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Bori, A Alimentação Da Cabeça

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Por:   •  24/10/2013  •  5.609 Palavras (23 Páginas)  •  822 Visualizações

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O BORI

A ALIMENTAÇÃO DA CABEÇA

Uma Pesquisa Etnográfica do Ritual de Alimentação da Cabeça

em um Candomblé da Nação Ketu no Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO

“O Orixá não abençoa o homem cuja cabeça não o permita”.

Deste modo se inicia um dos Poemas de Ifá, recolhidos por Abimbola (1975), na obra que representa um marco em sua luta para a preservação das tradições orais da cultura dos yorubá da Nigéria, seu povo de origem. Mais do que uma visão meramente religiosa, a afirmação recolhida de poemas oraculares sagrados nos coloca diante uma visão de mundo extremamente mais elaborada do que nos fazem crer os pesquisadores, mesmo africanos, da cultura conhecida entre nós como cultura nagô ou cultura ketu. A abordagem que se propõem no presente trabalho é a de uma pesquisa etnográfica, expondo os aspectos fundamentais do ritual denominado Bori (alimentar a cabeça) que é efetuado nos candomblés brasileiros daquela origem e situando-o como elemento primeiro para o equilíbrio psíquico básico para a adequação do indivíduo à sua comunidade.

Em que pese a relativa fartura de fontes bibliográficas, o tema é elaborado aqui com uma ênfase aprofundada nos aspectos simbólicos e psicológicos que compõem a sua real representação no contexto da vida cultural do grupo, qual seja, a de ser o mecanismo de ligação do homem com seus ancestrais divinizados e com seu destino na terra, servindo ainda como ritual de passagem que permite ao estranho ou ao jovem se integrar inteiramente ao grupo social, estabelecendo sua posição inicial no mesmo.

A tarefa de perceber inteiramente o todo social, mantendo a atitude de observação antropológica, este é o posicionamento recomendado pelos etnógrafos para que se possa observar o mundo de maneira completa, ao mesmo tempo em que se vive nele e se tomam as decisões necessárias à este difícil ato. Deste modo, perseguindo a “visão total”, preconizada por Mauss, e procurando entender todas as formas das relações praticadas, suas motivações, os sentimentos envolvidos, definindo assim as estruturas de funcionamento das relações e instituições, tal como nos coloca Levy-Strauss, é que se observou o ritual do Bori realizado pelos praticantes do Candomblé da nação Ketu do Ilê Axé Opô Afonjá, do Rio de Janeiro.

Não nos pareceu suficiente, ainda que ela ocupe boa parte do trabalho, a simples visão do funcionamento do ritual que leva os atores a se reunirem; estão aqui listadas também as características geográficas onde ele se realiza e as suas motivações impostas pela coerção social. Enfim, procuramos agir de modo a conseguir a atitude a ser tomada por aqueles que desejassem observar um fato social em sua totalidade: um fato social total.

“Nous, nous observons des réactions complètes et complexes de quantités numériquement définies d’hommes, d’êtres completes e complexes. Nous aussi, nous décrivons ce qu’ils sont dans leurs organismes et leurs psychai, en même temps que nous décrivons ce comportement de cette masse el les psychoses qui y correspondent : sentiments, idées, volitions de la foule ou des sociétés organisées et de leurs sous-groupes. Nous aussi, nous voyons des corps et les réactions de ces corps, dont idées et sentiments sont d’ordinaire les interprétations et, plus rarement, les motifs."

O ENTORNO FÍSICO E SOCIAL

O Ilê Axé Opô Afonjá do Rio de Janeiro é uma casa de culto aos Orixás da nação Ketu, fundada no início dos anos 1930 pela mesma sacerdotisa responsável pela fundação da casa de culto do mesmo nome situada na Bahia e fundada em 1910, sendo estas informações de datas relativas às atuais localizações das respectivas casas.

No Estado do Rio de Janeiro, a casa fica situada em Coelho da Rocha, um bairro da baixada fluminense, pertencente ao Município de São João de Meriti. Bairro pobre da originalmente cidade-dormitório, Coelho da Rocha possui uma importante comunidade negra que se agregam em cerca de 100 casas de culto aos Orixás, sejam de origem yorubá (Ketu) ou ainda de origem bantu (Angola).

A casa é uma antiga construção projetada para abrigar as cerimônias e as festas realizadas para culto aos Orixás e à qual foram sendo agregadas outras construções a que a comunidade chama de “quartos” ou ainda de “casas”, de maneira independente, para se referirem ao local específico de culto de um determinado Orixá (Casa de Exu, Quarto de Oxalá, Casa de Omulu) ou ainda para ser utilizado em determinada cerimônia (Quarto do Axé ou camarinha – local onde são recolhidos os iniciados, em seus dias de obrigação cerimonial).

Além dessas construções, agregadas ou não ao salão principal de festas, a casa possuía à época da pesquisa uma ampla cozinha, uma “sala de jantar” e um quarto que serve de dormitório para a Yalaxé (mãe ou detentora do Axé), contando ainda com 4 banheiros e um segundo andar por sobre a cozinha onde são guardadas as malas das roupas rituais e que serve também de dormitório para as mulheres da casa.

Os homens possuem ainda um quarto de dormir coletivo e alguns pequenos quartos ainda são usados com exclusividade por um ou dois integrantes masculinos da comunidade.

A comunidade que compõe a casa é bastante representativa da comunidade negra que a envolve e que tradicionalmente se dedica à prática do culto aos Orixás no Brasil. Oriundas de comunidades escravas do século passado, embora tendo alcançado uma considerável penetração até mesmo na classe média alta da população, seus integrantes são majoritariamente da classe média baixa. Entre eles existem pequenos comerciantes, empregadas domésticas, funcionários públicos (motoristas, serventes, ajudantes) e comerciários, além de professoras, psicólogos e uma médica. A representação feminina é de maior presença entre as iniciadas que incorporam os Orixás, embora não seja tão notável se considerarmos toda a comunidade.

Em sua grande maioria, a ligação das pessoas com o culto aos Orixás e especificamente com esta casa de culto se deve à herança dos costumes familiares recebida de seus primeiros fundadores. Assim, no contexto atual como veremos adiante, é grande a confusão no uso de termos de parentesco (tios, tias, primos, irmãos) consangüíneo com as apropriações do parentesco simbólico “de brincadeira” ou por respeito.

Neste quadro de dificuldade para a análise, ressalta

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