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Por:   •  3/3/2014  •  7.990 Palavras (32 Páginas)  •  362 Visualizações

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direitos,garantias e estado de defesa ou de sitio e procure compreender as limitações aos direitos garantidos ao cidadão

você acha que os direitos dos cidadão são absolutos ,ou seja,não podem sofrer os qualquer tipo de limitação ?expondo seus argumentos em,no máximo ,15 linhas

Direitos Fundamentais e Impunidade: em defesa da aplicação do princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais

Por George Marmelstein Lima

Este post representa, quase na íntegra, um capítulo do meu “Curso de Direitos Fundamentais”. Foi um capítulo que tive muito receio em incluir, pois, como sei que as palavras ganham vida própria depois de publicadas, imaginei que elas poderiam ser usadas de forma distorcida para justificar pontos de vista que não compartilho. Mas a vontade de manifestar minha opinião falou mais alto. Sei que posso ser mal interpretado, mas esse é um risco que qualquer escritor corre. Sei que podem pegar frases soltas e utilizá-las fora do contexto, mas esse também é um risco normal da nossa atividade.

Espero apenas que os leitores mais fiéis compreendam que jamais quis defender um “Estado Policial”, onde o interesse público está acima de tudo e de todos. A leitura integral do meu “Curso” certamente afastará essa idéia. O que pretendo é fazer com que os direitos fundamentais sejam considerados como instrumentos de proteção e promoção da dignidade humana e não como um escudo para impunidade.

A publicação do texto aqui no blog tem como objetivo divulgar um pouco mais essa idéia de “proibição de abuso de direitos fundamentais”, que nunca ganhou qualquer destaque dos doutrinadores brasileiros, apesar de prevista em quase todos os tratados internacionais de direitos humanos.

E o momento atual exige que se firme uma posição. O Presidente do STF, Gilmar Mendes, chegou ao cúmulo de chamar os juízes que combatem o crime organizado de “milícias” (clique aqui). Ele quer fazer crer, com apoio de alguns advogados, que os juízes que não compactuam com a impunidade são “fora da lei” e violadores de direitos fundamentais. No presente texto, pretendo mostrar que a crença nos direitos fundamentais não implica a defesa da impunidade. É justamente o contrário: não punir a violação sistemática que os grupos criminosos praticam contra os direitos fundamentais é uma afronta cabal à Constituição e aos tratados internacionais firmados pelo Brasil.

Sem mais delongas, aqui vai o texto:

Direitos Fundamentais e Impunidade: em defesa da aplicação do princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais

Por George Marmelstein, juiz federal e professor de direito constitucional

Direitos Humanos para Humanos Direitos?

Há uma grande parcela da sociedade que não vê os direitos fundamentais com bons olhos. Imagina-se que eles protegem apenas criminosos. Costuma-se dizer que cidadãos “de bem” não precisariam de direitos fundamentais, ou então que apenas os “humanos direitos” mereceriam ser titulares de “direitos humanos”.

Essa é uma visão extremamente equivocada. Primeiro, porque reduz os direitos fundamentais às garantias do processo penal, quando eles são muito mais do que isso. Segundo, porque acredita que seja possível dividir a sociedade em mocinhos e bandidos, quando muitas vezes são os tais “humanos direitos” que oprimem, discriminam e, como conseqüência, geram, num efeito bumerangue, a violência que tanto os assusta. Como já disse o poeta Bertold Brecht, “do rio que tudo arrasta, se diz violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Mesmo assim, não há como negar que existe uma visão distorcida dos direitos fundamentais por parte de algumas entidades de proteção aos “direitos humanos” e de alguns juristas brasileiros. Há um certo fundamentalismo em favor das garantias processuais penais que, em doses exageradas, pode eventualmente levar à impunidade. E os direitos fundamentais não compactuam com a impunidade. Na verdade, esses direitos são instrumentos de proteção à dignidade humana e à limitação do poder. Logo, não podem servir justamente para acobertar práticas criminosas que violem essa dignidade. Não se trata de colocar as “razões de Estado” acima da proteção dos indivíduos, porque, se assim fosse, a razão de ser dos direitos fundamentais – que é a limitação do poder estatal – desapareceria. O que se deseja é tão somente impedir que os direitos fundamentais sejam invocados para evitar a punição de comportamentos que atentem contra a própria dignidade humana. Essa idéia é conhecida como princípio da proibição de abuso dos direitos fundamentais, que será explicado neste texto.

Direitos Fundamentais e Dever de Proteção

Todo direito fundamental gera para o Estado um dever de respeito, proteção e promoção. Ou seja, o Estado tem o dever de respeitar (não violar o direito), proteger (não deixar que o direito seja violado) e promover os direitos fundamentais (possibilitar que todos usufruam o direito).

Para os fins deste texto, é suficiente mirar nosso enfoque para o chamado dever de proteção. Em razão desse dever, o Estado tem a obrigação de proteger os direitos fundamentais, impedindo a sua violação por quem quer que seja. Isso inclui, muitas vezes, o dever de criminalizar e de punir as violações aos direitos fundamentais, como forma de desestimular o desrespeito aos valores constitucionais pelos particulares. Aliás, é o que se extrai do artigo 5º, inc. XLI, da CF/88: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos vem sistematicamente considerando como violação ao dever de proteção a não apuração, de forma rápida, dos crimes praticados em detrimento dos direitos humanos/fundamentais. Para a Corte, a impunidade dos criminosos, entendida como a falha em seu conjunto de investigação, persecução, captura, processo e condenação, ofende os direitos das vítimas. Há, portanto, uma obrigação do Estado de “investigar seriamente, com os meios ao seu alcance, as violações cometidas no âmbito de sua jurisdição, a fim de identificar os responsáveis, impor-lhes as sanções pertinentes e assegurar à vítima uma adequada reparação”. E mais:

“Se o aparelho do Estado agir de modo que tal violação fique impune e não se restabeleça, enquanto possível, a vítima na plenitude dos seus direitos, pode-se afirmar que não cumpriu o dever de garantir o livre e pleno exercício às pessoas sujeitas à sua jurisdição. O mesmo é válido quando tolerar que os particulares ou grupos dos mesmos ajam livre ou impunemente em menoscabo dos direitos humanos reconhecidos na Convenção”[1].

Vale lembrar que os crimes mais graves quase sempre representam violações aos direitos fundamentais. Por exemplo, um homicídio brutal, praticado com crueldade e frieza, é uma violação clara ao direito fundamental à vida. Um estupro é um manifesto desrespeito à integridade física e moral da mulher e, portanto, uma afronta à sua dignidade. Um seqüestro viola a liberdade; um roubo, a propriedade. Uma apropriação indevida de verbas públicas significa privar boa parcela da população de receber os direitos sociais garantidos constitucionalmente. E assim por diante.

O direito penal é, nesse sentido, um instrumento de proteção de direitos fundamentais, sobretudo nos casos em que o bem jurídico-penal protegido for um valor constitucional.

Quando um indivíduo pratica um crime no qual o bem jurídico é um valor ligado à dignidade da pessoa humana é dever do Estado (dever de proteção) agir para que essa violação a direitos fundamentais seja punida. E quanto mais importante for o bem jurídico violado, mais intensa deve ser a punição.

É dentro desse contexto que surge um princípio que é extremamente valioso para a correta interpretação dos direitos fundamentais: o princípio da proibição de abuso.

Proibição de Abuso

Em diversas declarações de direitos pelo mundo afora, há a expressa menção ao princípio da proibição de abuso de direito fundamental. Em linhas gerais, esse princípio estabelece que nenhum direito fundamental deve ser interpretado no sentido de autorizar a prática de atividades que visem à destruição de outros direitos ou liberdades. Em outras palavras: o exercício de direitos fundamentais não pode ser abusivo a ponto de acobertar práticas ilícitas/criminosas cometidas em detrimento de outros direitos fundamentais ou de valores constitucionais relevantes.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece o seguinte:

“Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados” (artigo XXX).

Aqui no Brasil, não há uma norma constitucional expressa acolhendo o princípio da proibição de abuso de direito fundamental. Mas ele está latente no sistema constitucional brasileiro.

Basta ver inúmeras normas da própria Constituição que possibilitam a limitação ou até mesmo a perda total de direitos fundamentais quando existe abuso no seu exercício.

O domicílio é inviolável, mas pode ser invadido em caso de flagrante delito[2]. É resguardado o sigilo das comunicações, mas é possível a interceptação telefônica para fins de investigação criminal[3]. O direito de reunião é assegurado, desde que para fins pacíficos[4]. É vedada a associação ou partido político de caráter paramilitar[5]. A propriedade pode ser confiscada se estiver sendo usada para plantação ilegal de psicotrópicos, bem como será permitida a apreensão de todo bem adquirido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes[6]. A liberdade é protegida, mas é possível a prisão em caso de flagrante delito ou por ordem de autoridade judicial competente[7].

Analisando sistematicamente todas essas normas, o que se conclui é que os direitos fundamentais não podem ser utilizados para fins ilícitos, até porque eles existem para promover o bem-estar e a dignidade do ser humano e não para acobertar a prática de maldades que possam ameaçar esses valores. Indo mais além, pode-se dizer que o exercício de direitos fundamentais não pode gerar uma situação de injustiça, nem pode servir de desculpa para a prática de atos moralmente injustificáveis ou para violar direitos de terceiros.

A propósito, o Pacto de San Jose da Costa Rica, já incorporado ao direito interno brasileiro, contém um dispositivo prevendo claramente o princípio da proibição de abuso de direito fundamental:

“Artigo 29 – Normas de interpretação: Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: 1. Permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; 2. Limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados; 3. Excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; 4. Excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza”.

A Jurisprudência brasileira tem aplicado, ainda que inconscientemente, o princípio da proibição de abuso de direito fundamental. Afinal, como sempre defende o Ministro Celso de Mello em seus votos, “o estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”[8].

Pode-se mencionar, nesse sentido, o julgamento em que o Supremo Tribunal Federal admitiu como lícita a violação do sigilo da correspondência de um preso, pelo próprio Diretor do Presídio, sem ordem judicial, para impedir a prática de crimes, com base na Lei de Execuções Penais, que autoriza essa devassa na correspondência de presidiários[9]. A parte final da ementa representa uma amostra clara do princípio da proibição de abuso de direito fundamental: “a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”.

Também vale citar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu que um presidiário que esteja organizando crimes de dentro do presídio não poderia invocar o direito de sigilo das comunicações telefônicas para invalidar a prova produzida contra ele. Eis um trecho da ementa:

“Réu condenado por formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para desentranhar prova (decodificação de fita magnética) feita pela polícia” (STJ, RMS 9129/RJ, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 6/2/1996).

Apenas um esclarecimento acerca dos termos utilizados no citado acórdão. Em nenhum momento, ficou dito que um preso não teria direitos fundamentais. Isso seria um absurdo. O que se disse foi que o preso, por estar em uma situação especial de sujeição, não teria direito a realizar ligações telefônicas, que seria um direito próprio do homem livre. Logo, ao utilizar o telefone para se comunicar com o mundo exterior, o presidiário está cometendo um ilícito e não exercendo um direito fundamental. Assim, ele não poderia invocar o direito ao sigilo para evitar a sua condenação, já que ele não tem sequer o direito de telefonar quanto o mais o de sigilo telefônico.

Outro exemplo que pode ser citado diz respeito à busca e apreensão em escritórios de advogados.

Não há dúvida de que os escritórios de advocacia estão protegidos pela cláusula de inviolabilidade do domicílio. Existem inúmeras decisões judiciais nesse sentido. Mesmo assim, nada impede que, mediante ordem judicial fundamentada, seja determinada uma busca e apreensão nesses escritórios, caso eles estejam sendo usados para ocultar provas ou mesmo diretamente envolvidos na prática de crimes, por exemplo.

Nesse sentido, merece ser citada a elucidativa decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“O direito à inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do Advogado, dos seus arquivos e dados, da sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, não é absoluto, podendo ser afastado em caso de busca e apreensão determinada por magistrado. Naturalmente, o poder judicial também não é ilimitado, o que implicaria inutilizar, na prática, a prerrogativa profissional: o juiz só pode determinar busca e apreensão em escritório ou local de trabalho de Advogado nas precisas hipóteses do artigo 240 do Código de Processo Penal. É dizer: o direito do Advogado à privacidade do seu escritório ou local de trabalho, dos seus arquivos e dados, da sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, não vai além da medida estritamente necessária para a garantia do legítimo exercício da advocacia, em nome da liberdade de defesa e do sigilo inerente à essa atividade profissional, não podendo ser confundido com imunidade para a prática de crimes, para a ocultação de provas ou para o favorecimento de criminosos, hipóteses que legitimam plenamente a busca e apreensão determinada por magistrado”[10].

Nessa mesma linha, o STF, ao julgar um relevante processo ligado à chamada “Operação Hurricane”, na qual havia indícios de participação de autoridades públicas, inclusive magistrados, em atividades ilegais no Rio de Janeiro, admitiu a utilização da chamada prova emprestada, onde uma escuta telefônica autorizada por juiz criminal (portanto, lícita) pôde ser utilizada também para fins de apuração das responsabilidades administrativas dos envolvidos. No fundamento do julgado, o Ministro Cezar Peluso aplicou com perfeição o princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais:

“a restrição constitucional [que apenas autoriza a quebra do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal] tem por objetivo claro preservar a intimidade, como bem jurídico privado, mas essencial à dignidade da pessoa, até o limite em que tal valor, aparecendo como obstáculo ou estorvo concreto à repressão criminal e punição de crime grave, enquanto o mais conspícuo dos atentados às condições fundamentais de subsistência da vida social. O limite da garantia da intimidade (…) não pode condescender com a impunidade (…). Nesse sentido, costuma dizer-se que a garantia constitucional não serve a proteger atividades ilícitas ou criminosas. Daí autorizar, em caráter excepcional, seja interceptada a comunicação telefônica, apenas quando tal devassa se revele como fonte de prova imprescindível à promoção do fim público da persecução penal. (…)

Não me parece ajustar-se às normas discerníveis nos textos constitucional e legal, enquanto ingredientes do sistema, é que os resultados práticos-retóricos da interceptação autorizada não possam produzir efeitos ou ser objeto de consideração nos processos e procedimentos não penais, perante o órgão ou órgãos decisórios competentes, contra a mesma pessoa a que se atribua, agora do ponto de vista de outra qualificação jurídica de ilucitude em dano do Estado, a prática ou autoria do mesmo ato que, para ser apurado na sua dimensão jurídico-criminal, foi alvo de interceptação lícita, como exigência do superior interesse público do mesmíssimo Estado”[11].

Conclusão

O que se deve concluir, através desses exemplos, é que sacralizar as garantias criminais, como se fossem valores absolutos e exageradamente inflexíveis, significa abrir a porta para a impunidade e, vale enfatizar, os direitos fundamentais não compactuam com a impunidade, já que o Estado tem o dever de punir qualquer violação a esses direitos. Portanto, jamais se deve imputar aos direitos fundamentais a culpa pela impunidade crônica que assola o país. A culpa não é dos direitos em si, mas das interpretações extremistas que são feitas, inclusive por alguns membros do Judiciário, que colocam as garantias processuais como valores intocáveis e inflexíveis, sem atentar para a idéia de proporcionalidade e para o dever de combater a criminalidade.

Ainda assim, para não passar uma idéia distorcida, é preciso lembrar qualquer restrição a direitos fundamentais deve ser vista com desconfiança, exigindo-se uma forte carga argumentativa para afastar a garantia constitucional. Para aplicar corretamente o princípio da proibição de abuso, deve-se exigir, antes de limitar o direito fundamental, a comprovação de um fundado receio, com base em elementos concretos, de que a norma constitucional está sendo utilizada para a prática de crimes. Não se pode simplesmente alegar vagamente a proibição de abuso para justificar toda e qualquer suspensão de garantias constitucionais, como se os fins justificassem os meios, à la Maquiavel. Afirmar que os direitos fundamentais podem ser limitados não significa dar uma carta em branco para que eles sejam suprimidos abusivamente – e talvez seja aqui a grande crítica que se pode fazer à técnica da ponderação e à teoria dos princípios, que cada vez mais ganha adeptos aqui no Brasil.

Na verdade, reconhecer que “não há direitos absolutos” e que “toda norma de direito fundamental é relativa, passível de limitação”, como se costuma bradar sem qualquer critério seguro, é extremamente perigoso, já que pode levar a uma idéia equivocada de que as proteções constitucionais são frágeis e que podem ceder sempre que assim ditar o “interesse público”, expressão vaga que, no final das contas, pode justificar quase tudo. É preciso lembrar que o Brasil passou por uma ditadura militar na qual era possível encontrar placas como a que se encontrava no saguão de elevadores da polícia de São Paulo, que dizia: “diante da pátria não há direitos”[12]. Logicamente, uma situação assim não é compatível com um Estado que se julgue democrático de direito.

Quando a Constituição determina que “a casa é asilo inviolável do indivíduo” ou então fala em “inviolabilidade das comunicações” ou ainda que “é inviolável a liberdade de locomoção” etc., pode-se dizer que, na grande maioria das vezes, a norma constitucional prevalecerá, ou seja, será inflexível. A regra é a observância dos direitos fundamentais e não sua restrição.

Apenas quando houver dados objetivos que indiquem que o titular do direito está utilizando a proteção constitucional para cometer crimes, violando, com isso, direitos fundamentais alheios, será justificada a restrição ao direito com base no princípio da proibição de abuso.

Dito isso, conclui-se: punir os ilícitos penais, ao contrário de representar uma violação a direitos fundamentais, significa, antes de tudo, uma forma de proteger esses direitos.

[1] Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodrigues, sentença de 29 de julho de 1988, parágrafo 77, páginas 74-75.

[2] “Art. 5º – XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

[3] “Art. 5º – XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

[4]“Art. 5º – XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

[5] “Art. 5º – XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”; “art. 17, §4º – É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar”.

[6] “Art. 243 – As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único – Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”.

[7] “Art. 5º – LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

[8] STF, MS 23.452-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16/9/1999.

[9] STF, HC 7814-5/SP, rel. Min. Celso de Mello. Confira a ementa: “A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”

[10] TRF 4ª Região, MS 2001.04.01.070250-0/RS, j. 3/2/1001. O STF também tem entendimento no mesmo sentido: “Ninguém ignora que o Estatuto da Advocacia — considerada a essencialidade das cláusulas que protegem a liberdade de defesa e que resguardam o sigilo profissional — garante, ao advogado, ‘a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado…’ (Lei n. 8.906/94, art. 7º, II). É certo que essa garantia de inviolabilidade não se reveste de caráter absoluto, pois — consoante adverte Orlando de Assis Corrêa (Comentários ao Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, p. 48, item n. 37, 1995, AIDE) — …havendo mandado de busca e apreensão assinado por magistrado, o escritório e seus arquivos podem ser vasculhados’” (STF, MS 23.595, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 17-12-99, DJ de 1º-2-00). Vale ressaltar que, nesse caso, o STF entendeu que a garantia da inviolabilidade do escritório de advocacia somente poderia ser restringida por ordem do próprio Poder Judiciário. “Sendo assim, nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária e nem a Comissão Parlamentar de Inquérito ou seus representantes, agindo por autoridade própria, podem invadir domicílio alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público. (…) Conclui-se, desse modo, que, tratando-se de escritório de advocacia, impõe-se, para efeito de execução de medidas de busca e apreensão, que sejam estas previamente autorizadas por decisão judicial, em face do que dispõe a Lei n. 8.906/94 (art. 7º, II), c/c a Constituição da República (art. 5º, XI)”

[11] Voto vencedor do Min. Cezar Peluso no Inq-QO/DF, rel. Min. Cezar Peluso, j. 25/4/2007.

[12] GASPARI, Élio. As Ilusões Armadas: a ditadura escancarada São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 17.

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47 Respostas para “Direitos Fundamentais e Impunidade: em defesa da aplicação do princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais”

Fabrício Fernandes Andrade Diz:

Setembro 9, 2008 às 2:04 pm

Dr. George, acabei de ler o texto. É isso mesmo. Olha, não é possível que alguém possa interpretar mal o seu texto. O Direito Penal, como bem você salientou, existe para proteger também direitos fundamentais, não obstante devam ser igualmente repeitados os princípios constitucionais processuais. A propósito, o que você achou da punição aplicada ao piloto Hamilton, da Fórmula 1. Por ter agido de modo desleal, teve a vitória cassada, para a alegria do nosso Felipe Massa. Pergunto: É possível afirmar que, no caso, se verifica a eficácia horizontal dos direitos fundamentais? (Repeito a boa-fé objetiva, lealdade, eticidade). Não entendo que é um exemplo do que você sempre chama de ditadura dos direitos fundamentais. Abraço.

Thiago. Diz:

Setembro 9, 2008 às 6:35 pm

Olha,

vou esperar para ler o livro todo para tecer mais seguramente alguns comentários, porém, de antemão, coloco alguns dados.

A questão do abuso de direito fundamental mencionada, já fora prevista em uma de nossas Constituições, mais especificamente, o art. 151 da Ditatorial Carta de 1967, de horripilante lembrança.

Foi com base nesse artigo, que previa o abuso de direito, que o Deputado Márcio Moreira Alves (do então MDB) foi representado junto ao STF (RP 786, rel. Min Aliomar Baleeiro) por ter proferido uma série de 4 discursos conta o Governo Militar (datados de 29 e 30 de agosto e 02 e 03 de setembro de 1968), se pronunciando com muita veemencia contra a invasão à UnB pelos militares e as violências várias praticadas pelo regime da quartelada de 1º de Abril de 1964.

Como já é histórico, e o próprio min Aliomar Baleeiro reconheceu no seu voto, a Câmara dos Deputados negou o pedido de licença no dia 12 de novembro. No dia 13 o governo outorgou o AI nº 5, mas não sem antes o então vice-presidente Pedro Aleixo, após se manifestar contra o ato, ser interpelado pelo então ministro da Justiça Gama e Silva “mas você não confia nas mãos honradas do presidente?” ao qual respondeu com a famosa, e já clássica expressão “nas mãos honradas do presidente eu confio, eu não confio e nas do guarda ali da esquina”.

O parecer do min Gama e Silva que instrui a RP 786 acima mencionada é uma pérola que embasa juridicamente o porque de se “evitar o abuso de direitos” e quem quiser eu posso enviar, eu tenho uma cópia (aliás, cópia inteira da Rp 786).

Simplesmente, não vou tecer muitos comentários ainda, antes de ler todo o livro, mas cheira muito mal essa histórinha de “abuso de direitos” e também essa glossolalia de “princípio da proporcionalidade – ponderação de princípios”. E digo cheira mal não por minhas predileções acadêmicas, mas apenas porque soa com um réquiem à Ditadura (64-85) que traz consigo o cheiro dos mortos.

Thiago

Thiago. Diz:

Setembro 9, 2008 às 7:17 pm

Só complementando,

se sair a publicação realmente na próxima semana, da pra fazer uma comparação deste capítulo específico sobre o “abuso de direitos’ com uma publicação recente (de textos antigos) do prof. Canotilho que comecei a ler estes dias, mais especificamente os dois últimos capítulos de:

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais, São Paulo: RT 2008

Capítulos:

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E o que dizem os juízes quanto ao nível essencial das prestações sociais?

Enfim,

É aguardar para opinar.

hugo segundo Diz:

Setembro 9, 2008 às 8:30 pm

Parabéns pelo texto, George.

Não sei, contudo, qual o nexo que ele tem com a declaração do Min. Gilmar. Tudo o que está escrito nele pode ser procedente, e, ainda assim, ser igualmente procedente a declaração do presidente do STF.

Confesso-lhe que não sei por que a declaração dele estaria a clamar a todos para “firmar posição” contra ou a favor da impunidade, do crime organizado e de todas as injustiças do mundo. Até parece que ele é o “representante do mal”, ou o Lex Luthor, contra o qual os juízes da “sala de justiça” estariam a lutar.

Entendi a mensagem mais ou menos assim: do lado do Min. Gilmar a galera do mal, os mafiosos, traficantes, políticos corruptos, sonegadores, os advogados, e toda essa laia responsável pela desgraça do Brasil nos últimos 500 anos. E, do lado dos juízes de varas criminais, procuradores da república e policiais, as pessoas de bem, que querem consertar “tudo o que está aí”. Só faltou o “supergêmeos, ativar!” entre PGR e JF…

Pode não ter sido isso o que você pretendeu dizer, mas foi, na minha ótica, o que disse.

Especificamente em relação à declaração que você citou, será que ele não tem razão? Você não acha estranho juízes, delegados e membros do ministério públicos juntos, os três, numa “força tarefa”? E a imparcialidade? A inércia? O dispositivo? Seria algo como uma “força tarefa” entre juízes de vara de execução e a PFN, ou entre vara estadual da fazenda pública e a PGE… Por que isso não soa tão absurdo quanto uma “força tarefa” entre uma vara qualquer do fórum e o escritório de um grande advogado, para agilizar os processos dele? A diferença – que faz esse segundo caso parecer repugnante para alguns (quando para mim os dois casos são igualmente) é só o “interesse público”, que você reconhece não poder alimentar as tais “relativizações”…

E mais: o que isso tem a ver com a impunidade? Onde, aí, a “necessidade” da medida, critério básico para autorizar a “relativização”? Só dá para punir criminosos se juízes e membros do MP passarem a trabalhar juntos?

George Diz:

Setembro 9, 2008 às 9:58 pm

Hugo,

vou dizer porque é preciso firmar posição.

O que está ocorrendo é justamente o oposto que o quadro que você apresentou.

O Gilmar Mendes se investe na qualidade de “grande defensor dos direitos fundamentais” – com aplauso de pé de praticamente todos os advogados – e coloca os juízes criminais na posição de “milicianos”.

Um juiz, hoje, que esteja na direção de um grande processo envolvendo organizações criminosas poderosas, corre sérios riscos de ser perseguido, inclusive com apoio do chefe do CNJ, que é o primeiro a representá-lo “para fins estatísticos”.

Já atuei no crime e, com certa freqüência, respondo pelas varas criminais, que ficam no mesmo prédio da minha vara. Devo ter assinado algumas centenas de mandados autorizando escutas telefônicas, busca e apreensões e prisões preventivas.

Sou, portanto, sob a ótica do Min. Gilmar Mendes, um miliciano, que usa a máquina estatal para perseguir os pobres criminosos do colarinho branco.

Se um juiz recebe um delegado ou um membro do MP em seu gabinete, é parcial, está participando de uma “força-tarefa” ou algo parecido.

Acho que devo ter recebido delegados ou procuradores da república umas cinco ou seis vezes em toda a minha carreira. Por outro lado, recebo mais de dez advogados por dia e nunca ninguém reclama disso.

Hugo, não tenho a menor dúvida de que está havendo uma inversão de valores. Os grande violadores dos direitos fundamentais não são os juízes, mas sim os criminosos. É isso que quero defender, embora reconheça que também há juízes que abusam do poder.

George

George Diz:

Setembro 9, 2008 às 10:01 pm

E só pra sentir como está o clima entre os juízes federais em relação ao Gilmar Mendes, veja-se a nota da AJUFE (que geralmente é polida em relação ao Presidente do STF) sobre o assunto:

A propósito de matéria publicada no jornal o Estado de S. Paulo, com o título “Mendes vê ‘consórcio’ entre juízes e delegados”, a ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE manifesta-se nos seguintes termos:

1. São inverídicas, ofensivas e desrespeitosas as afirmações de que possa existir proximidade excessiva entre juízes, delegados e membros do Ministério Público, que atuariam como milícias nas varas federais especializadas no julgamento de processos de crimes de lavagem de dinheiro.

2. Os juízes federais têm plena consciência do papel que desempenham na interpretação e aplicação da Constituição e das Leis, atuando com imparcialidade e isenção.

3. As garantias constitucionais da Magistratura asseguram que as decisões judiciais não são fruto de pressões ou interferências de outros agentes públicos ou privados. Afirmar em sentido contrário é colocar sob inaceitável suspeita o árduo e relevante trabalho que os magistrados prestam à sociedade brasileira.

4. As varas especializadas em lavagem de dinheiro completam neste ano cinco anos de sua instalação. São uma experiência de sucesso, ainda que desprovidas da ideal estrutura de material e de pessoal necessárias para o julgamento de processos envolvendo crimes

extremamente complexos. Essa iniciativa vitoriosa merece apoio de toda a sociedade e da cúpula do Poder Judiciário.

5. Ratificando o seu compromisso de lutar na defesa do estado democrático de direito e pela valorização das instituições, em especial do Poder Judiciário, a AJUFE reafirma a necessidade imprescindível de se valorizar a magistratura de 1ª Instância, a quem compete a colheita de provas, oitiva de testemunhas e investigados, e avaliação mais próxima dos fatos.

A AJUFE estará vigilante contra todo e qualquer movimento tendente a violar a independência dos magistrados, venha de onde vier.

Brasília, 05 de setembro de 2008

Fernando Cesar Baptista de Mattos

Presidente da Ajufe

Thiago. Diz:

Setembro 9, 2008 às 10:45 pm

Perfeito Prof. Hugo,

eu vou esperar para ler o livro para depois comentar, mas o seu questionamento é bastante pertinente. Subscrevo-o na íntegra, ainda mais porque me lembrou um dos desenhos que eu assistia bastante quando meis novo.

Promotor Diz:

Setembro 10, 2008 às 1:31 am

George, excelente texto. Vou comprar seu livro e lê-lo com denodo. Parabéns!

“Mutatis mutandis”, na mesma linha é o texto do Dr. Lênio Streck: http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=69&Itemid=2 (copie e cole na barra de navegação)

Alguns comentários:

“Os cidadãos vivem a insegurança pública, ao passo que os criminosos desfrutam da segurança do Estado, que é travestida pelo excesso de leis que beneficiam os sujeitos ativos dos crimes.” (Guilherme Dettmer Drago).

“A pretexto de defender a dignidade da pessoa humana comete-se muita indignidade contra a sociedade humana.” (Ministro Carlos Ayres de Brito).

Há completa inversão de valores. Para muitos juristas, de olho do mercado editorial (escreve-se para advogados, pois os consumidores são muito mais – já que há pouco mais de trinta mil juízes e promotores; e mais de quinhentos mil advogados no Brasil) é melhor defender a privacidade do bandido que a tranquilidade jurídica do honesto e, por conseguinte, a paz social. O verbo à verba. É o garantismo “lelé”, genuinamente tupiniquim.

“A sociedade precisa defender-se. As doutrinas modernas não devem ser exploradas em beneficio dos criminosos, arrebatados da Justiça para continuar a sua obra funesta no seio da sociedade.” (José Ingenieros).

“A criminalidade atual que ameaça a sociedade obriga-nos a uma revisão de conceitos, ultrapassando-se o individualismo retrógrado para servir a um humanismo integral.” (Edílson Mougenot Bonfim).

“Discursos como o de que o Direito Penal é “etiquetador”, promove a “exclusão social através da punição”, “só existe para punir o preto, o pobre e a prostituta”, “se preocupa mais com a propriedade do que com a própria pessoa” etc., ainda recorrentes na Doutrina, mostram-se, nos dias atuais, obsoletos e ultrapassados, não mais espelhando a realidade do mundo que nos cerca. Os inimigos de hoje existem e são reais; não são mais imaginários. O público alvo do Direito Penal de hoje não é mais o contraventor, o boêmio, o jogador de ronda, o vadio, o artista, o “maluco beleza”, como nos “saudosos” tempos dos Anos Dourados, na década de 60, em que este discurso experimentou seu apogeu. Os inimigos de hoje são traficantes de drogas, homicidas, terroristas, funcionários públicos corruptos, que se espalham feito metástases pelas células sociais e se reproduzem feito ratazanas. Naquela época, o Direito Penal se dedicou a perseguir inimigos imaginários, com indisfarçável e hediondo viés político, como forma de controle social, o que muito envergonha o cultor do Direito Penal. No entanto, como já dito, os tempos são outros e não se pode mais viver de passado. Quem insiste em não abrir os olhos à sociedade que o cerca, está fadado a perder o bonde da história, repetindo, obnubilada e psicoticamente chavões já corroídos pelas teias de aranha do passado. Há quem já teve a oportunidade de colocar em prática, no governo de um Estado, essas idéias ultrapassadas. E até hoje a população deste Estado colhe os frutos dessas sementes talvez ingenuamente plantadas, talvez com a melhor das intenções, mas com resultados efetivamente desastrosos no plano da segurança pública. O Acadêmico que insiste em viver, anacronicamente, o romantismo de uma década deslocado para o século seguinte, está fadado a devanear qual nefelibata, caminhando sobre cúmulo-nimbos, de mãos dadas com Alice nos País das Maravilhas.” (Marcelo Lessa Bastos, promotor de justiça – MPRJ).

Alguns juristas parecem sofrer da “Síndrome de Estocolmo”. Desenvolvem uma relação de paixão e dependência pelos que nos seqüestram, estupram, roubam e matam. É a leia da selva ou a lei do salve-se-quem-puder!

Leandro Aragão Diz:

Setembro 10, 2008 às 1:48 am

Meu caro George: meus parabéns!! Sou mestrando em direito comercial na USP e, quase que diariamente, abro seu blog para ler seus interessantíssimos posts. Você está se revelando um dos melhores constitucionalistas da nova geração! Mas mil vezes melhores que os “constitucionalistas de manual”. Estou extremamente ansioso para ler seu livro. Abraços,

hugo segundo Diz:

Setembro 10, 2008 às 11:41 am

Ah, George, você respondeu minha ponderação afastando a premissa.

Disse que não existe força-tarefa.

Sendo assim, concordo.

Você colocou, também, uma outra premissa: a crítica do Min. Gilmar seria dirigida a “todo” juiz que faz “alguma coisa” contra uma instituição criminosa.

Se for assim mesmo, também concordo.

Mas confesso que as premissas do meu comentário – e, pelo que entendi, do post original – não eram essas.

George Diz:

Setembro 10, 2008 às 12:11 pm

Hugo,

se o Min. Gilmar conhece algum juiz ou “grupo de juízes”, conforme ele afirmou, que se relacionam de forma promíscua com delegados e procuradores com o objetivo de fazer justiça à lá Nicolas Marshal (é o novo!), ele deveria ser o primeiro a apontar quais são esses juízes para que sejam punidos. Ele tem o dever jurídicico de fazer isso.

No entanto, o que ele disse não foi isso. Ele atacou genericamente a atuação dos juízes que atuam em varas de lavagem de dinheiro, como se fossem todos milicianos, sem apontar nenhum caso específico. Ou seja, sua reclamação foi contra a estrutura em si das varas de lavagem, como se elas fossem um entulho autoritário a serviço do famigerado Estado Policial.

Confesso que me senti ofendido muito mais por conhecer diversos juízes que atuam nas varas de lavagem que são exemplos de magistrados e são muito mais comprometidos com os direitos fundamentais do que o senhor Gilmar.

Esse tipo de argumento é um grande salto para a consolidação da cleptocracia. O “garantismo conforme o pedigree do réu” é ultrajante.

Nunca vi ele se preocupar com a situação dos presídios superlotados ou então com a situação de delegados que praticam tortura contra réus pobres. Pelo discurso, torturar réu pobre não é nada demais, já que ele nunca se insurgiu conta isso. Autorizar uma escuta telefônica por trinta dias é um absurdo!!! Autorizar uma busca e apreensão num escritório de contabilidade: que violência!!! Deferir a apreensão de um computador: que grave!!!

Nesse ponto, apesar de todos os defeitos, ainda acho que o Min. Joaquim Barbosa é o que tem uma visão mais comprometida com os direitos fundamentais.

George Marmelstein

Ivan Diz:

Setembro 10, 2008 às 2:42 pm

Meus sinceros parabéns, George.

Argumentos sólidos.. espero ler sua obra em breve.

abraços

Thiago. Diz:

Setembro 10, 2008 às 2:59 pm

George,

O ministro que bate (eu) – supostamente – em mulher é o mais comprometido com os DF? sorte dele que naquela época ainda não tinha a lei Maria da Penha, e sim a lei do “joão da pêia”!

O ministro que diz que modulação de efeitos no controle concentrado é “jeitinho”? a Sorbone parece que não tinha essa matéria quando ele fez seu doutorado.

O ministro que trata mal os advogados, e acusa a torto e a direito, alguns, de tráfico de influência? bom, teve que se retratar, e engolir sua empáfia com um humilde pedido de desculpas abafado pelo min Nelson Jobim.

Tomara que no seu livro sobre DF, prof. George, tenha pelo menos uma análise do posicionamento do Min. Joaquim Barbosa na APN 333 (Caso (ex)Senador Cunha Lima) e do posicionamento dele sobre o Abuso de Direito junto com o voto do Min. César Peluso, para manter sua coerência com o a defesa do combate ao “abuso de direito”.

Essa foi boa, Min. J.B. o mais comprometido com os D.F.!

Eu concordaria se você tivesse falado Celso de Mello (só para deixar minha opinião).

Thiago. Diz:

Setembro 10, 2008 às 3:14 pm

Ah, e só complementando novamente:

30 dias não é o prazo ex lege de autorização de escuta, e sim 15 dias, claro que cabe prorrogação, mais não por 2 anos.

E se não fosse a belíssima inicial do Cezar Bitencourt (tomara que seja futuro min do STJ, haja vista que ele está na lista da Palhaçada que o Tribunal da Cidadania -da AMB – se recusa em votar, e nem pode devolver(!)) no HC 76686-PR junto ao STJ, e do magistral voto do Min. Nilson Naves, que foi acompanhado pela 5ª Turma (tomara que o MPF recorra para a 3ª Seção para uniformizar o entendimento), que o prazo, em princípios, foi em fim delimitado.

Pelo posicionamento que o senhor esposou, prof. George, dois anos de escuta, como no caso do Habeas acima mencionado, é um prazo razoável. È um direito seu pensar dessa maneira, mas em livros e manuais, e não em decisões judiciais, eis que em desacordo (frontal e em vilepêndio) com a Carta de Agosto de 1988.

Thiago. Diz:

Setembro 10, 2008 às 3:18 pm

Retificação: Carta de 5 de outubro de 1988

:-)

George Diz:

Setembro 10, 2008 às 5:11 pm

Thiago:

É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96.

George Marmelstein

Thiago. Diz:

Setembro 10, 2008 às 7:13 pm

George,

Esse é o seu ponto de vista, legítimo.

E é justamente esse o caso, o voto do Min. Nilson NAves no HC 76686/PR discutiu essa questão da indeterminação e das sucessivas renovações quando a lei é clara em mencionar no art. 5º renovação por “igual período”, e também tocou no ponto do prazo de 60 dias assemelhado ao estado de defesa 136, § 2º da CF. Particularmente tenho que se as investigações começarem já pela escuta telefônica, já é um descalabro.

Se decorrerem de suspeitas objetivas, nos termos da lei, o prazo de 15 prorrogado por mais 15 seria o ideal, e poderia até ser admitido em hipótese excepcional, que se cheguasse nos 60 dias do estado de defesa acima mencionado, e não mais do que isso, em que pese um projeto de lei propor a alteração para 360 dias. Mas isso já é discussão “de lege ferenda”.

Em suma, confira-se abaixo excerto do voto do Min Nilson Naves:

“Permitam-me, com isso, retornar ao texto do art. 5º, porque dias fiquei

comigo mesmo pensando qual teria sido ali a intenção do legislador ao escrever “não

poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada

a indispensabilidade do meio de prova”. Pelo menos três coisas me saltam aos olhos: (I)

o prazo estabelecido tem limite (“não poderá exceder”, “quinze dias”); (II) o prazo pode

ser renovado por igual período (isto é, por mais quinze dias); e (III) tal prorrogação só

será possível se indispensável o meio de prova (aí, vejam, existe uma condição clara:

“uma vez comprovada”, ou seja, desde que comprovada, se comprovada…). É isso, e só,

o que diz a lei. Não é razoável, pois, ir além. Ora, se intenção tivesse o legislador de que

tal prazo fosse passível de renovações sucessivas, ele se teria utilizado de outros termos,

quem sabe, por exemplo, “renovável por iguais períodos” ou de algo que se

assemelhasse à redação do projeto que está no Congresso. Lá o texto, quando se refere

às prorrogações, é preciso: o prazo não poderá exceder a sessenta dias, permitida a

prorrogação por iguais e sucessivos períodos (…), até o máximo de trezentos e sessenta

dias ininterruptos.

Há quem diga que, no caso da Lei nº 9.296, o legislador, embora não

tenha sido claro na hipótese de ilimitadas prorrogações, deixou latente tal possibilidade,

cabendo ao juiz interpretá-la. A mim não me ocorre, dada a natureza da norma de que

estamos tratando – porquanto alude à restrição da liberdade –, possa o legislador haver

dito menos quando queria dizer mais. Mal ou bem, bem ou mal, o que está ali disposto,

e isso é inquestionável, é uma exceção à regra. Se o texto, para alguns, está

indeterminado, dúbio, seja lá o que for, o que a mim não me parece, cabe a nós, porque

somos finais, repito, dar à norma, limitadora que é do direito à intimidade, interpretação

estrita, atendendo, assim, cuido eu, ao verdadeiro espírito da lei.

9. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o

prazo de lei (Lei nº 9.296/96, art. 5º), por que não os sessenta dias do estado de defesa

(Constituição, art. 136, § 2º)? Ou por que não razoável prazo? Desde que, é claro, neste,

tenhamos decisão exaustivamente fundamentada, e não, e aí não mesmo, prazo fora dos

conceitos razoáveis. Relembremos que o recente projeto estabelece o prazo máximo de

trezentos e sessenta dias ininterruptos, que eu, confesso-lhes, entendo ser uma demasia.

Ora, não se interpretam, segundo o excelso Maximiliano (também ocupou ele uma das

cadeiras do Supremo Tribunal, entre 1936 e 1941), estritamente as disposições que

restringem a liberdade humana; de igual maneira, as que restringem a intimidade, a vida

privada, etc.? Concluindo, Srs. Ministros, o meu entendimento, ao contrário do do

acórdão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é o de que há, no caso,

se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/96, há, sim, violação do

princípio da razoabilidade (entre normas/princípios ou princípios/normas de opostas

inspirações ideológicas, a solução do conflito, repito, há de privilegiar a liberdade, a

intimidade, a vida privada, etc.). Daí que, Srs. Ministros, concedo a ordem a fim de

reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das

indicadas comunicações telefônicas; conseqüentemente, nulos torno – e declarados

assim ficam – os pertinentes atos processuais da Ação nº 2006.70.00.019980-5; que os

autos, então, retornem às mãos do Juiz originário para determinações de direito.”

Thiago.

Thiago. Diz:

Setembro 10, 2008 às 7:32 pm

Quer dizer:

O Juiz Federal Sergio Fernando Moro da 2ª Vara Federal Criminal e SFN de Curitiba terá que refazer tudo de novo (filtragem e recebimento da denúncia até o ato de sentimento que é a sentença, sem poder aproveitar um minuto sequer das conversas judicialmente interceptadas), quando era mais razoável cumprir a Lei ou interpretando analogicamente com o art. 136, § 2º da CF, estender e prorrogar a interceptação telefônica por no máximo 60 dias.

Consequência:

Abrem-se novamente as vias impugnativas (mais tempo, mais gastos para o erário,) e ao final, até que se transite em julgado: Prescrição Retroativa.

Vou guardar o número dos autos originários para ver se confirmo essa previsão.

Se alguém tem culpa, certamente não são os Ministros do STJ que interpretaram a Constituição.

Thiago. Diz:

Setembro 10, 2008 às 8:19 pm

Com isso eu indago:

É isso que che poderia chamar de “abuso judicial na limitação de um direito”?

Quando e com que embasamento a AJUFE irá publicar outra nota repudiando a Decisão da 6ª Turma do STJ, que não se referiu a milícia, mas reconheceu que se trata de uma “devassa”, de um abuso (naõ de direito, mas na restrição de um direito)?

Mutatis mutandis, sem sofisma nem erística, não seria a mesma coisa a suposta declaração do Min. Gilmar e o cerne do quanto fora decidod pelo STJ?

São indagações, divagações…… Que remontam a discussão original deste post sobre “abuso de Direito”.

...

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