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A Caminho Da Luz

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Por:   •  15/11/2014  •  9.830 Palavras (40 Páginas)  •  460 Visualizações

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CENTRO ESPÍRITA NOSSO LAR

GRUPO DE ESTUDO DAS OBRAS DE ANDRÉ LUIZ E

MANOEL PHILOMENO DE MIRANDA

13º LIVRO - AÇÃO E REAÇÃO

ANDRÉ LUIZ - 1957 - 8 REUNIÕES.

1a REUNIÃO

(Fonte: prefácio e capítulos 1 a 3.)

1. Justiça Divina - Emmanuel nos diz que este livro desvela uma nesga das regiões inferiores a que se projeta a consciência culpada, além do corpo físico, mostrando a importância da existência carnal, como verdadeiro favor da Divina Misericórdia, a fim de que nos adaptemos ao mecanismo da Justiça Indefectível. Asseverando que o inferno exterior nada mais é que o reflexo de nós mesmos, quando, pelo relaxamento e pela crueldade, nos entregamos à prática de ações deprimentes, Emmanuel observa que, segundo o eminente criminalista Von Liszt, o Estado, em sua expressão de organismo superior, não prescinde da pena, a fim de sustentar a ordem jurídica. "A necessidade da conservação do próprio Estado justifica a pena", assevera Von Liszt. André Luiz faz-nos sentir, contudo, que o Espiritismo revela uma concepção de justiça ainda mais ampla. A criatura não se encontra subordinada simplesmente ao critério dos penalogistas do mundo: quanto mais esclarecida, tanto mais responsável e entregue aos arestos da própria consciência, na Terra ou fora dela, toda vez que se envolve nos espi-nheiros da culpa. André mostra, assim, que os princípios codificados por Allan Kardec abrem uma nova era para o Espírito humano, compelindo-o à auscultação de si mesmo, no reajuste dos caminhos traçados por Jesus ao verdadeiro progresso da alma, e explica que o Espiritismo, por isso mesmo, é o disciplinador de nossa liberdade, não apenas para que tenhamos na Terra uma vida social dignificante, mas também para que mantenhamos, no campo do espírito, uma vida individual harmoniosa, devidamente ajustada aos impositivos da Vida Universal Perfeita. Em síntese, ele demonstra-nos que as nossas possibilidades de hoje nos vinculam às sombras de ontem, exigindo-nos trabalho infatigável no bem, para a construção do Amanhã, sobre as bases redentoras do Cristo. ("Ante o Centenário", pp. 9 a 11)

2. "Mansão Paz" - Todas as civilizações que antecederam a glória ocidental nos tempos modernos consagraram especial atenção aos problemas de além-túmulo. O Egito mantinha incessante intercâmbio com os trespassados e ensinava que os mortos sofriam rigoroso julgamento entre Anúbis, o gênio com a cabeça de chacal, e Hórus, o gênio com cabeça de gavião, diante de Maât, a deusa da justiça, que decidia se as almas deveriam ascender ao esplendor solar ou voltar aos labirintos da provação na Terra, em corpos deformados e vis. Os hindus admitiam que os desencarnados, conforme as resoluções do Juiz dos Mortos, subiriam ao Paraíso ou desceriam aos precipícios do reino de Varuna, o gênio das águas, para serem insulados em câmaras de tortura, amarrados uns aos outros por serpentes infernais. Hebreus, gregos, gauleses e romanos sustentavam crenças mais ou menos semelhantes, convictos de que a elevação celeste era reservada aos Espíritos retos e bons, puros e nobres, guardando-se os tormentos do inferno para quantos se rebaixavam na perversidade e no crime, nas regiões de suplício, fora do mundo ou no próprio mundo, através da reencarnação em formas envilecidas pela expiação e pelo sofrimento. Essas palavras, ditas por Druso, diretor da "Mansão Paz", encantavam André Luiz e Hilário, que ali estavam em visita. O estabelecimento, localizado nas regiões inferiores, era uma espécie de mosteiro São Bernardo, com a diferença de que, em lugar da neve, circundava-o uma sombra espessa. Vinculado à colônia "Nosso Lar", o pouso fora fundado havia mais de três séculos e se dedicava a receber Espíritos infelizes ou enfermos, decididos a trabalhar pela própria regeneração, elevando-se uns a colônias de aprimoramento na Vida Superior, e retornando outros à esfera dos homens para a reencarnação retificadora. (Capítulo 1, pp. 13 e 14)

3. A tempestade - O casario enorme que forma a "Mansão Paz", semelhante a vasta cidadela instalada com todos os recursos de segurança e defesa, mantém setores de assistência e cursos de instrução, nos quais médicos e sacerdotes, enfermeiros e professores encontram, depois da morte terrestre, aprendizados e quefazeres da mais elevada importância. A Terra é para nós -- asseverou Druso -- "valiosa arena de serviço espiritual, assim como um filtro em que a alma se purifica, pouco a pouco, no curso dos milênios, acendrando qualidades divinas para a ascensão à glória celeste". "Por isso, há que sustentar a luz do amor e do conhecimento, no seio das trevas, como é necessário manter o remédio no foco da enfermidade." Nesse momento, André reparava, através do material transparente de larga janela, a convulsão da Natureza. Uma ventania ululante, carreando consigo uma substância escura, semelhante à lama aeriforme, remoinhava com violência, à maneira de treva encachoeirada, e do corpo monstruoso daquele turbilhão terrível surdiam rostos humanos em esgares de horror, vociferando maldições e gemidos. Apareciam de relance, jungidos uns aos outros como vastas correntes de criaturas agarradas entre si, em hora de perigo, na ânsia instintiva de dominar e sobreviver. Hilário indagou, então, ao diretor do abrigo: "Por que não descerrar as portas aos que gritam lá fora? Não é este um posto de salvação?" Sensibilizado, Druso respondeu-lhe: "Sim, mas a salvação só é realmente importante para aqueles que desejam salvar-se". E prosseguiu: "Para cá do túmulo, a surpresa para mim mais dolorosa foi essa, o encontro com feras humanas, que habitavam o templo da carne, à feição de pessoas comuns. Se acolhidas aqui, sem a necessária preparação, atacar-nos-iam de pronto, arrasando-nos o instituto de assistência pacífica. E não podemos esquecer que a ordem é a base da caridade". Logo após, o Instrutor aduziu: "Somos hoje defrontados por grande tempestade magnética, e muitos caminheiros das regiões inferiores são arrebatados pelo furacão como folhas secas no vendaval". Druso explicou então que raros deles guardavam consciência desse fato, porque as criaturas que se mantêm assim desabrigadas, depois do túmulo, são aquelas que não se acomodam com o refúgio moral de qualquer princípio nobre. (Capítulo 1, pp. 14 a 16)

4. Espíritos culpados - Aqueles Espíritos traziam o íntimo turbilhonado e tenebroso, qual a própria tormenta, em razão dos pensamentos desgovernados e cruéis de que se nutriam. "Odeiam e aniquilam, mordem e ferem", informou o diretor. Alojá-los ali seria o mesmo que asilar tigres desarvorados entre fiéis a orar num templo. Felizmente, essa fase de desvario passa com o tempo, eis que a alma, batida pelo temporal das provações, refunde-se pouco a pouco, tranqüilizando-se para abraçar, por fim, as responsabilidades que criou para si mesma. André Luiz estava intrigado. "Quer dizer, então -- disse ele --, que não basta a romagem de purgação do Espírito depois da morte, nos lugares de treva e padecimento, para que os débitos da consciência sejam ressarcidos..." O Instrutor foi taxativo: "Perfeitamente, o desespero vale por demência a que as almas se atiram nas explosões de incontinência e revolta. Não serve como pagamento nos tribunais divinos". "Cessada a febre de loucura e rebelião, o Espírito culpado volve ao remorso e à penitência. Acalma-se como a terra que torna à serenidade e à paciência, depois de insultada pelo terremoto, não obstante amarfanhada e ferida. Então, como o solo que regressa ao serviço da plantação proveitosa, submete-se de novo à sementeira renovadora dos seus destinos." Druso lembrou, então, que a existência humana, por mais longa, é simples aprendizado em que o Espírito reclama benéficas restrições para restaurar o seu caminho. Usando novo corpo entre os se-melhantes, deve ele atender à renovação que lhe diz respeito e isso exige a centralização de suas forças mentais na experiência terrena a que, transitoriamente, se afeiçoa. André estava curioso, e se perguntava mentalmente: "Que tipo de Espíritos sofriam a pressão daquela tormenta?" Druso percebeu sua dúvida e, de pronto, aclarou: "Obrigado a pacientes e laboriosas investigações, por força de meus deveres, posso adiantar-lhes que às densas trevas em torno somente aportam as consciências que se entenebreceram nos crimes deliberados, apagando a luz do equilíbrio em si mesmas". (Capítulo 1, pp. 16 a 18)

5. Regiões infernais - "Nestas regiões inferiores -- prosseguiu Druso -- não transitam as almas simples, em qualquer aflição purgativa, situadas que se encontram nos erros naturais das experiências primárias. Cada ser está jungido, por impositivos da atração magnética, ao círculo de evolução que lhe é próprio. Os selvagens, em grande maioria, até que se lhes desenvolva o mundo mental, vivem quase sempre confinados à floresta que lhes resume os interesses e os sonhos, retirando-se vagarosamente do seu campo tribal, sob a direção dos Espíritos benevolentes e sábios que os assistem..." Nas zonas in-fernais propriamente ditas residem apenas os que, conhecendo suas responsabilidades morais, delas se ausentaram, deliberadamente. O inferno pode ser definido, pois, como vasto campo de desequilíbrio, estabelecido pela maldade calculada, nascido da cegueira voluntária e da perversidade completa. Estando em conexão com a Humanidade terrestre, de vez que todos os padecimentos infernais são criações dela mesma, esses lugares funcionam como crivos necessários para todos os Espíritos que escorregam nas deserções de ordem geral e menosprezam as responsabilidades que o Senhor lhes outorga. Os gênios infernais que supõem governar a região, com poder infalível, ali vivem por tempo indeterminado; as criaturas perversas que com eles se afinam, embora lhes padeçam a dominação, prendem-se ali por largos anos, e as almas transviadas na delinqüência e no vício, com possibilidades de próxima recuperação, ali permanecem em estágios ligeiros ou regulares, aprendendo que o preço das paixões é demasiado terrível. Druso concluiu, então: "Segundo é fácil reconhecer, se a treva é a moldura que imprime destaque à luz, o inferno, como região de sofrimento e desarmonia, é perfeitamente cabível, representando um estabelecimento justo de filtragem do Espírito, a caminho da Vida Superior. Todos os lugares infernais surgem, vivem e desaparecem com a aprovação do Senhor, que tolera semelhantes criações das almas humanas, como um pai que suporta as chagas adquiridas pelos seus filhos e que se vale delas para ajudá-los a valorizar a saúde". (Capítulo 1, pp. 18 a 21.)

6. Estamos ligados às nossas obras - A expressiva assembléia que lotava o recinto era, em grande parte, desagradável e triste. O número de enfermos perfazia, aproximadamente, duas centenas, sendo que mais de dois terços apresentavam deformidades fisionômicas. A quase completa quietude reinante no ambiente, apesar da tempestade que rugia lá fora, devia-se ao fato de estarem os enfermos localizados em um salão interior da cidadela, revestido exteriormente de abafadores de som. Druso pediu a um dos enfermos que proferisse a oração de início e, em seguida, como se estivesse conversando numa roda de amigos, falou com naturalidade: "Irmãos, continuemos hoje em nosso comentário acerca do bom ânimo. Não me creiam separado de vocês por virtudes que não possuo. A palavra fácil e bem posta é, muita vez, dever espinhoso em nossa boca, constrangendo-nos à reflexão e à disciplina. Também sou aqui um companheiro à espera da volta. A prisão redentora da carne acena-nos ao regresso". O Instrutor falou-lhes então da idéia errônea que as pessoas fazem da morte, julgando que esta seja ponto final dos nossos problemas, enquanto muitos se acreditam privilegiados da Infinita Bondade, por haverem abraçado atitudes de superfície, nos templos religiosos. "A viagem do sepulcro, no entanto, ensinou-nos uma lição grande e nova -- a de que nos achamos indissoluvelmente ligados às nossas próprias obras", acentuou Druso. "Nossos atos tecem asas de libertação ou algemas de cativeiro, para a nossa vitória ou nossa perda. A ninguém devemos o destino senão a nós próprios." (Capítulo 2, pp. 23 a 25)

7. O pretérito fala em nós, exigente - Continuando, o Instrutor falou sobre a sabedoria e a bondade do Pai Celeste, cuja justiça "não se revela sem amor". "Se somos vítimas de nós mesmos -- disse Druso -- somos igualmente beneficiários da Tolerância Divina, que nos descerra os santuários da vida para que saibamos expiar e solver, restaurar e ressarcir. Na retaguarda, aniquilávamos o tempo, instilando nos outros sentimentos e pensamentos que não desejávamos para nós, quando não es-tabelecíamos pela crueldade e pelo orgulho vasta sementeira de ódio e perseguição." A desarmonia e o sofrimento resultam, pois, de semelhantes atitudes: "O pretérito fala em nós com gritos de credor exigente, amontoando sobre as nossas cabeças os frutos amargos da plantação que fizemos... Daí os desajustes e enfermidades que nos assaltam a mente, desarticulando-nos os veículos de manifestação". Druso lembrou-lhes, então, que as ligações com a retaguarda continuam vivas e que laços de afetividade mal dirigida e cadeias de aversão os aprisionavam, ainda, a companheiros encarnados e desencarnados, muitos deles em desequilíbrios mais graves e constringentes... Sua mensagem era de ânimo: "Achamo-nos imbuídos do sonho de renovação e paz, aspirando à imersão na Vida Superior, entretanto, quem poderia adquirir respeitabilidade sem quitar-se com a Lei?" "Ninguém avança para a frente sem pagar as dívidas que contraiu." Após breve pausa, e indicando com um gesto a torturante paisagem exterior, Druso prosseguiu em tom comovente: "Em derredor do nosso pouso de trabalho e esperança, alongam-se flagelos infernais... Quantas almas petrificadas na rebelião e na indisciplina aí se desmandam no aviltamento de si mesmas?" Lembrou, porém, que a Lei Divina funciona com igualdade para todos. E' por isso que nossa consciência reflete a treva ou a luz de nossas criações individuais. A luz, aclarando-nos a visão, descortina-nos a estrada. A treva, enceguecendo-nos, agrilhoa-nos ao cárcere de nossos erros. O Espírito em harmonia com a Vontade Divina descortina o horizonte e caminha, para diante; no entanto, aquele que abusa da vontade e da razão, quebrando a corrente das bênçãos divinas, modela a sombra em torno de si mesmo, insulando-se em pesadelos aflitivos, incapaz de seguir à frente. A re-encarnação, como recomeço de aprendizado, é-nos, pois, concessão da Bondade Excelsa que nos cabe aproveitar, no resgate imprescindível. (Capítulo 2, pp. 25 e 26)

8. A porta de saída do inferno - Druso mostrava com suas palavras que, dispondo de novas oportunidades de trabalho no campo físico, é possível refazer o destino, "solvendo obscuros compromissos e, sobretudo, promovendo novas sementeiras de afeição e dignidade, esclarecimento e ascensão". De volta à carne -- explicou ele --, teremos a felicidade de reencontrar velhos inimigos, sob o véu de temporário esquecimento, o que nos facilitará a reaproximação preciosa. Dependerá, desse modo, apenas de nós mesmos convertê-los em amigos e companheiros, de vez que, padecendo-lhes a incompreensão e a antipatia, com humildade e amor sublimaremos nossos sentimentos e pensamentos, plasmando novos valores de vida eterna em nossas almas. A assembléia escutava o Instrutor, suspensa nas flamas de elevada meditação. Alguns dos enfermos tinham lágrimas nos olhos, enquanto outros mostravam o semblante extático dos que se conservam entre o consolo e a esperança. Druso, então, continuou: "Somos Espíritos endividados, com a obrigação de dar tudo, em favor da nossa renovação. Comecemos a articular idéias redentoras e edificantes, desde agora, favorecendo a reconstrução do nosso futuro. Disponhamo-nos a desculpar os que nos ofenderam, com o sincero propósito de rogar perdão às nossas vítimas. Cultivando a oração com serviço ao próximo, reconheçamos na dificuldade o gênio bom que nos auxilia, a desafiar-nos ao maior esforço. Reunindo todas as possibilidades ao nosso alcance, espalhemos, nas províncias de treva e dor que nos rodeiam, o socorro da prece e o concurso do braço fraternal, preparando o regresso ao campo de luta -- o plano carnal --, em que o Senhor pela bênção de um corpo novo nos ajudará a esquecer o mal e replantar o bem. Para nós, herdeiros de longo passado culposo, a esfera das formas físicas simboliza a porta de saída do inferno que criamos". Druso, que estampava na voz a inflexão de quem trazia uma dor imensamente sofrida, concluiu então a sua mensagem: "Supliquemos ao Senhor nos conceda forças para a vitória --, vitória que nascerá em nós para a grande compreensão. Somente assim, ao preço de sacrifício no reajuste, conseguiremos o passaporte libertador!..." (Capítulo 2, pp. 27 e 28)

9. Efeitos do amor mal conduzido - Tão logo Druso se calou, uma senhora triste dirigiu-se a ele em lágrimas: "Meu amigo, releve-me a intromissão. Quando partirei para o campo terrestre com meu filho? Tanto quanto posso, visito-o nas trevas... Não me vê, nem me escuta... Sem se dar conta da miséria moral a que se acolhe, continua autoritário e orgulhoso... Paulo, no entanto, não é para mim um inimigo... é um filho inolvidável... Ah! como pode o amor contrair tamanho débito?!..." O Instrutor, antes de dizer àquela senhora que em breve se daria o retorno de ambos ao cenário terrestre, para o necessário resgate, ponderou-lhe que o amor é força divina que freqüentemente aviltamos. Com ela temos inventado o ódio e o desequilíbrio, a crueldade e o remorso, que nos fixam indefinidamente nas sombras... "Quase sempre -- disse ele --, é mais pelo amor que nos enredamos em pungentes labirintos no tocante à Lei... amor mal interpretado... mal conduzido..." A pobrezinha se retirou com um sorriso de paciência e Druso confidenciou: "Nossa irmã possui excelentes qualidades morais, mas não soube orientar o sentimento materno para com o filho que jaz nas sombras. Instilou nele idéias de superioridade malsã, que se lhe cristalizaram na mente, favorecendo-lhe os acessos de rebeldia e brutalidade. Transformando-se em tiranete social, o infeliz foi fisgado, sem perceber, ao pântano tenebroso, em seguida à morte do corpo, e a desventurada genitora, sentindo-se responsável pela sementeira de enganos que lhe arruinou a vida, hoje se esforça por reavê-lo". E, respondendo uma pergunta de Hilário, informou: "Nossa irmã, que amoleceu a fibra da responsabilidade moral no excesso de reconforto, voltará à reencarnação em círculo paupérrimo, recebendo aí, quando novamente mulher jovem, então desprotegida, o filho que ela própria complicou nas antigas fantasias de mulher fútil e rica. Ser-lhe-á, na carência de recursos econômicos, a inspiradora de heroísmo e coragem, regenerando-lhe a visão da vida e purificando-lhe as energias na forja da dificuldade e do sofrimento". Se vencerem, eis a felicidade almejada. Se novamente se perderem, "regressarão em piores condições aos precipícios que nos circundam", acrescentou Druso. (Capítulo 2, pp. 28 a 30)

10. Esquecimento do passado - Logo depois, um velhinho cambaleante aproximou-se dizendo: "Ah! meu Instrutor, estou cansado de trabalhar nos tropeços daqui!... Há vinte anos carrego doentes loucos e revoltados para este asilo!... Quando terei meu corpo na Terra para descansar no esquecimento da carne, aos pés dos meus?" Druso afagou-lhe a cabeça e respondeu, comovido: "Não desfaleça, meu filho! Console-se! Também nós, faz muitos anos, estamos presos a esta casa, por injunções de nosso dever. Sirvamos com alegria. O dia de nossa mudança será determinado pelo Senhor". O ancião calou-se. Um moço quis saber, então, por que não se lembrava de suas existências anteriores. O Instrutor respondeu: "Bem, os Espíritos que na vida física atendem aos seus deveres com exatidão, retomam pacificamente os domínios da memória, tão logo se desenfaixam do corpo denso, reentrando em comunhão com os laços nobres e dignos que os aguardam na Vida Superior, para a continuidade do serviço de aperfeiçoamento e sublimação que lhes diz respeito; contudo, para nós, consciências intranqüilas, a morte no veículo carnal não exprime libertação. Perdemos o carro fisiológico, mas prosseguimos atados ao pelourinho invisível de nossas culpas; e a culpa, meu amigo, é sempre uma nesga de sombra eclipsando-nos a visão". "Nossas faculdades mnemônicas, relativamente às nossas quedas morais, assemelham-se, de certo modo, às conhecidas chapas fotográficas, as quais, se não forem convenientemente protegidas, sempre se inutilizam." Após ligeira pausa, Druso continuou: "Imaginemos a mente como sendo um lago. Se as águas se acham pacificadas e límpidas, a luz do firmamento pode retratar-se nele com segurança. Mas, se as águas vivem revoltas, as imagens se perdem..." Se nosso pensamento vive preso aos sítios e paisagens da Crosta, identificando-se com as reminiscências que permanecem ao longe -- o lar, a família, os compromissos mal resolvidos --, tudo isso representará lastro, inclinando a mente para o mundo físico... Indispensável, pois, libertar o espelho da mente que jaz sob a alma do arrependimento, do remorso e da culpa, "e esse espelho divino refletirá o Sol com todo o esplendor de sua pureza". (Capítulo 2, pp. 30 a 32)

11. Dificuldades à vista - A explicação de Druso foi interrompida com a chegada do Assistente Barreto, que, exibindo recôndita aflição a sombrear-lhe os olhos, avisou que, na Enfermaria Cinco, três dos irmãos recém-acolhidos entraram em crise de angústia e rebeldia... Druso determinou, de imediato: "Retire os enfermos normais e aplique na enfermaria os raios de choque. Não dispomos de outro recurso". Tratava-se de um caso de loucura por telepatia alucinatória. Os recém-chegados não estavam, ainda, suficientemente fortes para resistir ao impacto das forças perversas que lhes eram desfechadas, a distância, por companheiros infelizes. Logo que Barreto saiu, outro servidor notificou: "Instrutor, a tela de aviso que não funcionava, em conseqüência da tormenta agora em declínio, acaba de transmitir aflitiva mensagem... Duas das nossas expedições de pesquisas estão em dificuldade nos desfiladeiros das Grandes Trevas..." Druso recomendou-lhe desse ciência do fato ao diretor de operações urgentes, para que o auxílio fosse enviado o mais depressa possível. Chegou então, de modo inesperado, outro colaborador, que pediu: "Instrutor, rogo-lhe providências na solução do caso Jonas. Recolhemos agora um recado de nossos irmãos, cientificando-nos de que a reencarnação dele talvez seja frustrada em de-finitivo". O dirigente da Mansão, mostrando intensa preocupação no olhar, indagou: "Em que consiste o obstáculo?" "Cecina, a futura mãezinha -- informou o mensageiro --, sentindo-lhe os fluidos grosseiros, nega-se a recebê-lo. Estamos presenciando a quarta tentativa de aborto, no terceiro mês de gestação, e vimos fazendo o que é possível por mantê-la na dignidade maternal." O Instrutor, esclarecendo ser preciso que Jonas ficasse pelo menos sete anos no corpo físico, determinou que Cecina fosse trazida até a Mansão, tão logo se entregasse ao sono natural, para que a pudessem auxiliar com a necessária intervenção magnética. (Capítulo 3, pp. 33 e 34)

12. Reencarnações expiatórias - André Luiz estava intrigado. Quem eram aqueles funcionários que se dirigiam assim ao Instrutor, com tantas consultas, quando os trabalhos da administração poderiam ser subdivididos? O Assistente Silas, a quem André dirigiu suas dúvidas, informou que aqueles mensageiros não eram simples tarefeiros, mas condutores de serviço em subchefias determinadas, todos eles Assistentes e Assessores, cultos e dignos, com enormes responsabilidades, e que somente demandavam a presença de Druso, depois de movimentarem todas as providências cabíveis no âmbito de sua autoridade. O problema não era, pois, de centralização, mas de luta intensiva. Para explicar o caso da reencarnação de Jonas, que perigava, Silas falou-lhe: "Para que me faça compreendido, convém esclarecer que, se existem reencarnações ligadas aos planos superiores, temos aquelas que se enraízam diretamente nos planos inferiores. Se a penitenciária vigora entre os homens, em função da criminalidade corrente no mundo, o inferno existe, na Espiritualidade, em função da culpa nas consciências. E assim como já podemos contar na esfera carnal com uma justiça sinceramente interessada em auxiliar os delinqüentes na recuperação, através do livramento condicional e das prisões-escolas, organizadas pelas próprias autoridades que dirigem os tribunais humanos em nome das leis, aqui também os representantes do Amor Divino podem mobilizar recursos de misericórdia, beneficiando Espíritos devedores, desde que se mostrem dignos do socorro que lhes abrevie o resgate e a regeneração". Há, assim, reencarnações que valem como "preciosas oportunidades de libertação dos círculos tenebrosos". Como tais renascimentos na carne não possuem senão característicos de trabalho expiatório, em muitas ocasiões são empreendimentos planejados e executados ali mesmo, por benfeitores credenciados para agir e ajudar em nome do Senhor. Druso gozava, nesse sentido, de relativa competência, como autoridade intermediária, nos processos reencarnatórios. Duas vezes por semana, ele e seus Assistentes reuniam-se no Cenáculo da Mansão (templo íntimo da instituição) e os mensageiros da luz -- prepostos das Inteligências angélicas --, por instrumentos adequados, deliberavam quanto ao assunto, apreciando os processos que a Casa lhes apresentava. Silas, sorrindo, acrescentou: "Assim como o doente exige remédio, reclamamos a purgação espiritual, a fim de que nos habilitemos para a vida nas esferas superiores. O inferno para a alma que o erigiu em si mesma é aquilo que a forja constitui para o metal: ali ele se apura e se modela convenientemente..." (Capítulo 3, pp. 35 e 36)

13. A Mansão é atacada - Silas ia continuar, quando estranho ruído chamou-lhe a atenção. Um mensageiro abeirou-se, então, de Druso e anunciou que, depois de amainada a tormenta, voltara o assalto dos raios desintegrantes. O dirigente determinou fossem ligadas as baterias de exaustão e convidou André e Hilário a irem com ele observar a defensiva, instalados na Agulha de Vigilância. Após percorrerem vastíssimos corredores e largos salões, subiram a uma torre, provida de escadaria helicoidal, algumas dezenas de metros acima do grande edifício. No topo, André viu em pequeno gabinete interessantes aparelhos que lhes permitiram contemplar a paisagem exterior. Assemelhavam-se a telescópios diminutos, que funcionavam como lançadores de raios que eliminavam o nevoeiro, permitindo-lhes a exata noção do ambiente constrangedor que os cercava, povoado de criaturas agressivas e exóticas, a fugir, espavoridas, ante vasto grupo de entidades que manobravam curiosas máquinas à guisa de canhonetes. A instituição estava assediada por um exército de irmãos infelizes. Com semelhante invasão -- que era ali fato comum -- os infelizes pretendiam deslocar a Mansão e levar seus trabalhadores à inércia, a fim de senhorearem a região. Os adversários valiam-se de equipagens estranhas. "Podemos defini-las como canhões de bombardeio eletrônico -- informou Druso. -- As descargas sobre nós são cuidadosamente estudadas, a fim de que nos atinjam sem erro na velocidade de arremesso." E se elas alcançassem o alvo? A esta pergunta, o dirigente respondeu: "Decerto provocariam aqui fenômenos de desintegração, suscetíveis de conduzir-nos à ruína total, sem nos referirmos às perturbações que estabeleceriam em nossos irmãos doentes, ainda incapazes de qualquer esforço para a emigração, porque os raios desfechados contra nós contêm princípios de flagelação, que provocam as piores crises de pavor e loucura". (Capítulo 3, pp. 36 a 38)

14. A paz não nos vem pela inércia - Ruído soturno vibrava na atmosfera. Tinha-se a impressão de que milhares de projéteis invisíveis cortavam o ar, violentamente, sibilando a reduzida distância e acabando em estalidos secos, a infundir em André e Hilário pavorosa impressão. Druso confortou-os: "Estejamos tranqüilos. Nossas barreiras de exaustão funcionam com eficiência". Em seguida, mostrou-lhes longa muralha, constituída por milhares de hastes metálicas, cercando a cidadela em toda a extensão, qual se fosse larga série de pára-raios habilmente dispostos. Em todos os lances do flanco atacado, surgiam faíscas elétricas, a fulgurarem nos pontos de contacto, atraídas pelas pontas a prumo. "Os conflitos aqui são incessantes -- disse Druso --; no entanto, temos aprendido nesta Mansão que a paz não é conquista da inércia, mas sim fruto do equilíbrio entre a fé no Poder Divino e a confiança em nós mesmos, no serviço pela vitória do bem." Dito isto, o Instrutor foi atender um doente recolhido na noite anterior, que nada dizia, nem dera nenhum indício de identificação. Estava ele numa sala de regulares proporções, que primava pela simplicidade e pelo azul repousante. Em uma mesa desmontável, aquele homem disforme estirava-se em decúbito dorsal, respirando apenas. O aspecto do infeliz era repelente, apesar dos cuidados de que já fora objeto. Parecia sofrer inqualificável hipertrofia, mostrando braços e pernas enormes. O aumento volumétrico do corpo perispirítico era, no entanto, mais desagradável justamente na máscara fisionômica, em que todos os traços se confundiam: a cabeça do enfermo era tal qual uma esfera estranha. (Capítulo 3, pp. 38 e 39)

15. A deformidade é de origem espiritual - O infeliz fora trazido até a Mansão por uma de suas expedições socorristas. Por enquanto, nada se sabia a seu respeito, salvo que deixara o círculo carnal sob o império de terrível obsessão, tão terrível que não pôde recolher o amparo espiritual das legiões caridosas que operam nos túmulos. "As regiões infernais -- lembrou Druso -- estão superlotadas do sofrimento que nós mesmos criamos. Precisamos equilibrar a coragem e a compaixão no mesmo nível, para atender com segurança aos nossos compromissos nestes lugares." Aludindo, em seguida, à causa da deformidade do infeliz irmão, o Instrutor informou a André: "O fenômeno, todo ele, é de natureza espiritual. Recorda-se você de que a dor no veículo físico é um acontecimento real no encéfalo, mas puramente imaginário no órgão que supõe experimentá-la. A mente, através das células cerebrais, registra a desarmonia corpórea, constrangendo a urdidura orgânica ao serviço, por vezes torturado e difícil, do reajuste. Aqui, também, o aspecto anormal, até monstruoso, resulta dos desequilíbrios dominantes na mente que, viciada por certas impressões ou vulcanizada pelo sofrimento, perde temporariamente o governo da forma, permitindo que os delicados tecidos do corpo perispirítico se perturbem, tumultuados, em condições anormais". "Em tal situação -- acrescentou Druso --, a alma pode cair sob o cativeiro de Inteligências perversas e daí procedem as ocorrências deploráveis pelas quais se despenha em transitória animalização por efeito hipnótico." O Instrutor inclinou-se, então, sobre o enfermo, com a ternura de alguém que auscultasse um irmão muito amado, propondo: "Procuremos ouvi-lo". Incapaz de conter o assombro que o empolgava, André perguntou se ele dormia. Druso fez um gesto afirmativo, esclarecendo que o irmão se encontrava sob terrível hipnose. "Inegavelmente -- aduziu o dirigente --, foi conduzido a essa posição por adversários temíveis, que, decerto, para torturá-lo, fixaram-lhe a mente em alguma penosa recordação." Qual seria a causa daquele martírio? Druso explicou que, excetuados os sacrifícios escolhidos pelas grandes almas, "não se ergue o espinheiro do sofrimento sem as raízes da culpa". "Para atingir a miserabilidade em que se encontra, nosso irmão terá acumulado débitos sobremaneira escabrosos." (Capítulo 3, pp. 39 a 41)

16. A entidade começa a falar - Druso passou, ato contínuo, a atuar diretamente sobre o enfermo, explicando: "Desintegremos as forças magnéticas que lhe constringem os centros vitais e ajudemo-lhe a memória, para que se liberte e fale". André e Hilário estabeleceram, então, uma corrente de oração, que colaborou para fortalecer o Instrutor, que passou, assim, a operar magneticamente, aplicando passes dispersivos no companheiro em prostração. Decorridos alguns minutos, Druso pousou a destra sobre a cabeça disforme, como se lhe chamasse a memória ao necessário despertamento e, logo em seguida, o desventurado começou a gemer, revelando o pavor de quem suspira por desvencilhar-se de um pesadelo. O Instrutor interrompeu, porém, a operação, deixando o enfermo naquele estado, o que levou Hilário a indagar, aflito: "Deverá permanecer, então, assim, à beira da vigília, sem reapossar-se de si mesmo?" Druso respondeu: "Não lhe convém o imediato retorno à realidade. Poderia sofrer deplorável crise de loucura, com graves conseqüências. Conversará conosco, assim qual se vê, com a mente enovelada à idéia fixa que lhe encarcera os pensamentos no mesmo círculo vicioso, a fim de que lhe venhamos a conhecer o problema crucial, sem qualquer distorção". A palavra do dirigente denotava grande experiência na psicologia dos Espíritos vitimados nas trevas. Druso fez nova intervenção sobre a glote. O infeliz descerrou as pálpebras e, mostrando os olhos esgazeados, começou a bramir: "Socorro! socorro!... sou culpado, culpado!... Não posso mais... Perdão! perdão!" Dirigindo-se ao Instrutor, e pensando que ele fosse algum juiz, exclamou: "Senhor juiz, senhor juiz!... até que enfim, posso falar! Deixem-me falar!..." Druso afagou-lhe a cabeça atormentada e replicou em tom amigo: "Diga, diga o que deseja". O rosto do enfermo cobriu-se de lágrimas e ele começou a falar, compungidamente: "Sou Antônio Olímpio... o criminoso!... Contarei tudo". (Capítulo 3, pp. 41 e 42)

2a R E U N I Ã O

(Fonte: capítulos 3 a 6.)

1. O caso Antônio Olímpio - Antônio Olímpio revelou ali, de forma comovente, a sua triste história: "O fogo tortura minhalma sem consumi-la... E' o remorso, bem sei... Se eu soubesse, não teria... cometido a falta... entretanto, não pude resistir à ambição... Depois da morte de meu pai... vi-me obrigado... a partilhar nossa grande fazenda com meus dois irmãos mais novos... Clarindo e Leonel... Trazia, porém, a cabeça... dominada de planos... Pretendia converter a propriedade... que eu administrava... em larga fonte de renda, contudo... a partilha me estorvava... Notei que os manos... tinham idéias diferentes das minhas... e comecei a maquinar o projeto que acabei... executando..." (Uma crise de soluços embargou-lhe a voz, mas Druso, amparando-o magneticamente, insistiu para que continuasse.) "Admiti -- prosseguiu a Entidade enferma -- que somente poderia ser feliz, aniquilando meus irmãos e... quando o inventário estava prestes a decidir-se, convidei-os a passear comigo... de barco... inspecionando grande lago de nosso sítio... Antes, porém, dei-lhes a beber um licor entorpecente... Calculei o tempo que a droga reclamaria para um efeito seguro e... quando a nossa conversação ia acesa... percebendo-lhes os sinais de fadiga... num gesto deliberado desequilibrei a embarcação, em conhecido trecho... onde as águas eram mais fundas... Ah! que calamidade inesquecível!... Ainda agora, escuto-lhes os brados arrepiantes de horror, implorando socorro... mas... de nervos dormentes... a breves minutos... encontraram a morte... Nadei de consciência pesada, mas firme em meus aloucados propósitos... abordando a praia e clamando por auxílio... Com atitudes estudadas, pintei um imaginário acidente... Foi assim que me apossei da fazenda inteira, legando-a, mais tarde, a Luís... o meu filho único... Fui um homem rico e tido por honesto... O dinheiro granjeou-me considerações sociais e privilégios públicos que a política distribui com todos aqueles que se fazem vencedores no mundo... pela sagacidade e pela inteligência... De quando em quando... recordava meu crime... nuvem constante a sombrear-me a consciência... mas... em companhia de Alzira... a esposa inolvidável... procurava distrações e passeios que me tomavam a atenção..." (Capítulo 3, pp. 43 e 44)

2. Os irmãos se vingam - Olímpio prosseguiu sua narrativa: "Quando meu filho se fez jovem... minha mulher adoeceu gravemente... e da febre que a devorou por muitas semanas... passou à loucura... com a qual se afogou no lago... numa noite de horror. Viúvo... perguntava a mim mesmo se não estava sendo joguete... do fantasma de minhas vítimas... entretanto... temia todas as referências em torno da morte... e busquei simplesmente gozar a fortuna que era bem minha..." (Fez-se ligeira pausa.) "Ai de mim, porém!... -- informou a Entidade. -- Tão logo cerrei os olhos físicos... diante do sepulcro... não me valeram as preces pagas... porque meus irmãos que eu supunha mortos... se fizeram visíveis à minha frente... Transformados em vingadores, ladearam-me o túmulo... Atiraram-me o crime em rosto... cobriram-me de impropérios e flagelaram-me sem compaixão... até que... talvez... cansados de me espancarem... conduziram-me a tenebrosa furna... onde fui reduzido ao pesadelo em que me encontro... Em meu pensamento... vejo apenas o barco no crepúsculo sinistro... ouvindo os brados de minhas vítimas... que soluçam e gargalham estranhamente... Ai de mim!... estou preso à terrível embarcação... sem que me possa desvencilhar... Quem me fará dormir ou morrer?..." (Aliviado pela confissão, o doente arrojou-se a enorme apatia.) Druso enxugou-lhe o pranto e dirigiu-lhe palavras de consolo e carinho, recomendando ao Assistente recolhê-lo em enfermaria especializada, quando um mensageiro avisou que uma caravana de recém-desencarnados estava prestes a chegar à Mansão. (Capítulo 3, pp. 44 e 45)

3. A caravana - André, logo em seguida, acompanhou Druso a um largo recinto construído à feição de um pátio inferior de proporções bem amplas. Dezenas de entidades em franca expectativa ali se encontravam, mas não havia sinais de alegria completa em rosto algum. Os grupos variados dividiam-se entre a preocupação e a tristeza. Num deles, uma senhora dizia a um rapaz de semblante agoniado: "Meu filho, guarde serenidade. Segundo informações do Assistente Cláudio, seu pai não virá em condições de reconhecer-nos. Precisará muito tempo para retornar a si". Druso, porque tinha obrigações urgentes a cumprir, confiou André aos cuidados de Silas, prometendo reencontrá-lo no dia seguinte. A sombra reinante não permitia saber se era dia ou noite. Por isso, o grande relógio ali existente, com largo mostrador abrangendo as vinte e quatro horas, funcionava aos seus olhos como a bússola para o viajante. (O autor do livro lembra que se tratava de região encravada nos domínios do próprio globo terrestre, submetida às mesmas leis que regulam o tempo.) Sons de campanas invisíveis cortavam o ar, o que indicava, segundo Silas, que a caravana penetraria no recinto em minutos. O companheiro espiritual informou que as entidades prestes a entrar integravam uma equipe de 19 pessoas, acompanhadas por dez servidores da Mansão, que lhes orientavam a excursão. Tratava-se de recém-desencarnados em desequilíbrio mental, mas credores de imediata assistência, vez que não se achavam em desesperação, nem se haviam comprometido de todo com as forças dominantes nas trevas. (Capítulo 4, pp. 47 a 49)

4. A moça que não queria morrer - A caravana se constituía de trabalhadores especializados que, sob a chefia de um Atendente, viajavam com simplicidade, sem carros de estilo, conduzindo apenas o material indispensável à locomoção no pesado ambiente das sombras, auxiliados por alguns cães inteligentes e prestimosos. A Mansão contava com dois grupos dessa natureza, que se revezavam no labor socorrista: diariamente um deles atingia aquele pouso de reajuste, mas não se obedecia a horá-rio certo para a chegada, de vez que a peregrinação pelos domínios das trevas dependia de fatores circunstanciais. Quando a caravana chegou, André observou que os cooperadores responsáveis estavam aparentemente calmos. Os enfermos recolhidos à Casa, com exceção dos que foram conduzidos de maca, desmemoriados e dormentes, revelavam, porém, perturbações manifestas que, em alguns, se expressavam por loucura desagradável, embora pacífica. Os cães se deitaram, extenuados. Afeiçoados e parentes dos recém-chegados os cercavam com expressões de alegria e sofrimento; alguns derramavam lágrimas discretas. As criaturas recém-desligadas do corpo denso, conturbadas ainda, traziam consigo todos os sinais das moléstias que lhes haviam imposto a desencarnação. Uma jovem recém-liberta da vida física rogava, abraçada à própria mãe que a aguardara: "Não me deixem morrer!... não me deixem morrer!..." E, enclausurada na lembrança dos derradeiros momentos no corpo terrestres, avançou para Silas, exclamando: "Padre! padre, deixa cair sobre mim a bênção da extrema-unção; contudo, afasta de minhalma a foice da morte!... Tentei apagar minha falta na fonte da caridade para com os desprotegidos da sorte, mas a ingratidão, praticada com minha mãe, fala muito alto em minha consciência infeliz!... Ah! por que o orgulho me encegueceu, assim tanto, a ponto de condená-la à mi-séria?!... Por que não possuía eu, há vinte anos, a compreensão que tenho agora? Pobrezinha, meu padre! Lembra-se dela? Era uma atriz humilde que me criou com imensa doçura!... Concentrou em mim a existência... Da ribalta festiva, desceu a rude labor doméstico para conquistar nosso pão... Tinha a sociedade contra ela, e meu pai, sem ânimo de lutar pela felicidade de todos nós, deixou-a arrastar-se na extrema pobreza, acovardado e infiel aos compromissos que livremente assumira..." (Capítulo 4, pp. 49 e 50)

5. A causa do remorso - Sem perceber que sua mãe a conchegava de encontro ao peito, e de mente aprisionada à confissão que fizera "in extremis", a moça continuou, como se o sacerdote ali permanecesse: "Padre, perdoe-me, em nome de Jesus, entretanto, quando me vi jovem e senhora de vultoso dote que meu pai me conferira, envergonhei-me do anjo maternal que sobre os meus dias estendera as brancas asas e, aliando-me ao homem vaidoso que desposei, expulsei-a de nossa casa!... Oh! ainda sinto o frio daquela terrível noite de adeus!... Atirei-lhe ao rosto frases cruéis... Para justificar minha vileza de coração, caluniei-a sem piedade!... Pretendendo elevar-me no conceito do homem que desposara, menti que ela não era minha mãe! apontei-a como ladra comum que me roubara ao nascer!... Lembro-me do olhar de dor e compaixão que me lançou ao despedir-se... Não se queixou, nem reagiu... Apenas contemplou-me, tristemente, com os olhos túrgidos de chorar!..." Nesse ponto, a mãe daquela jovem, afagando-lhe os cabelos em desalinho, buscou reconfortá-la: "Não se excite. Descanse... descanse..." A moça notou que a voz que dissera tal frase era parecida com a de sua mãe e, desvairando-se de angústia, rogou, em pranto: "O' Deus, não me deixes encontrá-la, sem que pague os meus débitos!... Senhor, compadecei-vos de mim, pecadora que Vos ofendi, humilhando e ferindo a amorosa mãe que me destes!..." Com o auxílio de duas enfermeiras, porém, a simpática senhora que a acalentava situou-a em leito portátil e fê-la emudecer, à força de inexcedível ternura. Silas explicou que a genitora da infeliz iria acompanhá-la no tratamento, sem identificar-se, para que a moça não sofresse abalos prejudiciais. "O traumatismo perispirítico -- explicou ele -- vale por muito tempo de desequilíbrio e aflição." O caso tocara fundo em André. Não havia, então, males ocultos na Terra!... Todos os crimes e todas as falhas da criatura humana se revelariam algum dia, em algum lugar!... O Assistente captou a amargura das reflexões de André, observando: "Sim, meu amigo, você repara com acerto. A Criação de Deus é gloriosa luz. Qualquer sombra de nossa consciência jaz impressa em nossa vida até que a mácula seja lavada por nós mesmos, com o suor do trabalho ou com o pranto da expiação..." Lembrou, contudo, que "a Bondade Infinita do Senhor permite que as vítimas edificadas no entendimento e no perdão se transformem, felizes, em abnegados cireneus dos antigos verdugos". (Capítulo 4, pp. 51 a 53)

6. O demônio Belfegor - Em seguida, outra mulher prorrompeu em choro convulso e, de punhos cerrados, reclamou: "Quem me libertará de Satã? quem me livrará do poder das trevas? Santos anjos, socorrei-me! Socorrei-me contra o temível Belfegor!..." O amparo magnético à enferma foi imediato, mas ela repetiu: "Maldito! Maldito!...", até que o concurso da prece levou-a a adormecer, pouco a pouco. Asserenado o ambiente, André sondou-lhe a mente conturbada. A pobre amiga era portadora de pensamentos horripilantes. Como que a se lhe enraizar no cérebro, via escapar-se-lhe do campo íntimo a figura animalesca de um homem agigantado, de longa cauda, com a fisionomia de um caprino degenerado, exibindo pés em forma de garras e ostentando dois chifres, qual se vivesse em perfeita simbiose com a infortunada. O Assistente explicou tratar-se de um clichê mental, criado e nutrido por ela mesma. As idéias macabras da magia aviltante, como as da bruxaria e do demonismo que as igrejas chamadas cristãs propagam, a pretexto de combatê-las, geram imagens como essa, estabelecendo epidemias de pavor alucinatório. As Entidades entregues à perversão valem-se desses quadros e imprimem-lhes temporária vitalidade... Hilário, que também observara o duelo íntimo entre a enferma e a forma-pensamento, falou: "Lembro-me de haver manuseado, há muitos anos, na Terra, um livro de autoria de Collin de Plancy, aprovado pelo arcebispo de Paris, trazendo a descrição minuciosa de diversos demônios, e creio haver visto uma figura gravada nessa obra, semelhante à que temos sob nossa direta observação". Silas confirmou: "Isso mesmo. E' o demônio Belfegor, segundo as anotações de Jean Weier, que imprevidentes autoridades da Igreja permitiram se espalhasse nos círculos católicos". (Capítulo 4, pp. 53 e 54)

7. O pensamento é mais veloz que a luz - O caso anterior mostra que estamos ainda longe de conhecer todo o poder criador e aglutinante encerrado no pensamento puro e simples; por isso, tudo devemos fazer por libertar os entes humanos de todas as expressões perturbadoras da vida íntima. "Tudo o que nos escravize à ignorância e à miséria, à preguiça e ao egoísmo, à crueldade e ao crime é fortalecimento da treva contra a luz e do inferno contra o Céu", asseverou Silas. Em seguida, ele valeu-se do exemplo da televisão, para recordar que na radiofonia e na televisão os elétrons que carreiam as modulações da palavra e os elementos da imagem se deslocam no espaço com velocidade igual à da luz, ou seja, a 300.000 quilômetros por segundo. "Ora, num só local -- lembrou Silas -- podem funcionar um posto de emissão e outro de recepção, compreendendo-se que, num segundo, as palavras e as imagens podem ser irradiadas e captadas, simultaneamente, depois de atravessarem imensos domínios do espaço, em fração infinitesimal de tempo. Imaginemos agora o pensamento, força viva e atuante, cuja velocidade supera a da luz. Emitido por nós, volta inevitavelmente a nós mesmos, compelindo-nos a viver, de maneira espontânea, em sua onda de formas criadoras, que naturalmente se nos fixam no espírito quando alimentadas pelo combustível de nosso desejo ou de nossa atenção. Daí, a necessidade imperiosa de nos situarmos nos ideais mais nobres e nos propósitos mais puros da vida, porque energias atraem energias da mesma natureza, e, quando estacionários na viciação ou na sombra, as forças mentais que exteriorizamos retornam ao nosso espírito, reanimadas e intensificadas pelos elementos que com elas se harmonizam, engrossando, dessa forma, as grades da prisão em que nos detemos irre-fletidamente, convertendo-se-nos a alma num mundo fechado, em que as vozes e os quadros de nossos próprios pensamentos, acrescidos pelas sugestões daqueles que se ajustam ao nosso modo de ser, nos impõem reiteradas alucinações, anulando-nos, de modo temporário, os sentidos sutis." "Eis por que -- concluiu o Assistente --, efetuada a supressão do corpo somático, no fenômeno vulgar da morte, a criatura desencarnada, movimentando-se num veículo mais plástico e influenciável, pode permanecer longo tempo sob o cativeiro de suas criações menos construtivas, detendo-se em largas faixas de sofrimento e ilusão com aqueles que lhe vivem os mesmos enganos e pesadelos." (Cap. 4, pp. 55 a 57)

8. Um passeio fora da Mansão - A morte do corpo denso é sempre o primeiro passo para a colheita da vida. Não é, pois, sem razão que o Umbral viva repleto de homens e mulheres que vararam a grande fronteira, em plena conexão com a experiência carnal. Não existe, por isso, local melhor para se estudar os princípios de causa e efeito nas criaturas recém-desencarnadas. Foi esse o motivo que levou Silas a convidar André e Hilário a um rápido passeio pelos arredores. O Assistente comentou que as províncias infernais são mais adequadas às pesquisas em torno da lei de causa e efeito do que as regiões celestes, de vez que o crime e a expiação, o desequilíbrio e a dor fazem parte de nossos conhecimentos mais simples nas lides cotidianas, ao passo que a glória e o regozijo angélicos representam estados superiores de consciência que transcendem a nossa compreensão. "Estamos psiquicamente mais perto do mal e do sofrimento...", relembrou Silas. "Em razão disso, entendemos sem qualquer discrepância os problemas aflitivos que se multiplicam aqui." Após transporem largo portão, que dava acesso ao exterior, o grupo se deslocou, a contemplar os quadros tristes em derredor. Ò medida que se afastavam, penetravam mais profundamente na sombra densa, cada vez mais espessa, alumiada, contudo, aqui e ali, por tochas mortiças, como se a luz, nos sítios em torno, lutasse para sobreviver. Gritos, soluços, imprecações e blasfêmias emergiam da treva. Aquele local situava-se numa zona posterior à Mansão, em larga faixa superlotada de Entidades conturbadas e sofredoras, que pareciam relegadas à intempérie, fora da área abarcada pelos muros da instituição. (Capítulo 5, pp. 58 e 59)

9. Vastação purificadora - O aparente descaso para com aquelas criaturas tão sofridas levou Hilário a perguntar se não seria razoável que a Mansão as amparasse. O Assistente explicou que aquelas Entidades não apresentavam os necessários requisitos para serem assistidas. "Firme na execução do programa que lhe assiste -- informou Silas --, nossa casa não lhes podia abrir as portas de imediato, em face do desespero e da revolta em que se comprazem, mas também não desdenhava a possibilidade de prestar-lhes a ajuda possível, fora do campo de ação em que vive sediada." Ali se reuniam, de maneira indiscriminada, milhares de entidades, vítimas de seus pensamentos desvairados e sombrios. "Quando superam a crise de perturbação ou de angústia de que são portadoras, o que pode perdurar por dias, meses ou anos, são trazidas à nossa instituição que, tanto quanto possível, evita abrir-se às consciências ainda positivamente encravadas na revolta sistemática", informou Silas. Uma coisa é atender a Espíritos inconscientes e devedores; outra é lidar com criaturas insensatas e rebeladas. Aquelas entidades, embora vivessem fora dos muros do instituto, contavam, porém, com o amparo da Mansão, através de Entidades recuperadas que ali desenvolviam preciosas tarefas, incumbindo-se da assistência fraterna, em largos setores daquela região. Através destas, o instituto podia atender milhares de consciências necessitadas e saber com segurança quais os irmãos em sofrimento dignos de acesso à Casa, após a transformação gradual a que se ajustam. O amparo não impedia, porém, os assaltos por parte de Inteligências perversas, que ali eram também constantes, principalmente em torno das Entidades que largaram cúmplices bestializados em antros infernais ou em núcleos de atividades terrestres. Nesses casos, as vítimas dessas feras humanas padecem longos e inenarráveis suplícios, através da fascinação hipnótica de que muitos gênios do mal são cultores exímios. Silas refere-se a esses fatos como "fenômenos de flagelação compreensível que alguns místicos do mundo, em desdobramento mediúnico, no reino das trevas, classificaram como sendo vastação purificadora". (Capítulo 5, pp. 59 a 61)

10. Uma casinha em meio ao nevoeiro - Como Hilário não entendesse o porquê da flagelação imposta àqueles Espíritos, Silas ponderou: "Compreendo-lhe o pesar. Indiscutivelmente, tanta dor reunida não seria justa se não viesse de quantos preferiram no mundo o trato diário com a injustiça. Não é claro, porém, que todos venhamos a colher o fruto da plantação que nos pertence?" E informou: "Não encontraremos aqui neste imenso palco de angústia almas simples e inocentes, mas sim criaturas que abusaram da inteligência e do poder, e que, voluntariamente surdas à prudência, se extraviaram nos abismos da loucura e da crueldade, do egoísmo e da ingratidão, fazendo-se temporariamente presas das criações mentais, insensatas e monstruosas, que para si mesmas teceram". Nesse ponto da conversa, o grupo chegou à frente de pequena casa, de cujo interior brotava reconfortante jorro de luz. Cães enor-mes ganiam de estranho modo, sentindo-lhes a presença. De súbito, um companheiro de alto porte e aspecto rude apareceu e saudou-os, abrindo-lhes passagem. Era Orzil, um dos guardas da Mansão, em serviço nas sombras. Já dentro da casa, dois dos seis grandes cães, aos ralhos do guardião, acomodaram-se junto do grupo. De constituição agigantada, Orzil parecia um urso em forma humana, em cujos olhos límpidos viam-se sinceridade e devotamento. Silas informou que Orzil era um companheiro de cultura ainda escassa, que se comprometeu em delitos lamentáveis no mundo. Sofreu muito sob o império dos antigos adversários, mas, após longo estágio na Mansão, prestava valioso concurso naquela região. Na casa, Orzil mantinha algumas celas, ocupadas por Entidades em tratamento, prestes a serem recebidas pelo instituto. Interpelado pelo Assistente, o companheiro informou que a tempestade ocorrida na véspera trouxera imensa devastação e provocara muito sofrimento nos pântanos, referindo-se, nesse caso, aos precipícios abismais em que se debatiam milhares de almas infelizes e conturbadas. (Capítulo 5, pp. 62 e 63)

11. O caso Veiga - Hilário indagou se seria possível atingir semelhantes lugares, para aliviar os quem ali padecem. Orzil, muito triste e resignado, respondeu: "Impossível..." Silas complementou: "Os que se agitam nestas furnas jazem, de modo geral, quase sempre extremamente revoltados e, na insânia a que se entregam, fazem-se verdadeiros demônios de insensatez". "E' necessário se disponham à conformação clara e pacífica para que, ainda mesmo semi-inconscientes, consigam acolher com proveito o auxílio que se lhes estende aos corações." Na casa, havia três doentes internados, em franca situação de inconsciência. De fato, ao visitá-los, o grupo ouviu uma gritaria estentórica. As acomodações usadas por eles eram bem rústicas: as celas lembravam boxes de confortável cavalariça, construídas com toda a segurança, em atenção aos objetivos de contenção. Ò medida que o grupo se aproximava, desagradável odor lhes afetava as narinas. O Assistente explicou: "Vocês não ignoram que todas as criaturas vivem cercadas pelo halo vital das energias que lhes vibram no âmago do ser e esse halo é constituído por partículas de força a se irradiarem por todos os lados, impressionando-nos o olfato, de modo agradável ou desagradável, segundo a natureza do indivíduo que as irradia". "Assim sendo, qual ocorre na própria Terra, cada entidade aqui se caracteriza por exalação peculiar." Nas imediações da cela do irmão Corsino, o cheiro era semelhante ao da carne em decomposição. E' que referido Espírito -- cujo pensamento continuava enrodilhado ao corpo sepulto -- vivia imerso na lembrança dos abusos a que se entregara na vida física e trazia a imagem do próprio cadáver à tona de todas as suas recordações. Noutro abrigo, a porta gradeada permitiu que o grupo visse um homem envelhecido, de cabeça pendida entre as mãos, a clamar: "Chamem meus filhos! chamem meus filhos..." Era o irmão Veiga, que mantinha fixa a idéia na herança que perdera ao desencarnar: vasta quantidade de ouro e bens que passou à propriedade dos filhos, três rapazes que concorriam no mundo ao melhor e maior quinhão, prevalecendo-se, para isso, de juizes venais e rábulas inconseqüentes. A psicosfera do enfermo mostrava formas-pensamentos, criadas pelas reminiscências do amigo, em que três jovens apareciam e desapareciam, vagueando entre documentos esparsos, cédulas e cofres cheios de valores... (Capítulo 5, pp. 63 a 65)

12. Vítima da usura - Logo que viu o grupo, Veiga avançou e, apoiando-se nas grades, gritou, dementado: "Quem sois? Juizes? juizes?..." E derramou-se em lamúrias que sensibilizaram a todos: "Lutei por vinte e cinco anos para reaver a herança que me cabia por morte de meus avós... E, quando a vi nas mãos, a morte me arrebatou ao corpo, sem piedade... Não me resignei a essa injunção e permaneci em minha velha casa... Desejava, pelo menos, acompanhar a partilha do espólio que me interessava, mas meus rapazes amaldiçoaram-me a influência, impondo-me, a cada passo, frases venenosas e hostis... Não satisfeitos com as agressões mentais que me infligiam, começaram a perseguir minha segunda esposa, que lhes foi mãe ao invés de madrasta, administrando-lhe tóxicos por medicação inocente, até que a pobrezinha foi internada numa casa de loucos, sem esperança de recuperação... Tudo por causa do nosso rico dinheiro que os malandros querem pilhar... Diante de tal injustiça, pensei suplicar o favor dos seres que povoam as trevas, porque somente os gênios do mal devem ser os fiéis executores da grande vingança..." Veiga enxugou as lágrimas de desespero e conti-nuou: "Dizei-me!... por que motivo terei alimentado infelizes ladrões, julgando acariciar filhos de minhalma? Casei-me quando moço, acalentando sonhos de amor, e gerei espinheiros de ódio!..." Silas pediu-lhe calma, mas o infeliz vociferou, desabrido: "Nunca! nunca perdoarei!... Recorri aos infernos sabendo que os santos me aconselhariam conformidade e sacrifício... Quero que os demônios torturem meus filhos, tanto quanto meus filhos me torturam..." E, transformando o choro em gargalhadas estridentes, passou a bradar: "Meu dinheiro, meu dinheiro, exijo meu dinheiro!" Na cela seguinte havia um homem profundamente triste, sentado ao fundo da prisão, de cabeça pendida entre as mãos e de olhos fixos em parede próxima. Seguindo-lhe a atenção no ponto que concentrava os seus raios visuais, como espelho invisível retratando-lhe o próprio pensamento, André viu larga tela viva em que se desta-cava enluarada rua de grande cidade, na qual, ele, no volante de um carro, perseguia um transeunte bêbado, até matá-lo sem compaixão. Tratava-se, pois, de um homicida preso a constrangedores quadros mentais que o aprisionavam a punitivas lembranças. (Capítulo 5, pp. 66 e 67)

13. Um enfermo em chagas - Dava para notar a intraduzível angústia daquele Espírito, entre o remorso e o arrependimento, mas, a leve chamado de Silas, despertou como fera roubada à quietude do sono, bramindo: "Não há testemunhas... Não há testemunhas!... Não fui eu quem atropelou o infeliz, não obstante o odiasse com razão... Que pretendem de mim? Denunciar-me? Covardes! Espreitavam, então, a rua morta?" Ninguém lhe respondeu, e o grupo se afastou, compadecido. Aqueles irmãos infelizes viviam entre as imagens mantidas por eles mesmos, através da força mental com que as alimentavam. A equipe acercou-se então do terceiro cubículo, onde um homem feridento esvurmava as feias chagas, usando as próprias unhas. A atmosfera francamente pestilencial exigia enorme disciplina contra a eclosão de náuseas em todos. Percebendo a presença do grupo, o doente avançou, clamando amargamente: "Compadecei-vos de mim! Sois médicos? Atendei-me por amor de Deus! Vede os detritos em que me apóio!..." De fato, André viu que o mísero se movimentava num montão de sujeira, coberto por filetes de sangue podre, mas o quadro repugnante era constituído pelas emanações mentais do próprio enfermo. "Doutores! -- continuou ele -- há quem diga que roubei dos outros, a fim de satisfazer meus vícios no alcoice que eu freqüentava... Mas é mentira, é mentira!... Juro-vos que morava no bordel por espírito de caridade... As mulheres desditosas requeriam defesa... Auxiliei-as quanto pude... Ainda assim, adquiri, junto delas, a enfermidade que me aniquilou o corpo físico e que ainda me empesta a respiração, convertendo-se aqui em meu próprio hálito!... Socorrei-me por quem sois!... Socorrei-me por quem sois!..." A repetição dos rogos, porém, derramava-se em tom imperativo, como se as palavras humildes do petitório fossem apenas o disfarce de uma ordem tiranizante. Tratava-se de antigo e inveterado gozador que despendeu em prazeres inúteis largos recursos que lhe não pertenciam. "Por muito tempo ainda -- explicou Silas --, a mente dele oscilará entre a irritação e o desencanto, nutrindo o ambiente horrível de que se fez o fulcro desequilibrado." (Capítulo 5, pp. 67 a 69)

14. O bem nos liberta, o mal aprisiona - De retorno ao tugúrio de Orzil, Silas informou que aqueles enfermos permaneceriam presos ali, até se renovarem. E explicou: "O problema é de natureza mental. Modifiquem as próprias idéias e modificar-se-ão". Na seqüência, após ligeira pausa, acrescentou: "Isso, porém, não é tão fácil. Consagram-se vocês, presentemente, a estudos especiais dos princípios de causa e efeito. Fiquem pois sabendo que nossas criações mentais preponderam fatalmente em nossa vida. Libertam-nos quando se enraízam no bem que sintetiza as Leis Divinas, e encarceram-nos quando se firmam no mal, que nos expressa a delinqüência responsável, enleando-nos por essa ra-zão ao visco sutil da culpa. Afirma velho aforismo popular na Terra que `o criminoso volta ao local do crime'. Daqui podemos asseverar que, mesmo desfrutando a possibilidade de ausentar-se da paisagem do crime, o pensamento do criminoso está preso ao ambiente e à própria substância da falta cometida". Silas lembrou então que o pensamento, atuando à feição de onda, possui velocidade muito superior à da luz e que toda mente é dínamo gerador de força criativa. "Ora, sabendo que o bem é expansão da luz e que o mal é condensação da sombra -- asseverou o Assistente --, quando nos transviamos na crueldade para com os outros, nossos pensamentos, ondas de energia sutil, de passagem pelos lugares e criaturas, situações e coisas que nos afetam a memória, agem e reagem sobre si mesmos, em circuito fechado, e trazem-nos, assim, de volta, as sensações desagradáveis, hauridas ao contacto de nossas obras inferiores." Assim é que as ondas do pensamento paternal do velho usurário, dirigidas a seus filhos, voltavam a ele carregadas pelos princípios mentais de ódio e egoísmo dos jovens litigantes, do mesmo modo que o companheiro em chagas reabsorvia as ondas de seu próprio campo mental, acumuladas de fatores deprimentes, que a elas se incorporavam nos lugares por onde passavam, restituídas a ele com multiplicados elementos de corrupção. Ante a lição recebida, Hilário observou: "Agora percebo com mais clareza o benefício concreto da oração e da piedade, da simpatia e do socorro que, na Terra, deveríamos dispensar, sinceramente, aos chamados mortos..." "Sim, sim... -- respondeu Silas -- todos estamos ligados uns aos outros, na carne e

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