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Anne-marie-chartier

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Por:   •  29/4/2014  •  Tese  •  8.512 Palavras (35 Páginas)  •  298 Visualizações

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ENSINAR A LER E ESCREVER, ENTRE TEORIA E PRÁTICA1

Anne-Marie CHARTIER,

Service d'histoire de l'éducation.INRP-Paris

Há vinte anos na França – e mais recentemente no Brasil – tem-se constatado uma renovação dos livros didáticos que ensinam os principiantes a ler. Os editores têm buscado responder às exigências dos novos programas de ensino, baseados na organização da escola em ciclos, e nas demandas de uma nova geração de professores.

A inovação sobre a qual eu gostaria de falar concerne, sobretudo, a um novo produto editorial, que acompanha o livro e o caderno de exercícios; é o manual do professor. Distribuído gratuitamente pelo editor, ele traz uma visão de conjunto do ano letivo e da progressão (por exemplo, em que momento do ano é introduzido e trabalhado cada fonema). Ele provê indicações breves para cada lição e, o que é interessante, uma justificativa “científica” das escolhas que organizam o trabalho. Esta apresentação é quase sempre escrita por um professor universitário, linguista, didata da língua ou psicólogo.

A organização didática de cada unidade de trabalho, a escolha dos exercícios, a concepção da progressão anual se referem, desse modo, a saberes científicos oriundos da psicologia, da psicolinguística, das pesquisas em didática. As escolhas teóricas podem enfatizar uma dimensão “construtivista” das aquisições (referindo-se à psicogênese de Emilia Ferreiro ou à Zona de Desenvolvimento Proximal de Lev Vygotsky). Outros autores privilegiam as concepções “cognitivistas” da aprendizagem (a consciência fonológica, o treinamento na discriminação oral/escrito, a maneira de fixar as relações som-grafia por meio de ditados de palavras inventadas, etc). Outros insistem sobre a necessidade de apresentar os textos como “situações-problema” ou sobre o papel das “retomadas com variantes” que ajudam a construir esquemas textuais estáveis, sempre preservando uma certa “flexibilidade”. Tudo depende do campo de atuação do especialista que escreveu o livro. Evidentemente, o especialista publica também outros textos, artigos científicos, entrevistas nas revistas educativas, livros para os formadores, nos quais eles dizem as mesmas coisas, com mais ou menos detalhes.

Estes esclarecimentos teóricos sempre precedem as proposições de atuação prática. Isto faz supor, então, que a prática “decorre” da teoria ou até mesmo, às vezes, que ela é uma aplicação da teoria.

1 Palestra apresentada na V Semana da Educação, da Fundação Victor Civita. São Paulo, 20 de outubro de 2010.

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Desse modo, segundo meu ponto de vista, esses manuais contribuíram para difundir uma visão reducionista e contestável do que é “ensinar a ler e escrever a alunos principiantes”. Hoje esta concepção me parece bem compartilhada pelos responsáveis das políticas escolares, pela mídia, pelos pais e pelos estudantes que irão ensinar. Ela é mesmo imposta aos professores que podem, por um lado, adotar o “discurso legítimo” sobre aprendizagem e, por outro lado, ter práticas sem relação evidente com tais discursos. Alguns professores eficazes, cujos alunos aprendem a ler de forma bem tranquila, às vezes vêem suas certezas práticas, fundamentadas em seus anos de experiência, serem abaladas por tais discursos: não reconhecem sua prática no interior das atividades enaltecidas pelos teóricos. Outros docentes, menos seguros a respeito de suas competências, adotam as propostas “científicas” dos especialistas, esperando que elas produzam milagres. Como o milagre não chega, eles têm de escolher entre pensar que são maus profissionais ou que a teoria não vale nada.

Retomando o debate teoria-prática, queremos tentar nos situar do lado dos professores. De fato, não basta que um saber seja teoricamente válido para que ele possa produzir instrumentos de trabalho eficazes. Na direção inversa, situações pedagógicas ricas, complexas, inseridas num projeto de longo prazo, estimulam, simultaneamente, atividades mentais tão heterogêneas, tão díspares, que elas não podem ser observadas pelos pesquisadores.

Gostaríamos de responder, em seguida, a cinco questões:

1. Por que o ensino da leitura e da escrita deve, hoje, fazer referência aos saberes científicos?

2. Que saberes científicos melhoraram os resultados escolares nos últimos trinta anos?

3.

Como um professor pode se servir de um saber científico em sua sala de aula?

4.

Há teorias mais “práticas” que outras?

5.

Sobre quais aspectos da prática as teorias nunca falam?

1. Por que o ensino da leitura e da escrita deve, hoje, fazer referência aos saberes científicos?

Evidentemente, não tenho a intenção de contestar a importância dos saberes científicos sobre a leitura e sobre sua aprendizagem. Nestes últimos 50 anos, os pesquisadores nos trouxeram muito mais informações do que durante os 50 séculos que nos separam da invenção dos sistemas de escrita. A questão diz respeito, mais exatamente, a saber o que os professores que ensinam as crianças a ler e escrever podem fazer com aquelas referências.

A primeira função das referências científicas é dar uma legitimidade incontestável ao ensino. O que me impressiona é que, na história da escola, vários outros discursos deram uma legitimidade à alfabetização: o discurso religioso sobre a necessidade de dar a todos um contato

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direto com as escrituras dos textos sagrados; o discurso político sobre a necessidade de uma alfabetização para a emancipação, que permitisse aos cidadãos conhecer as leis e ler os jornais. Ora, estas legitimações “militantes” que se baseavam em valores, desapareceram dos locais de formação, depois que os acadêmicos da universidade intervieram nesse setor, como se a única legitimação possível fosse, hoje, aquela que nos oferece a Ciência.

Quando comecei minha carreira, a situação ainda não era esta. Os debates entre os métodos de leitura opunham concepções diferentes do ato global de ensinar e de educar. Por exemplo, aqueles que defendiam a “método natural” de leitura de Célestin Freinet – um método analítico com base em sentenças proferidas pelas crianças – eram partidários

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