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As Normas constitucionais programáticas

Por:   •  15/4/2015  •  Pesquisas Acadêmicas  •  6.297 Palavras (26 Páginas)  •  206 Visualizações

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3. As normas constitucionais programáticas 3.1. Conceito, origem e eficácia As normas constitucionais programáticas podem ser definidas, de maneira sintética, como regras constitucionais que buscam conciliar interesses de grupos políticos e sociais antagônicos, apresentando conteú- do econômico-social e função eficacial de programa, obrigando os órgãos públicos, mediante a determinação das diretrizes que estes devem cumprir (PIMENTA, 1999, p. 173). Essas regras apareceram com o surgimento do Estado Social, no período posterior à Primeira Guerra Mundial, notadamente após a crise de 1920. A partir desse período, o Estado passou a intervir de forma constante no domínio econômico, transformando-se no principal protagonista da cena econômica. Defendia-se, como anota acertadamente Edvaldo Brito (1982, p. 19), “em lugar da liberdade que oprimia, a intervenção que libertaria”. Assim, as Constituições passaram a inserir em seus textos direitos econômicos e sociais, em vez de se limitarem à consagração de direitos civis e liberdades polí- ticas. Essa mudança de postura das Cartas Constitucionais importou no aparecimento das normas constitucionais programáticas, na medida em que estas passaram a representar a fórmula aceitável para o reconhecimento, em sede constitucional, de novos direitos, todavia, sem eficácia técnica suficiente. Essa deficiência técnica das normas em epígrafe conduziu a doutrina a uma interessante discussão em torno da sua eficácia. Num primeiro momento, defendia-se que as normas programáticas não passavam de exortações morais, declarações desprovidas de qualquer eficácia. Posteriormente, entretanto, por força da influência da doutrina italiana, preocupada com a existência de um grande número de regras programá- ticas na Constituição italiana de 1947, um novo posicionamento apareceu. Liderados pelo constitucionalista italiano Vezio Crisafulli, uma nova corrente doutrinária surgiu, defendendo a eficácia das normas constitucionais programáticas, recusando a estas o mero rótulo de “conselhos”, “declamações” ou “exortações morais”. Segundo essa corrente, que em estudo anterior denominamos “corrente moderna” (PIMENTA, 1999, p. 150), as normas em estudo são eficazes, contudo, o modo como a eficácia se manifesta é diferente, em relação às demais regras constitucionais. Com efeito, como os âmbitos (elementos) normativos sofrem de uma deficiência, por não estarem devidamente delimitados, existe de fato um obstáculo à aplicabilidade direta e imediata das normas programáticas. Contudo, elas produzem efeitos jurí- dicos, que se espalham por todo o sistema, pelos seguintes motivos: i) estabelecem um vínculo obrigatório para os órgãos públicos; ii) limitam a discricionariedade dos órgãos legislativos; iii) determinam a inconstitucionalidade superveniente das 10 Revista de Informação Legislativa normas infralegais que disponham em sentido contrário; iv) proíbem a edição de normas contrárias; v) servem como elemento de integração dos demais preceitos constitucionais; vi) fixam diretivas para o legislador ordinário; vii) estabelecem diretrizes para a interpretação das fontes infraconstitucionais. Da admissibilidade da eficácia das normas em estudo surge uma outra questão: a definição do tipo de situação jurídica que podem produzir, exame que demanda, necessariamente, uma separação acerca dos tipos de normas programáticas. 3.2. Tipos de normas programáticas As normas constitucionais programá- ticas apresentam conteúdo diversificado, sendo formuladas, ademais, por meio de diferentes tipos de enunciados prescritivos. Por esse motivo, podem ser separadas em quatro tipos (PIMENTA, 1999, p. 142-145). O primeiro tipo consiste nas normas programáticas em sentido estrito, as quais mencionam uma legislação futura para a atuação positiva do programa que veiculam, ou seja, prevêem um programa, exigindo que o legislador o implemente por meio de lei. Como exemplo dessa modalidade, podem-se citar as normas veiculadas pelos arts. 186, 174, §1o , e 173, §4o , da Constituição Federal. De outro lado, existem as normas programáticas meramente definidoras de programas, que estabelecem os programas, entretanto, não mencionam a necessidade de atuação do legislador por meio de lei. Ex: norma veiculada pelo art. 144 da CF. Há, ainda, as normas programáticas enunciativas ou declaratórias de direitos. Essas normas enunciam direitos, geralmente econômicos ou sociais, sem estabelecer a forma em que deverão ser implementados, vinculando, todavia, todos os órgãos pú- blicos à sua observância, mesmo diante da ausência de regulação infraconstitucional. As normas inseridas pelos arts. 6o , 196 e 205 da Carta Magna são típicos exemplos dessa modalidade. Por fim, tem-se as normas programáticas definidoras dos fins organizacionais, econômicos e sociais do Estado, as quais fixam os fins mediante os quais o Estado se organiza, inclusive os de natureza econômica e social. Ex: normas veiculadas pelo art. 170 e 193. Com base nesta separação, pode-se examinar, então, quais são as situações jurídicas produzidas pelas normas em epígrafe. 4. As situações subjetivas geradas pelas normas programáticas A situação jurídica é um conjunto de comportamentos possíveis, ou seja, um feixe de condutas modalizadas pelas normas jurídicas. Há um leque enorme de situações jurídicas que podem ser produzidas pelas normas jurídicas, entre as quais pode-se mencionar as situações de poder, direito subjetivo, dever jurídico, sujeição, etc. As normas constitucionais são eficazes, como salientado anteriormente. No entanto, a eficácia manifesta-se de maneira diversa, em relação às normas de eficácia plena e de aplicabilidade direta e imediata, bem como as normas de eficácia contível. Em qualquer situação, as normas programáticas geram direito subjetivo. Não se deseja aqui ingressar na discussão acerca do conceito de direito subjetivo, eis que escapa ao objeto do presente estudo. No momento, o importante é perceber que a expressão “direito subjetivo” engloba um conjunto grande de posições jurídicas, diversas entre si. Em face da existência dessa diversidade, os direitos subjetivos podem ser separados, segundo a proposta teórica de Robert Alexy (1988, p. 171-185), em direitos a ações negativas (Rechte auf negative Handlungen) e direitos a ações positivas (Rechte auf positive Handlungen). No primeiro grupo (direitos de defesa), identificam-se três espécies: i) direitos ao não embaraço de ações; ii) direitos à não afetação de características e situações; iii) direitos à não eliminação de posições jurídicas. No âmbito dos direitos a ações positivas, duas modalidades de-Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 11 vem ser identificadas: direitos cujo objeto é uma ação fática (faktische Handlung) ou a uma ação normativa (normative Handlung) (ALEXY, 1988, p.179). O direito a uma prestação fática consiste no direito de exigir do Estado a adoção de providências materiais, ou seja, de prestações fáticas, através de diversos meios. Alexy (1988, p. 174-181) exemplifica tal situação, citando o direito de um proprietário de escola privada a um auxílio estatal por meio de subvenções, o direito a um mínimo existencial e a pretensão individual do cidadão à criação de vagas nas universidades. A satisfação desses direitos requer a utilização de alguma forma jurídica, no entanto, essa não é relevante. O importante é que, após a adoção de alguma providência estatal, o direito possa ser desfrutado pelo seu titular. A irrelevância da forma jurídica utilizada na realização da conduta estatal para a satisfação do direito, segundo Alexy (1988, p. 180), é o critério diferenciador dessa modalidade de direito subjetivo do direito a ações positivas normativas. O direito a uma ação normativa (normative Handlung), por sua vez, exige, para a sua satisfação, a produção de atos estatais de criação de normas (ALEXY, 1988, p.180) jurídicas. Vale dizer, em tais situações, o Estado deve atuar, elaborando normas gerais ou individuais. Com base nessa separação, evidencia-se que as normas programáticas criam para o particular o direito a algo, ou seja, direito a prestações positivas por parte do Estado, as quais podem consistir em prestações fáticas ou normativas. As normas programáticas em sentido estrito estabelecem programas, exigindo que o legislador os implemente por meio de lei, vale reafirmar. Sendo assim, criam para os seus destinatários direito subjetivo a prestações normativas, pois normas gerais deverão ser veiculadas por meio de lei para que o direito seja satisfeito. As normas programáticas, meramente definidoras de programas, não estabelecem a necessidade de atuação legislativa para a realização do programa. Contudo, isso não impede a adoção de providências normativas. Logo, dependendo da situação, essas normas poderão gerar direitos a prestações fáticas ou normativas. Por outro lado, as normas programá- ticas enunciativas ou declaratórias de direitos veiculam os chamados direitos fundamentais sociais. Essa modalidade de direito fundamental pode ser satisfeita por meio de prestações normativas ou fáticas. Tudo vai depender da estrutura do enunciado prescritivo que o veicule. Isso porque alguns direitos sociais são extremamente complexos, exigindo para a sua satisfação a realização de um leque grande de ações estatais, que podem ir desde prestações em dinheiro até a elaboração de normas gerais. Por fim, deve-se examinar as situações jurídicas geradas pelas normas programá- ticas definidoras dos fins organizacionais, econômicos e sociais do Estado. Tais normas prevêm as finalidades pelas quais o Estado se organiza. Assim, estabelecem os objetivos que devem ser perseguidos pelo Estado. Logo, são normas que estabelecem um direito a uma prestação estatal, direito a algo (Rechte auf etwas), na feliz expressão de Robert Alexy (1988, p. 181). Tais direitos, como defende o festejado publicista alemão, são relações triádicas entre um titular de um direito fundamental, o Estado e uma ação estatal positiva (ALEXY, 1988, p. 406). Para o alcance da finalidade prevista em tais normas programáticas, o Estado deve adotar uma série de condutas, tanto de ordem material quanto normativa. Assim, por exemplo, para realizar o direito subjetivo veiculado pelo art. 170, V, da CF, promulgou-se o Código de Defesa do Consumidor e uma série grande de normas legislativas. De outro lado, para satisfazer o direito previsto no art. 170, VI (defesa do meio ambiente), exige-se do Estado condutas normativas e prestações materiais. Disso se infere que as normas em estudo poderão veicular tanto direitos a prestações fáticas quanto direitos a ações normativas.12 Revista de Informação Legislativa Do exposto, pode-se concluir que todas as normas programáticas geram direitos subjetivos a prestações positivas (Rechte auf positive Handlungen), variando o tipo de direito conforme a modalidade da norma programática. Por conseguinte, a realização desses direitos subjetivos poderá importar em custos financeiros pelo Estado. Como há uma limitação dos recursos financeiros disponíveis pelo Estado, existe uma necessidade de tentar encontrar uma fórmula para solucionar esse problema. 5. A reserva do possível A satisfação dos direitos subjetivos a prestações fáticas, inclusive aqueles veiculados pelas normas programáticas, exige a realização de despesas pelo Estado. Portanto, a implementação desses direitos importa em custos para o ente público. Isso não quer dizer que os direitos a prestações negativas (direitos de defesa) não importem também em despesas. O que se deseja acentuar é que os direitos a prestações positivas apresentam uma maior relevância econômica, pois a satisfação não pode ocorrer sem que para isso se aloquem recursos financeiros. Assim, existem limites de duas naturezas para o Estado dispor das prestações reconhecidas pelas normas constitucionais que outorgam esse tipo de direito: a) limite fático, que se relaciona à disponibilidade efetiva de recursos; b) limite jurídico, pois há um limitado poder do estado em dispor do objeto do direito reconhecido (SARLET; FIGUEREDO, 2010, p. 28-29). Como exemplo dessa segunda modalidade, pode-se citar a impossibilidade de determinado ente em realizar determinada conduta, por esta não se enquadrar no âmbito de suas competências constitucionais. Baseando-se na constatação da existência de limites financeiro-orçamentários, surgiu na Alemanha, no início dos anos de 1970, determinada construção teórica: a reserva do possível (Der Vorbehalt des Möglichen). Essa teoria apareceu em um julgamento do primeiro Senado do Bundesverfassungsgericht, ocorrido em 18 de julho de 1972, intitulado caso “numerus clausus”, realizado em sede de controle de constitucionalidade das leis, que tinha por objeto legislações sobre limitação ao acesso à Faculdade de Medicina das Universidades de Hamburgo e da Bavária, promulgadas, respectivamente, em 1969 e 1970 (GRIMM; KIRCHHOF; EICHBERGER, 2007, p. 282-297). A lei da Universidade de Hamburgo estabelecia, em seu §17, I, que o acesso para algumas Faculdades poderia ser limitado, se e enquanto fosse necessário à capacidade de absorção da Universidade, a fim de garantir corretamente o estudo na respectiva área de especialidade. Previa, também, que as limitações ao acesso à Universidade poderiam ser regulamentadas por meios de regulamentos de admissão, nos quais poderiam ser encontrados também determinações sobre a escolha e o número de candidatos admitidos. Tais regulamentos seriam concluídos pelo Conselho (Senado) Acadêmico, depois da oitiva das áreas de especialidades afetadas. Com base nesse dispositivo legal, o Conselho Acadêmico estabeleceu, então, regulamentos de admissão para o semestre de verão de 1970 prevendo que 60% das vagas seriam preenchidas pelo critério do desempenho e 40% pelo princípio anual. Pelo primeiro critério, seriam consideradas basicamente as notas do certificado de matrícula; enquanto pelo segundo seriam admitidos os candidatos que tivessem prestado serviço militar ou serviço comunitário (GRIMM; KIRCHHOF; EICHBERGER, 2007, p. 283- 284). A lei do Estado da Bavária, por sua vez, promulgada em 8 de julho de 1970, prescrevia que a admissão à Universidade seria limitada com base no critério da necessidade de conservação de um determinado estabelecimento de ensino, em termos de capacidade de absorção da Instituição Superior. Além disso, a lei previa critérios para a alocação de vagas e continha, inclusi-Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 13 ve, uma autorização para a regulamentação para o Ministério da Cultura da Bavária implementar essas especificações. A Corte observou, inicialmente, que o art. 12, inciso I, da Grundgesetz, que consagra a liberdade de profissão, assegura aos indivíduos um direito de defesa contra limitações para o sistema educacional. Todavia, não se trata apenas de uma função de proteção contra intervenções do poder público, pois também existe no Estado moderno uma exigência complementar dos direitos fundamentais em assegurar uma participação em prestações estatais. Concluiu-se que o art. 12, I, combinado com o art. 3, I, da GG e o mandamento do Estado Social assegurariam ao cidadão um direito subjetivo ao preenchimento dos pressupostos subjetivos à admissão da Faculdade da sua escolha. Esse direito de acesso seria limitado (GRIMM; KIRCHHOF; EICHBERGER, 2007, p. 287) Enquanto direito de participação, não se restringiria aos existentes, contudo, submeter-se-ia à reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen), no sentido do que o indivíduo pode exigir razoavelmente da sociedade. É o legislador quem tem a responsabilidade em primeira linha de realizar esse julgamento, o qual, por meio do seu orçamento econômico, também considera outras preocupações da comunidade e, conforme o dispositivo expressamente no art. 109, II, da GG, tem que corresponder às necessidades de cálculo do equilíbrio geral econômico. Nesta passagem do julgado reside o núcleo da teoria em pauta, a qual reconhece a existência de limitações orçamentárias à realização das pretensões asseguradas por dispositivos constitucionais, admitindo que cabe ao legislador realizar a escolha das prioridades, eis que detém competência constitucional para elaborar o orçamento, estando adstrito ao cumprimento de determinadas regras constitucionais ao realizar essa tarefa. Por isso, o indivíduo só pode exigir o que a sociedade lhe pode oferecer em condições razoáveis. Destarte, nasceu a teoria da reserva do possível, ratificada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão em julgados posteriores, a qual corresponde à ideia de que a efetivação de direitos constitucionais sociais submete-se à reserva da capacidade financeira do Estado, pois depende de prestações financiadas pelos cofres públicos. Essa disponibilidade financeira deve ser avaliada pelo Poder Legislativo, pois é o órgão que detém competência constitucional para elaborar o orçamento público. É ele quem decide, assim, o que corresponde a uma exigência razoável, suscetível de ser atendida pelo orçamento. Sendo assim, consoante concluem Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo (2010, p. 30), a reserva do possível apresenta uma tríplice dimensão, pois alcança a efetiva disponibilidade fática dos recursos financeiros necessários à efetivação de direitos fundamentais, a disponibilidade jurídica dos recursos humanos e materiais – que se refere à distribuição de receitas, competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas – e a proporcionalidade e a razoabilidade da prestação postulada pelo cidadão. Trata-se, em outras palavras, de um limite jurídico e fático à efetivação dos direitos fundamentais, inclusive daqueles assegurados por normas constitucionais programáticas. Vale dizer, em determinadas situações, a eficácia dessas normas pode vir a sofrer uma restrição, decorrente da falta de recursos financeiros estatais, para realizar determinada providência material. Isso significa que a efetivação de direitos assegurados pelas normas em epígrafe pode colidir com princípios constitucionais orçamentários. Assim sendo, não há como negar que o único caminho existente para resolver esse problema é defender a aplica- ção da ponderação, do sopesamento entre princípios, como defende Alexy (1988, p. 465): “a questão acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivíduo14 Revista de Informação Legislativa definitivamente tem é uma questão de ponderação entre princípios. De um lado está, sobretudo, o princí- pio da liberdade fática. Do outro lado estão os princípios formais da competência decisória do legislador democraticamente legitimado e o princípio da separação de poderes, além de princípios materiais, que dizem respeito sobretudo à liberdade jurídica de terceiros, mas também a outros direitos fundamentais sociais e a interesses coletivos”. Ao analisar o tema, Cristina Queiroz, Professora da Universidade Autônoma de Lisboa, extrai idêntica conclusão, ao afirmar que a reserva do possível não significa ineficácia dos direitos fundamentais sociais. A cláusula, segundo ela, “expressa unicamente a necessidade de sua ponderação” (QUEIROZ, 2005, p. 211). Destarte, a reserva do possível não importa em esvaziamento da eficácia das normas programáticas ou até mesmo em reconhecimento da sua ineficácia. De forma alguma. O significado dessa construção jurisprudencial é que os direitos estabelecidos pelas normas em estudo são direitos prima facie, razão pela qual estão submetidos a uma necessidade de ponderação (ALEXY, 1988, p. 468-469). Logo, em determinados casos poderá ter um peso maior um princípio orçamentário, em detrimento de um direito fundamentado em um princípio veiculado pelas normas programáticas. Noutros, uma situação inversa poderá ocorrer, com a prevalência do princípio consagrado pelas normas em pauta. A atribuição de um maior peso ao direito decorrente de um princípio consagrado por uma norma constitucional programá- tica deverá ocorrer quando se tratar de direitos fundamentais sociais mínimos (minimale soziale Grundrechte), ou seja, direito à moradia, educação fundamental, patamar mínimo de assistência médica, enfim, a um padrão mínimo de sobrevivência (ALEXY, 1988, p. 466). Em tais casos, o cidadão terá um direito definitivo à prestação, pois o princípio da liberdade fática terá um peso maior do que os demais princípios constitucionais formais e materiais colidentes, como defende Alexy (1988, p. 470). Por essa razão, Ricardo Lobo Torres (2010, p. 74) conclui que “a proteção positiva do mínimo existencial não se encontra sob a reserva do possível, pois a sua fruição não depende do orçamento nem de políticas públicas, ao contrário do que acontece com os direitos sociais”. Em outras palavras, em tais situações a eficácia da norma programática que veicular um direito com essa qualidade não poderá ser afastada por razões financeiras. A reserva do possível terá, portanto, um peso menor, que impossibilita a sua aplicação. Calha aqui a observação de Alexy (1988): “a força do princípio da competência orçamentária do legislador não é ilimitada. Ele não é um princípio absoluto”. Do exposto, pode-se inferir que haverá dificuldades na sindicabilidade (justiciabilidade) dos direitos em estudo; contudo, isso não pode ser razão suficiente para se defender a impossibilidade do controle jurisdicional em face desse tipo de situação. Dificuldades também existem para o exercício da função jurisdicional em inúmeras situações; no entanto, os obstáculos não podem representar óbice à sindicabilidade. Convém observar, no entanto, que, diante do caso concreto, quando o Poder Público alegar a inexistência de recursos financeiros para a efetivação de determinado direito previsto em norma programática, postulando, portanto, a aplicação da reserva do possível, deverá fazer prova da alegação. A teoria não pode ser utilizada como mero pretexto para se esvaziar a eficácia das normas constitucionais programáticas. Alegação de falta de recursos desacompanhada de prova não possibilita a aplicação da reserva do possível. Parece-nos, pois, que, ao examinar determinada pretensão deduzida em Juízo de efetivação de um direito que irá importar Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 15 em custos financeiros para o Poder Público, deve o Poder Judiciário atuar com a máxima cautela, pois não detém conhecimento sobre as possibilidades financeiras do Estado em efetivá-la, no plano fático. Assim, deve observar, inicialmente, a razoabilidade e a proporcionalidade da pretensão. Não é razoável, por exemplo, postular-se judicialmente a construção de uma escola para se assegurar a determinado cidadão o direito à educação, previsto na Constitucional. Nesse caso, seria mais razoável postular a obtenção de vaga em uma escola pública já existente. Em segundo lugar, o Judiciário deve verificar se a providência material postulada se insere no âmbito das competências do ente público que vier a figurar como réu na demanda. Não se pode, por exemplo, exigir de um Município a realização de uma prestação de competência da União. Por fim, deve realizar a ponderação, caso o Poder Público tenha alegado a aplicação da reserva do possível. Aqui entra a investigação do tipo de direito fundamental demandado, pois, se este se enquadrar na classe dos direitos sociais mínimos, terá maior peso o princípio que o consagra do que princípios financeiro-orçamentários. O problema da efetivação das normas programáticas pelo Poder Judiciário, portanto, é bastante complexo, exigindo um procedimento racional, orientado pela fórmula da ponderação (Abwägung). 6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal O primeiro precedente importante do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em pauta foi uma decisão monocrática proferida, em 31 de janeiro de 1997, pelo Ministro Celso de Mello, que, no exercício da Presidência, indeferiu pedido de suspensão de medida liminar concedida por Juiz de Direito, que havia determinado ao Estado de Santa Catarina o custeio de tratamento de saúde de um menor portador de doença rara, denominada Distrofia Muscular de Duchenel. O Ministro prolator da Decisão afirmou que “a imprescindibilidade da medida cautelar concedida pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (necessidade de transplante das células mioblásticas, que constitui o único meio capaz de salvar a vida do paciente) e a impostergabilidade do cumprimento do dever político- -constitucional que se impõe ao Poder Público, em todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde (CF, art. 196) e de dispensar especial tutela à criança e ao adolescente (CF, art. 6o , c/c art. 227, §1o ) constituem fatores que, associados a um imperativo de solidariedade humana, desautorizam o deferimento do pedido formulado pelo Estado de Santa Catarina” (STF, Pet 1246 MC/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 13/02/1997). Após reconhecer a eficácia da norma que consagra o direito à saúde, o Ministro realizou uma ponderação, afastando o argumento de impossibilidade de cumprimento da decisão em face do ônus financeiro que iria causar ao Poder Público, verbis: “Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5o , caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida” (STF, Pet 1246 MC/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 13/02/1997). Posteriormente, ao apreciar pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo, fundamentado no não pagamento de precatórios, a Corte rejeitou esse pedido, 16 Revista de Informação Legislativa por entender que não observava o princípio da proporcionalidade. Com base na doutrina de Robert Alexy (1988), realizou uma ponderação entre princípios (STF, IF no 470-5, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 20/06/2003). O aspecto mais importante dessa decisão é a referência expressa contida no voto do Relator ao caso “numerus clausus” do Bundesverfassungsgericht, acima mencionado. Pela primeira vez o Tribunal enfrentou expressamente o tema objeto desse precedente da Corte alemã, para concluir que o Estado estaria submetido à “reserva do financeiramente possível”, existindo “um quadro de impossibilidade financeira quanto ao pagamento integral e imediato dos precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia” (STF, IF no 470-5, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 20/06/2003). Rejeitou-se, então, o pedido de intervenção, por entender que não havia recursos financeiros disponíveis para o Estado realizar o pagamento em dia dos precatórios de caráter alimentar. Destarte, afastou-se a aplicação dos princípios relativos ao pagamento dos precatórios, dando-se prioridade à limitação financeiro- -orçamentária do Estado. Em abril de 2004, ocorreu um dos mais importantes julgamentos sobre o tema em estudo. O caso versava sobre uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADF) no 45, ajuizada contra o veto do Presidente da República sobre o §2o do art. 55 da Lei de Diretrizes Orçamentárias. O autor da ação alegava que o veto presidencial havia importado em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços de saúde. Posteriormente, o Presidente da República remeteu ao Congresso Nacional projeto de lei que restaurou em sua integralidade o dispositivo vetado. Por esse motivo, a ADPF foi julgada prejudicada, todavia, o voto do Ministro Relator examinou importantes aspectos relativos ao tema em epígrafe. Em primeiro lugar, ressaltou-se a atribuição do STF para efetivar os direitos econômicos, sociais e culturais, sob pena de violação positiva ou negativa da Constituição. Além disso, reconheceu-se que a Suprema Corte não tem atribuição para formular e implementar políticas públicas; todavia, em caráter excepcional, tal atribuição poderá ser exercida pelo Poder Judiciário, em face do descumprimento dos encargos políticos-jurídicos dos órgãos competentes que importe em comprometimento da eficácia dos direitos individuais e/ou coletivos de estatura constitucional. A Corte assinalou, ainda, que “o caráter pragmático das regras inscritas no texto da Carta Política ‘não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado’” (STF, Informativo 345, 2004). Nessa passagem do voto do Ministro Relator, está consagrado, portanto, o reconhecimento, de forma expressa, da eficácia das normas constitucionais programáticas, na linha do que defende a moderna doutrina sobre a matéria. Finalmente, a decisão apresenta, ainda, a análise da “reserva do possível”. O Tribunal admitiu que a realização de direitos econômicos, sociais e culturais depende, em grande medida, de um vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado. Sendo assim, a limitação de recursos deverá ser levada em consideração pelo intérprete ao examinar se algum bem jurídico pode ser exigido na via judicial. No entanto, as prestações que compõem o mínimo existencial não poderiam ser afetadas pela limitação financeiro-orçamentária. Por fim, concluiu-se que Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 17 “os condicionamentos impostos, pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa –, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas” (STF, Informativo 345, 2004). A análise desse julgado demonstra que o Tribunal nele estabeleceu premissas necessárias à efetivação dos direitos previstos pelas normas constitucionais programáticas, entre os quais se inclui a necessidade de observância do condicionamento imposto pela reserva do possível, cujo conteúdo, inclusive, foi definido. Esse entendimento acerca da efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais foi ratificado pelo Pretório Excelso no final do ano de 2005, em decisão que envolvia o direito de educação, relatada pelo Ministro Celso de Mello. Neste caso, o Ministério Público do Estado de São Paulo havia ingressado com uma Ação Civil Pública contra o Município de Santo André para obrigar o ente público, com base no art. 208, IV, da CF, a providenciar vaga a criança em creches e pré-escolas próximas de sua residência. O juiz de direito deferiu o pedido, obrigando o Município ao cumprimento do mandamento constitucional. Inconformado, o réu apelou da decisão, obtendo êxito no Tribunal de Justiça de São Paulo, que desobrigou, então, o Poder Público do cumprimento do direito reconhecido pela Constituição Federal. O Ministério Público, então, interpôs Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal. No julgamento dessa matéria, o Pretório Excelso admitiu que a educação infantil é um direito fundamental de toda criança, consagrado em sede constitucional, que não se submete à avaliação meramente discricionária da Administração Pública para ser implementado. Vale dizer, foi reconhecida a eficácia da norma do art. 208, IV, do Texto Magno. Mais uma vez foi reconhecida a competência do Poder Judiciário para determinar a implementação de políticas públicas, em face da omissão do Poder Pú- blico capaz de comprometer a eficácia dos direitos sociais e culturais consagrados pela Constituição Federal (STF, RE no 410715, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/2006.). O tema da reserva do possível também foi examinado. A Corte reconheceu, no voto do Ministro Relator, que a implementação dos direitos econômicos e sociais depende da realização de prestações positivas pelo Estado, que importam em custos financeiros. Por isso, a realização desses direitos é gradual, em face do inescapável vínculo financeiro existente com as possibilidades orçamentárias do Estado. No entanto, não pode o Poder Público manipular a sua atividade financeira para criar um obstáculo à efetivação desses direitos fundamentais. Em julgados posteriores, que também versavam sobre o direito à educação, a Corte reafirmou esse posicionamento.1 O ministro Relator esclareceu, ainda, em seu voto, que “ao Poder Judiciário cabe fazer valer, no conflito de interesses, a lei e a Carta Federal. Deficiência orçamentária não tem o efeito de projetar no tempo e, conforme a política em curso, indefinidamente o cumprimento de preceitos constitucionais de importância ímpar, no que voltados à educação”. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3.768, o Pretório Excelso voltou a enfrentar o problema da reserva do possível. O objeto dessa ADIN era o art. 39 da Lei no 10.741, de 01/10/2003, denominada Estatuto do Idoso, que assegura gratuidade dos transportes públicos 1 STF, AG. REG. no AI No 455.802, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/08/2007; AG. REG. no RE 411. 518, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26/04/2007; AG. REG. no RE no 401.673, DJ 17/08/2007. 18 Revista de Informação Legislativa urbanos e semiurbanos aos que têm mais de 65 (sessenta e cinco) anos. O Tribunal reconheceu a eficácia plena do art. 230, §2o , da Constituição Federal, que teria sido reproduzida pela norma impugnada pela ação em tela. A Corte afirmou que “a gratuidade do transporte coletivo representa uma condição mínima de mobilidade, a favorecer a participa- ção dos idosos na comunidade, assim como inviabiliza a concretização de sua dignidade e de seu bem-estar, não se compadece com condicionamento posto pelo princípio da reserva do possível” (STF, ADIN no 3.768, Rel. Min Carmen Lúcia, DJ 26/10/2007). Em outras palavras, reafirmou-se que o direito que integra o mínimo existencial não está submetido à reserva do possível. O tema da efetivação do direito à saúde retornou à pauta do Pretório Excelso em 2010, no julgamento do agravo regimental na suspensão de liminar. O Tribunal reconheceu que todas as dimensões do direito em exame demandam o emprego de recursos públicos, envolvendo, pois, questões relacionadas aos limites financeiro- -orçamentários. Para solucionar o problema de compatilização da efetivação do direito com a reserva do possível, defendeu-se que “problemas concretos deverão ser resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação são inevitáveis neste contexto prenhe de complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos” (STF, Ag. Reg. na suspensão de liminar 47, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 30/04/2010). Evidencia- se, assim, que a Corte optou pela ponderação como a única fórmula possível para solucionar a tensão entre a efetivação de um direito social e a limitação financeiro-orçamentária. No julgamento do Recurso Extraordinário no 482.611, o Pretório Excelso voltou a se manifestar sobre o tema em estudo. O caso versava sobre o descumprimento, pelo Município de Florianópolis, do Programa Social denominado Programa-sentinela, destinado à proteção de adolescentes vítimas de abuso e/ou de exploração sexual. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina havia decidido que a Administração Pública teria discricionariedade na adoção de políticas sociais derivadas de normas programáticas. O Ministério Público Estadual, então, recorreu dessa decisão para o Supremo Tribunal Federal, por meio da via do recurso extraordinário. Ao examinar o pleito do Parquet, a Corte entendeu que existiria uma omissão inconstitucional do Poder Público no adimplemento de um dever imposto pela Constituição Federal (art. 227), em norma programática, de forma cogente. Ademais, afirmou-se que a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada, quando da sua aplicação puder resultar comprometimento dos direitos que integram o mínimo existencial (STF, Informativo 581, 2010). A Corte reafirmou, mais uma vez, o seu entendimento acerca da sindicabilidade das políticas públicas e reconheceu a eficácia das normas constitucionais programáticas, admitindo que a Administração tem uma margem mínima de discricionariedade em face dessa classe de normas. Outrossim, sustentou a existência de um direito subjetivo à legislação, que decorreria da imposição do texto constitucional de dever estatal de emanar normas legais. Assim, tal dever está diretamente relacionado à classe das normas programáticas que denominamos “normas programáticas em sentido estrito”. Em suma, a jurisprudência do Tribunal sobre tais normas e a reserva do possível foi ratificada, inclusive no que se refere ao mínimo existencial, que não pode ser alcançado por restrições financeiro- -orçamentárias. Posteriormente, em abril de 2010, nova decisão sobre o direito à saúde foi proferida pela Corte Excelsa (STF, Informativo 582, 2010), que manteve sua jurisprudência Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 19 acerca do tema em epígrafe, cuja origem foi a decisão proferida na Petição no 1.246, mencionada anteriormente. O Tribunal mais uma vez proclamou o irrecusável valor constitucional do direito à saúde, afirmando que o programa previsto em norma constitucional que dispõe sobre o assunto deve necessariamente ser implementado mediante a adoção de políticas públicas responsáveis. Foi reconhecida, ainda, a intangibilidade do mínimo existencial em face da cláusula da reserva do possível. A Corte reconheceu que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais é gradual, estando subordinada às possibilidades orçamentárias do Estado. Diante do conflito entre o interesse financeiro e secundário do Poder Público e o direito à saúde, este foi priorizado. Vale dizer, realizou-se uma ponderação, que constitui o método adequado à solução do problema. Além disso, outros dois pontos foram examinados pelo Tribunal: o direito à legislação, cuja solução foi idêntica à manifestada por ocasião do julgamento do RE 482.611, e o princípio da proibição do retrocesso, que impede, no âmbito dos direitos fundamentais sociais, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. Desse modo, neste julgamento a Corte não se afastou do seu entendimento já consagrado sobre o tema em análise. No corrente ano, veio a lume uma nova decisão sobre a educação infantil (STF, Informativo, 632, 2011). Ao julgar o ARE no 639337, a Corte ratificou a sua jurisprudência sobre a matéria, enfatizando os seguintes pontos: a) reconhecimento da fundamentalidade do direito à educação infantil (CF, art. 208, IV); b) admissão da competência excepcional do Poder Judiciário para determinar a implementação de políticas públicas, em face de inércia do Poder Público em cumprir uma norma constitucional programática; c) impossibilidade de alegação pelo Estado da cláusula da reserva do possível para se esquivar do cumprimento de um dever constitucional; d) uma vez comprovada a incapacidade econômico-financeira do ente estatal, deste não se poderá exigir razoavelmente a imediata efetivação do comando veiculado por uma norma constitucional. Com base nesses fundamentos, o Tribunal determinou que o Município de São Paulo observasse os direitos das crianças, viabilizando em favor destas a matrícula em unidades de educação infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus representantes legais. Com base na análise desses julgados, pode-se extrair as seguintes conclusões sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: a) reconhecimento da eficácia das normas programáticas que veiculam programas, vinculando-os ou não ao princípio da legalidade; b) admissão da competência do Poder Judiciário para determinar ao Poder Público, omisso no cumprimento de um dever constitucional, a implementação de um direito fundamental social; c) reconhecimento de que a efetivação desses direitos depende de possibilidades econômico- -financeiras do Estado; d) a incapacidade financeira do Estado poderá impossibilitar a efetivação imediata desses direitos; e) essa incapacidade deve ser comprovada, não podendo o Poder Público utilizar esse argumento como forma dolosa de não implementar os direitos sociais; f) possibilidade de ponderação entre o direito social e princípios orçamentários que impedem a sua implementação no caso concreto; g) garantia do mínimo existencial não pode ser afastada por limitações financeiro- -orçamentárias do ente público. 7. Conclusões I – As normas constitucionais programáticas são eficazes, no entanto, a eficácia manifesta-se neste caso de modo diferente, em relação às demais normas constitucionais; II – As normas constitucionais programáticas geram direito subjetivo para o administrado;20 Revista de Informação Legislativa III – A teoria da reserva do possível corresponde à ideia de que a efetivação de direitos constitucionais sociais submete-se à reserva da capacidade financeira do Estado, pois depende de prestações financiadas pelos cofres públicos. Essa disponibilidade financeira deve ser avaliada pelo Poder Legislativo, pois é o órgão que detém competência constitucional para elaborar o orçamento público; IV – A reserva do possível não importa em esvaziamento da eficácia das normas programáticas, ou até mesmo em reconhecimento da sua ineficácia. De forma alguma. O significado dessa construção jurisprudencial é que os direitos estabelecidos pelas normas em estudo são direitos prima facie, razão pela qual estão submetidos a uma necessidade de ponderação. Logo, em determinados casos poderá ter um peso maior um princípio orçamentário, em detrimento de um direito fundamentado em um princí- pio veiculado pelas normas programáticas; V – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal posiciona-se da seguinte forma acerca da efetivação dos direitos fundamentais sociais consagrados pelas normas programáticas: a) reconhecimento da eficácia das normas programáticas; b) admissão da competência excepcional do Poder Judiciário para determinar a implementação de um direito fundamental social; c) reconhecimento de que a efetivação desses direitos depende de possibilidades econômico-financeiras do Estado; d) possibilidade de ponderação entre o direito social e princípios orçamentários que impedem a sua implementação no caso concreto; e) reconhecimento de que a garantia do mínimo existencial não pode ser afastada por limitações financeiro-orçamentárias do ente público.

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