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Das Tripas Do Coracao

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Por:   •  7/3/2015  •  1.282 Palavras (6 Páginas)  •  199 Visualizações

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Das tripas, coração

(pro Júlio Barroso, Cazuza e Ezequiel Neves)

Quem foi que disse a você, quero saber,

Que perder é o mesmo que esperar?

Quem é que vai ficar tranquilo, perdido

na beira do abismo, sangrando?

E se você pudesse ter alguém de joelhos a teus pés

A pedir o teu sinal,

Sussurrando todo o seu calor na tua orelha,

Procurando por uma palavra que não fosse em vão,

Que fizesse você compreender...

Que abandono meu lugar

Rasgando as veias,

Derramando meu amor

Pelas areias.

Anuncia um lindo Sol Radiante:

A última alvorada em teu semblante,

E na perfeição de um céu sem sombras

A gente vai se encontrar.

E das tripas, coração… mais uma tarde

Pra levar o meu amor pra eternidade.

Meu amigo, por favor me aguarde, que a gente vai se encontrar.

Quem é que vai zombar desse deus trapaceiro nesse Rio de Janeiro?

Quem é que vai anunciar a próxima atração?

E uivar pra Lua cheia

A gargalhar os tormentos do mundo?

Quem é que vai ficar sorrindo,

Jogando palavras ao mar,

Vendo a terra toda estremecer?

Quero saber quem é que vai guardar

Toda essa dor

De ficar,

sozinho, no convés, sem a tripulação?…

Sou eu…

Lobão… 50 anos a mil Prólogo

Rio, junho, 1984.

Quatro da manhã, cemitério do Caju... Madrugada fria e a gente não parava de chorar... Escondidos, perambulando feito fantasmas, arrastando

corrente, pelos cantos do velório… almas penadas.

Àquela hora, não havia mais ninguém na sala com o Júlio, exceto eu e Cazuza, que, por todos os motivos do mundo, não conseguíamos parar de olhar

para o caixão fechado, nem parar de chorar, nem deixar de ir ao banheiro cheirar mais, pra continuar chorando:

“Perder um cara como o Júlio é como uma decapitação… A gente ficou órfão do nosso irmão mais velho”, sussurrei para um Cazuza igualmente

desmoronado, que me respondia: “Órfãos e fudidos, você quer dizer”, e emendou: “Vão chupar a nossa carótida...” Sim, essas visões sombrias já

pairavam no ar o tempo todo.

Não parávamos de imaginar as consequências daquela perda. A minha desolação era inédita; nunca estive me sentindo tão dentro do fim, tão nada e

com a alma sangrando. Vomitava meus pavores:

“Agora estamos à deriva. A gente naufraga aqui. Esse velório, esse cemitério, essa morte é como se estivéssemos chegando nas portas do inferno. A

partir de agora, todas as nossas esperanças serão deixadas do lado de fora. Todas as esperanças de conquistarmos a nossa autonomia, a nossa

estética. Perdemos o trem da história, Cazuza. Sem o Júlio nós não temos mais uma turma; agora somos um monte de ninguéns!... Chegou a hora dos

nossos inimigos se apoderarem da cena pra formar alianças, justamente com aqueles que mais queríamos ver longe. É a hora do pastiche e da

indulgência… A hora do frenesi dos mesmos cadáveres insepultos de sempre, sugando a juventude dos que nada mais têm a oferecer, além do

próprio sangue de barata. É a hora dos come-quieto nos fazerem de vilões. É a hora da morte da possibilidade da transformação, da morte da nossa

ingênua esperança em querer mudar o mundo. É a hora da morte da liberdade do delírio... O Universo não conspira mais a nosso favor. O inferno é

aqui e agora, e nossas esperanças ficaram num céu natimorto.”

Estava delirantemente transtornado pela dor e vagamente anestesiado pela cocaína; sem que necessariamente estivesse inteiramente fora do meu

juízo.

O Júlio era um homem-arquivo, um poço das mais variadas informações. Um ser de uma inteligência prodigiosa, de grande coragem e inspiração; um

articulador.

Era um esteta, e perseguia obsessivamente a novidade, digerindo tudo que estava ao seu alcance, sem barreiras, sem dogmas. Fora a sua alegria... O

Júlio era um grande poeta, uma criatura engraçadíssima, uma aventura ambulante, um sexista, um sátiro e, antes de qualquer coisa, um amigo raro.

Com tudo isso passando pela cabeça, naquele velório, suor e lágrimas se fundiam. O silêncio se desfazia com o cantar dos passarinhos, que

despertavam com o dia a me causar calafrios. Na sala, o caixão fechado invocava toda uma angústia da incapacidade em não poder dar o último

abraço, o último beijo. Daí pensei: “Cazuza, pensa bem: tá todo mundo dormindo, a gente tá aqui sozinho, com ele... Vamos sublimar a paradinha.

Vamo esticar duas carreironas em cima do caixão? Pelo menos essa kartirinha da Ordem dos Músicos vai servir pra alguma coisa. A gente não pode

se negar a fazer isso, né?” Eu fungava, apalpando freneticamente os bolsos.

“Vai

...

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