de vista e reconhecer o valor das distintas contribuições disciplinárias. No contexto do trabalho transdisciplinar em equipes de cuidados paliativos, o indivíduo emocionalmente inteligente é aquele capaz de fazer conexões entre as diferentes competências, observar problemas sob diversas perspectivas, visualizando o todo e ainda atentar-se para os detalhes relevantes, ponderando-os e levando-os em consideração para a tomada de decisão. E, sobretudo, capaz de identificar sentimentos, fortalezas e fragilidades no outro, de reconhecer e lidar com suas próprias emoções e manter um bom relacionamento com os colegas. A autoconsciência é uma das aptidões que permitem ao indivíduo tornar-se emocionalmente inteligente, sendo identificada em recente estudo inglês realizado com enfermeiras comunitárias como um dos principais atributos para o oferecimento de um cuidado de qualidade15. A partir dela é possível monitorar-se, fazendo com que os próprios atos funcionem em benefício próprio, à medida que a consciência de sentimentos e atitudes ajudem a compreender as situações e os modos de agir, reagir, comunicar e intervir de maneira coerente. O conhecimento subjetivo acerca da natureza da própria personalidade pode orientar condutas e proporcionar uma base para a tomada de decisões adequadas frente a situações emocionalmente difíceis1,9,15,22. Especula-se que a autoconsciência seja a base de todas as demais aptidões emocionais, pois traz as emoções ao sistema perceptivo, permitindo o estabelecimento de relações variadas e múltiplas de causa e efeito. É possível ao profissional expandir sua autoconsciência, tornando-se necessário um período de introspecção, visando a autoanálise de suas reações às pessoas e aos acontecimentos envolvidos. Primeiro, torna-se necessário avaliar a capacidade de fazer inferências, identificando-se impressões e expectativas que se tem de si mesmo e do outro. Ao ter consciência das próprias avaliações, torna-se possível a compreensão de como os pensamentos influenciam os sentimentos, permitindo alterá-los22. Nesse processo de autoconhecimento é fundamental atentar-se aos sentidos, que são canais de percepção e trazem informações sobre “o mundo externo” e sua relação conosco, permitindo filtrar e discernir entre informações sensoriais e avaliações. Entrar em contato com os próprios sentimentos também é fundamental, por serem eles reações emocionais espontâneas e que representam expectativas e interpretações23. O ato de prestar atenção ao próprio comportamento, identificando nossos atos não verbais inconscientes, como o modo de falar e a linguagem corporal, também é de fundamental importância para o autoconhecimento e ampliação da consciência. Certas atitudes podem ser percebidas pelos demais de modo diferente do que a intencionalidade do indivíduo gostaria de expressar e utilizadas com interpretações de conduta, de acordo com o contexto. É possível ampliar a consciência dos próprios atos, e portanto, da nossa ação no mundo, observando o impacto da sua manifestação verbal e não-verbal no outro. Ampliar a autoconsciência não é um processo simples porque é difícil discernir processos internos, cognitivos, sensoriais e emocionais. Contudo, a percepção do complexo exige disponibilidade psíquica e prática frequente. Ter autocontrole significa ter controle emocional sem reprimir as emoções, compreendendo que os pensamentos e atitudes que governam as reações emocionais podem ser modificados em benefício próprio e da coletividade. Até mesmo os pensamentos automáticos podem ser combatidos com o diálogo interno e o redirecionamento da energia emocional em favor próprio e do grupo1,22,23. A automotivação é um fator primordial para maximizar a eficiência profissional. Motivar-se significa utilizar energia psíquica para um propósito específico, mantendo-a persistente até atingir o objetivo almejado. O uso de imagens mentais positivas e pensamentos otimistas, a autocrí- tica construtiva e o estabelecimento de metas contribuem para aumentar a motivação do indivíduo1,22,23. A empatia e as habilidades relacionais são dependentes do uso de habilidades de comunicação11,18,19,20, sendo de grande valor no contexto do trabalho em equipe, conforme já explicitado. A sensibilidade e a escuta dinâmica devem ser ampliadas pelos profissionais, pois são elementos essenciais para o bom relacionamento em equipe. A destreza interpessoal, que é a capacidade para analisar um relacionamento de modo a torná-lo benéfico, produtivo, duradouro e embasado em confiança, também é 64 Inteligência emocional no trabalho em equipe em cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(1):58-65 de fundamental importância para desenvolver e manter bons relacionamentos no contexto do trabalho em equipe. Nesse sentido, a inteligência emocional desempenha papel essencial no desenvolvimento dessa habilidade, uma vez que proporciona a consciência necessária para que o profissional de saúde analise seu comportamento pessoal e social, permitindo maior controle das emoções, tornando a comunicação mais eficiente e produtiva21,22,23. Considerações finais Trabalhar em equipe é complexo porque depende da integração de pessoas que são diferentes, com formação, saberes e experiências distintas. É um processo que se configura de modo contínuo e dinâmico, por meio da construção compartilhada, baseada em erros e acertos, na aprendizagem contínua. Para trabalhar em equipes interdisciplinares e transdisciplinares de cuidados paliativos é indispensável desenvolver a capacidade de gestão das próprias emoções e sentimentos, de forma adaptativa e inteligente. Faz-se necessário despertar essas capacidades cognitivas e utilizá- -las para desenvolver habilidades e competências imprescindíveis no relacionamento interpessoal e na atividade profissional do paliativista. Contudo, uma intensa busca bibliográfica realizada denota a carência da exploração do constructo inteligência emocional no que se refere ao trabalho em equipe em cuidados paliativos, justificando a necessidade desse estudo e de futuras pesquisas sobre o tema. Os poucos estudos avaliados denotam ser o uso de habilidades de comunicação essencial para a gestão emocional dos membros da equipe. Os profissionais atuantes são responsáveis pela prá- tica e pelo aprimoramento contínuo dessas habilidades cognitivas e comunicacionais, assim como os profissionais formadores de futuros paliativistas têm o dever de compartilhar a reflexão com as entidades formadoras, para que adotem em seus projetos pedagógicos os conceitos de integralidade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e trabalho em equipe no contexto da terminalidade. Os processos de ensino-aprendizagem precisam ser direcionados para o desenvolvimento de habilidades não apenas técnicas, mas também relacionais e, sobretudo, para identificar, acolher e atender as necessidades das distintas dimensões do indivíduo em cuidados paliativos. Precocemente em sua formação, o profissional de saú- de precisa aprender a trabalhar em equipe com alunos de diferentes carreiras, debatendo ideias, propósitos e delimitação de tarefas, compartilhando o processo de tomada de decisão e assumindo responsabilidades. A comunicação aberta e a resolução de conflitos devem ser incentivadas e direcionadas pelos supervisores. É essencial que tenham a oportunidade de vivenciar a situação de interdisciplinaridade, de transdisciplinaridade e percebam-se em um mundo complexo, que exige leituras e interpretações de realidade múltiplas nas situações de cuidados paliativos, para que estejam aptos a integrar às suas ações profissionais as opiniões e enfoques de áreas correlatas. Estratégias de comunicação e aptidões cognitivas precisam ser ensinadas e estimuladas. É preciso saber ouvir e respeitar opiniões divergentes, dialogar compartilhando valores, atitudes e julgamentos. Dessa maneira é possível formar equipes verdadeiras e emocionalmente inteligentes. Referências 1. Goleman D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva; 1995. 2. Woyciekoski C, Hutz CS. Inteligência emocional: teoria, pesquisa, medida, aplicações e controvérsias. Psicologia: reflexão e crítica 2008. 22 (1): 1-11. 3. Fernandez-Berrocal P, Extremera N. Emotional intelligence: a theoretical and empirical review of its first 15 years of history. Psicothema 2006.18 (suplemento especial): 7-12. 4. Roberts RD, Flores-Mendonza CE, Nascimento E. Inteligência emocional: um constructo científico? Paidéia 2002. 12 (23): 77-92. 5. World Health Organization (WHO). WHO Definition of Palliative Care [on line]. Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en. 6. Abreu LO, Munari DB, Queiroz ALB, Fernandez CNS. Trabalho de equipe em enfermagem: revisão sistemática da literatura. 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