TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

VALLEY, MICHEL. ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE O TERMO RESPONSÁVEL.

Por:   •  15/10/2015  •  Resenha  •  2.512 Palavras (11 Páginas)  •  283 Visualizações

Página 1 de 11

ESBOÇO HISTÓRICO O SOBRE O TERMO RESPONSÁVEL (1977)

[Michel Valley]

  • A polissemia do termo “responsável” é o resultado de sua evolução. Para melhor esboçar a história deste termo, será necessário: distinguir as variadas camadas sucessivas de sentidos acumulados; revelar suas diversas estruturas semânticas (o componente do sentido das palavras) ou os diversos sistemas de pensamentos.
  • A hipótese utilizada será a mesma usada em outros termos da linguagem do direito:
  • na linguagem romana, identificar um sentido especificamente jurídico;
  • demonstrar como o termo, após cair no uso comum, teve seu sentido alterado;
  • demonstrar como os dois sentidos resultaram em uma associação confusa.
  • SENTIDO JURÍDICO DO TERMO:
  • Etimologias: O termo “responsabilidade” não existe no direito romano e não aparece nas línguas europeias antes do século XVIII. O uso efetivo começa no século seguinte. Porém, “responsável” encontra-se presente após o século XIII no direito erudito; torna-se corrente sob o Antigo Regime, por intermédio de responsum, derivado de respondere.

 [pic 1]

[pic 2]

  • “responder” – ideia de se colocar como garantia do desenrolar dos fatos vindouros (conceito presente ainda no século XIII).
  • respondere, em um sentido amplo, corresponde a responder a não importa que sorte de questão ao longo de um diálogo. Por exemplo, o jurista romano que respondia a quem o consultava ou quando respondemos a uma exigência. Demanda-se a um devedor de respondere creditoribus (bastante utilizado no direito romano). “estar obrigado a cumprir uma obrigação”, ou seja, desempenhando o papel de réu, é a situação daqueles que deverão “responder à justiça”. Entretanto, tradicionalmente, “o menor, destaca Loisel, não possui voz, nem responde à corte”.
  • responsabilis (“responsável”) surge nos dicionários apenas na Idade Média. “responsabilidade” tem seu primeiro emprego encontrado por Henriot registrado em uma fórmula de Necker: “A confiança neste papel nasce da responsabilidade do governo” (O valor de um título é acrescido pela garantia que lhe empresta o governo, ou seja, pode-se exigi-lo perante o Estado).
  • Originalmente, responder ou ser responsável não implicava culpa ou o fato do sujeito submetido. Ex:
  1. Não era por culpa sua que Chrysale cria poder “responder” por casar sua filha com Clitandre.
  2. Nenhum ato culposo é pressuposto para que o devedor romano deva “responder aos credores” ou o possuidor de boa-fé em razão de certos frutos produzidos pela coisa.
  3. O senhor decano Carbonnier é o “responsável” pelo doutorado em sociologia jurídica, o que o obriga a trabalhar de graça.
  • Portanto, existe um primeiro grupo de sentidos do termo “responsável” (oriundos da linguagem romana) distante da proposta do texto, porém essenciais às necessidades do direito.
  • Na tradição jurídica romana, existia um sistema de reparação ou repressão de ilícitos civis ou penais, ou seja, os “responsáveis” por certos danos. Apesar disso, essa máxima de que cada um deverá reparar o dano produzido por sua culpa não tem origem no direito romano, por tanto, não consta no Corpus Iuris Civilis. O termo “responsável” não existe no direito romano. Entretanto, no livro Primeiro do Digesto existe uma definição de “justiça”, da qual o contrário é a “injustiça”.
  • O Leit-motiv do regime romano de reparação dos danos não é a culpa, mas a defesa de uma justa repartição de bens entre as famílias, de um justo equilíbrio (suum cuique tribuere  aequabilitas) - modelo atualmente considerado por muitos como vazio e tautológico.
  • A quebra nesse equilíbrio (prejuízo contrário ao direito e à justiça – damnum injuria datum) origina a “justiça” dita “corretiva” para reduzir o desequilíbrio.
  • Quando algo é furtado, o termo furtum não significa o ato culpável do ladrão, mas na origem da coisa furtada.
  • Pouco importa se a desordem a corrigir seja ou não precedida de uma culpa.
  • Capítulo possivelmente inspirado na filosofia de Aristóteles: não há diferença essencial entre alguém levar meu carro em razão de um contrato de comodato ou por engano ou com a intenção de furtá-lo. A obrigação nasce re, segundo as Institutas, tanto no caso do delito como no caso do contrato real (Inst. IV, pr.). Ela tem como causa um estado de coisas objetivo, ou seja, a perturbação da ordem, que há de se restabelecer.
  • Nos direitos antigos, a culpa ocupava um lugar de destaque em certas questões criminais.
  • O direito criminal cuida estritamente de crimes. Nunca uma culpa voluntária. De modo geral, era considerada a intenção dos criminosos na medida da pena.
  • A perturbação e o desequilíbrio que existiam eram da ordem natural, o pecado que provocava a ira dos deuses.
  • A culpa originou a vingança privada, da qual o sistema romano de delitos foi o substituto. A justiça criminal tem como parte aprovar a lei moral (Nulla poena sine culpa), apesar de outras análises sobre o papel da pena tivessem sido propostas no mundo greco-romano.
  • A classificação das culpas surgiu no direito romano no tópico de responsabilidade atualmente dita contratual, onde o devedor tinha o compromisso de cumprir sua obrigação de “boa-fé” – prestare fidem. Era um laço firmado estabelecido com a moral.
  • As obrigações originadas pela bona fides era estimadas pela ciência jurídica romana, que distinguia a culpa grave ou mais leve, ou de simples negligência, que o devedor deveria responder. Onde a boa-fé tivesse sido prometida, o direito considerava as intenções subjetivas do devedor.
  • A culpa entra para a reparação denominada atualmente civil, do dano injusto (damnum iniuria datum), regida pela lei Aquilia. Nela o termo iniuria não envolve a culpa subjetiva e sim o fato objetivo, ou seja, o atentado ou a lesão ao direito de outrem.
  • Ocorre uma mudança então. No Digesto, surge a frase In Iege Aquilia culpa levíssima venit (“No caso da lei Aquilia, se for necessário estabelecer a existência de culpa, é suficiente que seja mínima”). O autor demonstra que teve a intenção de comparar a responsabilidade que nasce de um contrato (no qual o direito distinguia entre as gravidades das culpas) e a situação do autor de um damnum iniuria datum (onde essas dintinções não têm curso). Entretanto as ações de direito civil penais têm em sua origem uma culpa.
  • A noção de culpa é de origem romana, onde o réu responde a uma acusação. Porém, ela não aparenta ter o papel determinante que mais tarde lhe é confiado pelos sistemas dos romanistas.
  • A doutrina romana, diferente da moderna, subentende que a culpa do réu não é a causa da obrigação - nem contratual civil, nem penal – e sim a desordem em uma relação plurissubjetiva, e a reação da justiça corretiva e reparadora.
  • Mesmo acompanhada do dano, a culpa não é suficiente para fazer alguém responsável. Outros fatores são analisados, como o dano sofrido pela vítima.
  • A culpa não é sequer uma condição fundamental. Os juristas romanos em inúmeros casos julgaram como responsabilidade sem culpa. P.ex. no Code Civil:
  1. “O proprietário de um prédio é responsável pelos danos causados por sua ruína” (1386);
  2. “O proprietário de um animal [...] é o responsável pelo dano que o mesmo causar” (1385).
  • Estes textos são úteis à nossa jurisprudência para soluções na prática contemporânea.
  • Sendo assim, o primeiro sentido autenticamente jurídico encontrado - derivado da linguagem romana - para o termo “responsável” é o mais adequado. Desta forma, é possível afirmar que são responsáveis todos aqueles que podem ser convocados diante de um tribunal, porque pesa sobre eles uma determinada obrigação, proceda ou não a dívida de um ato de sua vontade livre.
  • Com a invasão bárbara, a experiência jurídica perdeu importância para a cultura europeia. A literatura religiosa ganhou espaço, fazendo com que o comando fosse exercido por moralistas baseados na lei moral divina durante toda a época moderna.
  • Com isso, as obras de direito são afetadas. Grócio, Pufendorf, Bentham, Kant e outros partirão de uma doutrina de deveres do indivíduo.
  • A moral moderna ditava as regras de conduta. O direito romano passa então a enxergar sob uma ótica nova, a da moral do bem e do justo. O juiz definia o justo.
  • A linguagem moderna retirou o termo “responsável” – assim como “pessoa”, “obrigação”, “caráter”, “contrato”, “sociedade”, “interpretação” – do Corpus Iuris Civilis, dando a cada um deles um novo sentido. Ao retornar depois, por ricochete, à linguagem jurídica moderna, ganharam uma nova ressonância.
  • Assim, o termo “responsável” ganhou sentido no discurso da moral cristã, na especificamente na metáfora do “julgamento de Deus”, visto que as normas da lei divina são repletas de sanções. Ou seja: as condutas serão julgadas.
  • Ao contrário da justiça humana, que foca na prestação futura, Deus julga os atos, uma vez que a matéria da lei moral é o “agir” humano. Ele julga apenas um indivíduo e sua intenção subjetiva, que faz do homem o responsável. O ato culposo é a causa dessa forma de responsabilidade.
  • Com o sentido do termo “responsável” alterado, nos tornamos responsáveis diante de nosso campo pessoal e diante da humanidade, da sociedade e do tempo futuro.
  • Dentro dessas perspectivas, não existe mais a imagem representativa de comparecimento em frente a um juiz. Agora só é considerado o ponto de vista o sujeito ativo, unilateral, que caracteriza uma moral individualista.
  • Nova definição para o termo “responsável”, sem ligação com a linguagem de direito: “responsabilidade – situação de um agente consciente diante dos atos que efetivamente há querido” (Dicionário Lalande).
  • Durante a época moderna, o direito ficou preso à lei moral, que predominava na época.
  • Até então, os canonistas prezavam a opinião culta (Idade Média); depois à segunda escolástica, obra de teólogos (séc. XVI).
  • Em seguida surge a Escola dita do direito natural, fundada pelos moralistas que, infiéis aos juristas romanos, acabaram por reconstruir a ciência do direito pautados em novas bases, de acordo com a cultura de seu tempo.
  • O nominalismo criará seu sistema todo em cima do indivíduo e suas liberdades individuais, que defenderá. Além disso, o jurista também defende os deveres do indivíduo para com seus semelhantes.
  • O direito passa a ser repensado a partir de uma legislação governante da conduta humana.
  • A primeira noção utilizada para a base desse sistema são os conceitos de atos - se são imputáveis ao indivíduo - e depois o de obrigação. O homem obrigado a observar certa conduta será considerado responsável por ela. Essa ideia de responsabilidade ficou no lugar do antigo Leit-motiv da justiça, se tornando a pedra fundamental para a ordem jurídica.
  • Apenas na época moderna o direito penal foi constituído como disciplina especializada. Possuía um lugar de destaque, pois detinha o auxiliar da regra de conduta, a sanção das regras morais instaladas no Decálago ou das leis postas pelo príncipe – que reproduziam a justiça divina.
  • O Iluminismo fez com que o direito penal se transformasse guardião de uma moral hedonística, onde reina a noção moral de “responsabilidade”. Somente o indivíduo responsável, à ação quem o delito pode ser “imputado”, à condição de que disponha de suas faculdades cerebrais, é passível de pena. Caso contrário, a pena é ineficaz.
  • O direito civil dos modernos foi aprofundado como um prolongamento da moral.
  • O sistema jurisnaturalista tem base nos princípios de moralidade. Desta forma, a norma de que cada um deve manter suas promessas (origem estoico-cristã) serve como premissa ao direito dos contratos.
  • Entretanto, havia outra regra: cada um de nós, caso faça mal ao próximo, será obrigado a repor as coisas no lugar (restituere – “reparar todos os danos causados por sua culpa”). Essa regra era muito presente nas Sumas dos confessores, na moral de São Tomás, n os escolásticos e nos professores de moral do século XVII.
  • Porém, esta regra é dúbia por dois motivos:
  1. Dá a entender que não há necessidade de preocupação com a infelicidade do próximo, caso esta não seja por nós produzida;
  2. É excessiva quando sugere a obrigação da reparação de todo e qualquer dano causado à outra pessoa. É realmente necessário que passemos a vida toda compensando os erros cometidos?
  • Apesar dos questionamentos acima, é impossível contestar esta regra, uma vez que a moral cristã é uma moral de sacrifícios.
  • É incorreto tratá-la como uma regra de direito; apesar disso, foi assim que aconteceu. Grócio, fundador da Escola Modera do Direito Natural, afirma no Tratado de Direito da Guerra e da Paz afirma que “cada um deve reparar os danos cometidos por culpa sua” (Prolegômenos, 8). A fórmula passa então para o Código napoleônico: art. 1. 382.
  • Os redatores do Código Civil francês não reproduziram o termo “responsável” no texto que reproduzia o princípio de moralidade. Com isso, o termo só surge no Digesto, visando os casos de responsabilidade sem culpa.
  • A doutrina do século XIX, que elaborou a doutrina da responsabilidade civil, fundou-a sobre o princípio do art. 1. 382, base de todas as soluções a serem ordenadas.
  • A “Teoria geral da responsabilidade civil” foi elaborada de acordo com os modelos das construções da Escola histórica alemã, com influências da filosofia kantiana.
  • Essa construção teórica, confrontada com as necessidades dos juízes, é falsa pois é utópico pensar que só podemos ser responsáveis apenas por nossa culpa ou fato.
  • A maioria dos juristas mantém o princípio, apesar dele não corresponder às aplicações.
  • A máxima do art. 1. 382 nunca deu conta totalmente das soluções reais da jurisprudência, fazendo com que atualmente exista um grande número de casos de “responsabilidade sem culpa”, como no caso do Estado francês que é responsável pelos danos causados por guerras, greves, etc, mas os reparte com seus contribuintes. Ou seja: a infelicidade de alguns deve ser suportada solidariamente e coletivamente.
  • A questão da culpa é apenas um dos problemas do direito. Além dela, devem-se considerar os direitos ou interesses da vítima. O ideal, inclusive aos juristas, é atentar à quantidade e qualidade do dano.
  • Mesmo no direito penal, a perseguição à questão da culpa esgotaria a repressão.
  • O papel do juiz é de analisar os interesses da vítima,de terceiros e do povo. O direito deve realizar uma divisão justa, levando em consideração os diversos fatores da causa.
  • Em suma, se a intenção em usar o termo “responsabilidade” apenas com seu sentido moral, como p. ex. para responsabilizar um “louco”, é possível utilizar outro termo mais adequado, como “internação”.
  • No caso do vocábulo “responsável”, que é um termo híbrido, o significado mais comum é o que provém da moral individualista, que atualmente possui mais destaque do que o direito romano.
  • Vale lembrar que um organismo coletivo não pode ser responsável, somente os animais ditos racionais, ao atingirem a idade da razão e gozando de todas as suas faculdades.
  • Entretanto há incoerência nesse quesito quando, p. ex., acontece um acidente com um aluno em um colégio e o Ministério é considerado “responsável”, mesmo que não tenha intenção.
  • A moral não diz tudo, pois trata apenas de um aspecto dos fatos da vida cotidiana, ou seja, das intenções subjetivas do indivíduo. O jurista deve levar em conta o autor de um delito, a vítima e o ambiente social.
  • O sentido do termo “responsável” resgatado pelos juristas no discurso da teologia ou da filosofia moral os encaminhou a soluções controversas, obrigando-os em seguida a denominar culpa o que não era culpa, criando mais discussões sobre o sentido deste termo.
  • Desta forma, o sentido antigo – propriamente jurídico - é o mais adequado às necessidades específicas do direito. Na hipótese de que os juristas tivessem mantido esta, teriam evitado tantas controvérsias.

...

Baixar como (para membros premium)  txt (16.1 Kb)   pdf (257.2 Kb)   docx (20.3 Kb)  
Continuar por mais 10 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com