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A JORNADA NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Trabalho Escolar: A JORNADA NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO. Pesquise 860.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  21/4/2014  •  8.851 Palavras (36 Páginas)  •  769 Visualizações

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A JORNADA NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Maurício Godinho Delgado*

I - JORNADA DE TRABALHO

O tema da jornada - em conjunto com o referente ao salário - ocupa posição de prevalência no

desenvolver da história do Direito do Trabalho. Salário e jornada sempre foram, de fato, os temas centrais e mais

polarizantes brandidos ao longo das lutas trabalhistas que conduziram à construção e desenvolvimento do ramo

juslaboral especializado do direito.

Essa relevância combinada ao longo dos últimos dois séculos não resulta de simples coincidência. É que,

na verdade, jornada e salário têm estreita relação com o montante de transferência de força de trabalho que se

opera no contexto da relação empregatícia. Como já magistralmente formulado, seria o salário o preço atribuído à

força de trabalho alienada, ao passo que a jornada despontaria como a medida dessa força que se aliena.(1) Mais

do que isso: não há norma ampliadora ou redutora da jornada que não tenha influência automática no montante

salarial relativo devido ao empregado. Nesse quadro, caso se reduza a jornada padrão no contexto de certa

categoria ou grupo de trabalhadores - sem norma negocial autorizativa da redução correspondente de salários -

está-se elevando, automaticamente, o preço relativo da força de trabalho contratada, através do aumento do

respectivo salário hora. É o que ocorreu, a propósito, em face das recentes alterações constitucionais de 1988,

quer ao reduzir a Constituição a jornada semanal para 44 horas (art. 7º, XIII), quer ao fixar uma jornada especial

de seis horas para trabalhadores laborando em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV).

Modernamente, o tema da jornada ganhou importância ainda mais notável. É que os avanços da saúde e

segurança do trabalho têm ensinado que a extensão do contato com certas atividades ou ambientes é elemento

decisivo à configuração de seu potencial efeito insalubre. Tais reflexões têm levado à noção de que a redução da

jornada em certos ambientes ou atividades constitui-se em medida profilática importante no contexto da moderna

medicina laboral. Noutras palavras, as normas jurídicas concernentes à jornada não são - necessariamente -

normas estritamente econômicas, já que podem alcançar, em certos casos, o caráter determinante de normas de

medicina e segurança do trabalho, portanto, normas de saúde pública.

Por essa razão é que a Constituição, sabiamente, arrolou como direito dos trabalhadores a "redução dos

riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (art. 7º, XXII). Pela mesma razão

é que a ação administrativa estatal, através de normas de saúde pública e de medicina e segurança do trabalho

que venham reduzir o tempo lícito de exposição do trabalhador a certos ambientes ou atividades não é inválida -

nem ilegal, nem inconstitucional. Ao contrário, é francamente autorizada (mais: determinada) pela Constituição,

através de inúmeros dispositivos que se harmonizam organicamente. Citem-se, por exemplo, o mencionado art.

7º, XXII, que se refere ao direito à redução dos riscos do trabalho por meio de normas de saúde, higiene e

segurança; o art. 194, caput, que menciona a seguridade social como um "conjunto integrado de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde..."; o art. 196,

que coloca a saúde como "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas

que visem à redução do risco de doença e de outros agravos..."; o art. 197, que qualifica como de "relevância

pública as ações e serviços de saúde..."; cite-se, finalmente, o art. 200, II, que informa competir ao sistema único

de saúde "executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador".

1 - Duração, Jornada, Horário: Distinções

No estudo da jornada de trabalho três expressões se apresentam, correspondendo a conceitos correlatos

de importância na análise do fenômeno. Trata-se, respectivamente, da duração do trabalho, da jornada de

trabalho e, por fim, do horário de trabalho.

Por duração do trabalho a doutrina, em geral, compreende todo o período decorrente do contrato de

trabalho, inclusive lapsos temporais relativos a repouso semanal, feriados e até mesmo férias. A expressão,

portanto, tem sentido amplo, não se restringindo estritamente ao período de disponibilidade do trabalhador perante

seu empregador, em virtude do contrato pactuado.

A expressão jornada de trabalho tem sentido mais restrito que o anterior, compreendendo o tempo em que

o empregado tem de se colocar em disponibilidade perante seu empregador, em decorrência do contrato. O

tempo, em suma, em que o empregador pode dispor da força de trabalho de seu empregado, em um período

delimitado.

Originalmente o período considerado pelo conceito de jornada seria o lapso temporal diário (jornada

diária), em face da expressão primitivamente referir-se ao dia (giornata - giorno). Hoje, contudo, confere-se à

expressão, na órbita juslaboral, a flexibilidade necessária para abranger, além da idéia de jornada diária, as

noções de jornada semanal e mesmo jornada mensal.

Embora a jornada de trabalho refira-se, basicamente, ao tempo em que se considera o empregado

contratualmente à disposição do empregador, em um lapso temporal padrão (dia, semana, mês), o avanço do

Direito do Trabalho tem produzido a inserção de certos curtos períodos de intervalos intrajornadas dentro do

conceito de jornada, como forma de remunerar tais curtos períodos e, ao mesmo tempo, reduzir o tempo de

efetiva exposição e contato do trabalhador à atividade contratada. Por essa razão é que se afirma que no lapso

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temporal da jornada irá se incluir, também, o tempo tido como contratual - ou "tempo de serviço" - (portanto, tempo

remunerado), mas que, dentro do horário de trabalho, o empregado não labora nem sequer fica à disposição

empresarial (intervalos remunerados).

Já a expressão horário de trabalho traduz o espaço temporal entre o termo inicial e o termo final de uma

jornada diária. O horário corresponde, assim, à delimitação do início e fim da jornada e respectivos intervalos.

2 - Composição da Jornada de Trabalho

A jornada de trabalho, primitivamente, traduzia a noção do tempo diário em que o empregado prestava

efetivos serviços ao empregador. A evolução do Direito do Trabalho, seja a partir da pressão oriunda dos próprios

trabalhadores coletivamente organizados, seja através de outros fatores que conduziram ao aperfeiçoamento das

normas jurídicas regentes da matéria, conduziu a um alargamento do número de elementos componentes da

jornada, por além do tempo efetivamente laborado. Nesse quadro normativo, distintos são os critérios que

despontaram quanto à aferição jurídica da extensão de uma jornada de trabalho.

A) Critérios de Fixação da Jornada

São três os critérios básicos de cálculo da extensão da jornada de trabalho que se encontram na evolução

do Direito do Trabalho. Tais critérios podem ser ordenados sequencialmente, de acordo com a crescente

amplitude que conferem à noção de jornada. São eles: critério do tempo efetivamente laborado; critério do tempo

à disposição no centro de trabalho; critério do tempo despendido no deslocamento residência-trabalho-residência

(além do somatório anterior). Ao lado desses critérios básicos, há ainda dois critérios especiais, aventados por

normas específicas de certas categorias profissionais brasileiras: o critério do tempo-prontidão (ou horasprontidão)

e o critério do tempo-sobreaviso (horas-sobreaviso).

Critérios Básicos

O primeiro critério considera como componente da jornada apenas o tempo efetivamente trabalhado pelo

obreiro. Por esse critério excluem-se do cômputo da jornada eventual, ilustrativamente, os seguintes períodos: o

"tempo à disposição" do empregador mas sem labor efetivo, eventuais paralisações da atividade empresarial que

inviabilizem a prestação de trabalho, qualquer tipo de intervalo intrajornada, em suma, todo e qualquer lapso

temporal que não consista em direta transferência da força de trabalho em benefício do empregador.

Evidente que tal critério opera uma necessária assunção, pelo obreiro, de parte significativa do risco

empresarial, uma vez que o salário somente seria pago em direta proporção ao real trabalho prestado. Por essa

razão é que semelhante critério tende a ser rejeitado pelas modernas ordens justrabalhistas. No Brasil, o fato da

CLT considerar como tempo de serviço também o período em que o empregado estiver simplesmente "à

disposição do empregador, aguardando...ordens" (art. 4º) demonstra a rejeição, pela ordem justrabalhista

brasileira, do critério do tempo efetivamente laborado como critério padrão de cálculo da jornada no mercado de

trabalho do país.

Não é absoluta, contudo, essa rejeição. É que a lei brasileira admite o sistema de cálculo salarial

estritamente por peça (respeitado o mínimo legal a cada mês: art. 7º, VII, CF/88; art. 78, CLT), em que se calcula

o valor do salário segundo o total da produção efetivada pelo trabalhador. Ora, esse sistema salarial provoca,

indiretamente, uma relação proporcional muito estreita entre tempo de trabalho efetivo e montante salarial pago,

alcançando efeitos próximos ao critério do tempo efetivamente laborado.

O segundo critério considera como componente da jornada o tempo à disposição do empregador no

centro de trabalho, independentemente da efetiva prestação de serviços. Amplia-se, portanto, a composição da

jornada, em contraponto com o critério anterior. A ordem jurídica brasileira adota este critério como regra padrão

de cômputo da jornada de trabalho no país (art. 4º, CLT).

Ressalte-se que a expressão centro de trabalho não traduz, necessariamente, a idéia de local de trabalho.

Embora normalmente coincidam, na prática, os dois conceitos com o lugar em que se presta o serviço, pode haver

significativa diferença entre eles. É o que se passa em uma mina de subsolo, em que o centro de trabalho situa-se

na sede da mina, onde se apresentam os trabalhadores diariamente, ao passo que o local de trabalho localiza-se,

às vezes, a uma larga distância, no fundo da própria mina (art. 294, CLT).(2)

O terceiro critério considera como componente da jornada também o tempo despendido pelo obreiro no

deslocamento residência-trabalho-residência, em que evidentemente não há efetiva prestação de serviços ("horas

deslocamento"). Como se percebe aqui se amplia mais ainda a composição da jornada, em contraponto com o

critério anterior.

O critério do tempo deslocamento já é acolhido, como regra geral, na legislação acidentária do trabalho:

"Equiparam-se ao acidente do trabalho (...) o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de

trabalho (...) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela qualquer que seja o meio de

locomoção, inclusive de veículo de propriedade do segurado" (art. 21, IV, "d", Lei 8.213/91).

Não obstante o "tempo deslocamento" seja, de fato, uma ampliação da noção de "tempo à disposição", a

doutrina e a jurisprudência têm entendido, firmemente, que tal critério não se encontra acobertado pela regra do

art. 4º, CLT. Não se aplica, pois, a regra geral do Direito Acidentário do Trabalho ao Direito Material do Trabalho

brasileiro.

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Há, contudo, algumas poucas situações especiais em que o ramo justrabalhista pátrio acolhe o critério do

"tempo deslocamento". É o que se passa com respeito, por exemplo, com uma parcela da categoria dos

ferroviários. As chamadas "turmas de conservação de ferrovias" têm computado como seu tempo de serviço o

período de deslocamento "...desde a hora da saída da casa da turma até a hora em que cessar o serviço em

qualquer ponto compreendido dentro dos limites da respectiva turma" (art. 238, §3º, CLT). Vale-se o mesmo

preceito celetista uma segunda vez do mesmo critério de "horas deslocamento": quando "...o empregado trabalhar

fora dos limites da sua turma, ser-lhe-á também computado como de trabalho efetivo o tempo gasto no percurso

da volta a esses limites".

A jurisprudência apreendeu também do art. 4º, CLT, mediante uma leitura ampliativa desse preceito legal,

uma hipótese excetuativa de utilização do critério de tempo deslocamento. É o que se passa nas chamadas "horas

in itinere" (Ens. 90, 320, 324 e 325, TST). A partir de tal critério considera-se como tempo de serviço normal do

empregado o período despendido pelo obreiro no deslocamento ida-e-volta para o local de trabalho de difícil

acesso e não servido por transporte regular público, desde que transportado por condução fornecida pelo

empregador (En. 90).

São requisitos, portanto, das chamadas horas itinerantes: a) que o trabalhador seja transportado por

condução fornecida pelo empregador (En. 90). Óbvio que não elide o requisito a circunstância do transporte ser

efetivado por empresa privada especializada contratada pelo empregador, já que este, indiretamente, é que o está

provendo e fornecendo. Também é irrelevante que exista onerosidade na utilização do transporte, já que a figura

em tela não diz respeito a salário in natura, mas a jornada de trabalho. É o que bem acentuou o Enunciado 320,

TST. b) que o local de trabalho seja de difícil acesso (En. 90). c) que o local de trabalho não seja servido por

"transporte regular público" (En. 90). A expressão regular sempre ensejou alguma polêmica interpretativa. Assim,

dissentia a jurisprudência sobre os efeitos da insuficiência e/ou incompatibilidade do transporte público existente

no tocante ao cumprimento ou não do presente requisito. O subsequente Enunciado 324 buscou por termo às

divergências, assentando que a insuficiência do transporte público não autoriza o deferimento da regra das horas

in itinere.

Esclareça-se, por fim, que se atendidos os requisitos das horas itinerantes apenas em parte do trajeto,

somente nesse trecho o tempo dispendido na condução fornecida será considerado como à disposição do

empregador, para todos os fins (En. 325).

Critérios Especiais

Os critérios especiais de cômputo da jornada de trabalho, aventados por normas específicas de certas

categorias profissionais brasileiras, são o critério do tempo-prontidão e o critério do tempo-sobreaviso. Ambos

originam-se de normas jurídicas próprias da categoria dos ferroviários (art. 244, CLT).

O caráter especial desses dois critérios resulta de dois aspectos combinados: de um lado, vinculam-se à

regência normativa de categorias específicas - não se estendendo, assim, a princípio, a todo o mercado de

trabalho empregatício. De outro lado, sua integração à jornada será sempre parcial, fracionada - integração

especial, portanto - já que o período-prontidão e o período-sobreaviso não se computam na jornada e respectiva

remuneração obreira segundo as mesmas regras incidentes sobre as hipóteses gerais acima enunciadas.

Por tempo-prontidão (horas-prontidão) compreende-se o período tido como integrante do contrato e do

tempo de serviço obreiro em que o ferroviário fica nas dependências da empresa ou via férrea respectiva (a CLT

fala "dependências da Estrada"), aguardando ordens (§3º, art. 244, CLT). Dispõe a legislação que a escala de

prontidão não poderá, licitamente, ultrapassar doze horas (§3º, art. 244).

A integração contratual e, via de consequência, ao tempo de serviço do tempo-prontidão é especial, como

dito: as "horas de prontidão serão, para todos os efeitos, contadas à razão de 2/3 (dois terços) do salário-hora

normal" (art. 244, §3º, CLT. Grifos acrescidos).

Por tempo-sobreaviso (horas-sobreaviso) compreende-se o período tido como integrante do contrato e do

tempo de serviço obreiro em que o ferroviário "permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento

o chamado para o serviço" (art. 244, §2º, CLT). Dispõe a legislação que a escala de sobreaviso não poderá,

licitamente, ultrapassar vinte e quatro horas (§2º, art. 244).

A integração contratual e, via de consequência, ao tempo de serviço do tempo-sobreaviso é também

especial: as horas de sobreaviso, "para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário

normal" (art. 244, §2º, CLT. Grifos acrescidos).

A figura do tempo-sobreaviso, embora originária da regência própria à categoria dos ferroviários já foi

estendida, por analogia, a uma categoria que vivencia circunstâncias laborais semelhantes: os eletricitários. É o

que decorre do texto do Enunciado 229, TST.

O avanço tecnológico tem propiciado situações novas que suscitam o debate acerca da possibilidade de

incidência analógica da figura especial do tempo-sobreaviso. É o que se passa com a utilização, pelo empregado,

fora do horário de trabalho, de aparelhos de comunicação do tipo BIP ou de telefones celulares - instrumentos que

viabilizariam seu contato imediato e convocação ao trabalho pelo empregador.

Não é pacífico o enquadramento jurídico dessas duas situações fáticas novas. Os que compreendem

tratar-se de tempo de sobreaviso, sustentam que tais aparelhos colocam, automaticamente, o trabalhador em

posição de relativa disponibilidade perante o empregador, "aguardando a qualquer momento o chamado para o

serviço" (§2º, art. 244, CLT).

Os que compreendem ser inviável a analogia com o tempo-sobreaviso, sustentam que a figura celetista

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construiu-se na suposição do empregado "permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o

chamado para o serviço" (§2º do art. 244 examinado. Grifos acrescidos). Essa forte restrição à disponibilidade

pessoal do empregado (que tinha de permanecer em sua residência), criada em benefício do empregador,

decorria do fato dos equipamentos tecnológicos existentes à época da CLT (década de 40) não permitirem outra

alternativa de compatibilização com determinadas situações de atendimento de emergência (situações objetivadas

pela sistemática de sobreaviso). O avanço tecnológico subsequente, contudo, suplantou tal restrição

circunstancial, permitindo - através dos BIP's e telefones celulares - que o empregado se desloque livremente em

direção a seus interesses pessoais, podendo ser convocado em qualquer local em que se encontre. Não estaria,

desse modo, contingenciado em sua disponibilidade pessoal, razão porque a situação fática envolvida seria

sumamente diversa daquela figurada pelo preceito celetista analisado.

Independentemente de qualquer das duas posições interpretativas, é óbvio que, chamado ao serviço o

trabalhador através do BIP ou telefone celular, ele passaria, imediatamente, desde o instante em que se

deslocasse, a ficar à disposição do empregador, prestando horas normais de serviço (ou horas extras, se for o

caso) e não horas de sobreaviso ou de prontidão.

B) Composição da Jornada

A composição da jornada de trabalho faz-se, essencialmente, a partir dos critérios acima examinados,

indicativos dos lapsos temporais eleitos pelo direito como parte integrante da jornada do empregado. Tais lapsos

temporais ou serão períodos de trabalho efetivo ou serão períodos tidos como "à disposição" plena ou parcial do

empregador. Ao lado desses critérios enfocados, há que se aduzir o tratamento especial conferido pela ordem

justrabalhista a alguns poucos intervalos intrajornada, tidos como tempo de serviço, mas sem que o obreiro

efetivamente trabalhe ou se coloque à disposição do empregador.

A jornada de trabalho compõe-se de um tronco básico e de alguns componentes suplementares. O tronco

básico é elemento natural do contrato de trabalho, ao passo que os componentes suplementares são elementos

acidentais desse contrato, que existem apenas em decorrência da prestação de serviços concretizando-se sob

determinadas circunstâncias ou cláusulas especiais.

Constitui-se no tronco básico da jornada de trabalho, no direito brasileiro, o lapso temporal situado nos

limites do horário de trabalho pactuado entre as partes. Esse tronco básico, portanto, aproxima-se da noção de

"tempo efetivamente laborado", embora saiba-se que, no cotidiano trabalhista, raramente se restrinja a jornada a

somente esse período efetivamente trabalhado.

O Direito do Trabalho eventualmente inclui nesse tronco básico - composto de elemento natural - um

elemento acidental, propiciado apenas em face do exercício do trabalho em certas atividades ou circunstâncias

específicas. Esse elemento acidental consiste nos intervalos ditos remunerados (de que é expressivo exemplo o

intervalo contido no art. 72, CLT), que não são tempo laborado nem tempo à disposição, mas integram

plenamente a jornada de trabalho obreira.

O tronco básico da jornada de trabalho no direito brasileiro compõe-se, assim, do lapso temporal situado

nos limites do horário de trabalho obreiro, incluídos os intervalos remunerados, mas excluídos os intervalos não

remunerados (de que são expressivos exemplos os intervalos referidos pelo art. 71, caput e §§ 1º e 2º, CLT).

Extirpam-se, desse modo, do período situado nas fronteiras do horário de trabalho os intervalos não remunerados,

que, definitivamente, não compõem a jornada de trabalho.

São componentes suplementares da jornada de trabalho todos os demais períodos trabalhados ou apenas

à disposição plena ou mesmo parcial do empregador reconhecidos pelos critérios de composição de jornada que

caracterizam o Direito do Trabalho do país e que não se situam dentro das fronteiras do horário de trabalho

obreiro. Desse modo, constituem-se em componentes suplementares da jornada as horas extraordinárias (arts. 59

e 61, CLT), que se integram, com plenos efeitos, à jornada. São ainda componentes suplementares as horas (ou

tempo) à disposição (art. 4º, CLT) - inclusive o chamado tempo itinerante (En. 90) -, que também se integram, com

plenos efeitos, à jornada de trabalho obreira. Também são componentes suplementares as horas (ou tempo) de

prontidão (art. 244, §3º, CLT) e as horas (ou tempo) de sobreaviso (art. 244, §2º, CLT), que se integram à jornada

de trabalho obreira, mas com efeitos restritos.

Os componentes suplementares que compareçam apenas eventualmente à realidade do contrato laboral

(horas extras, horas à disposição, horas itinerantes, etc.) não terão, obviamente, o condão de se integraram ao

contrato. A habitualidade, portanto, também neste caso emerge como um requisito objetivo à integração salarial

de tais parcelas.

3 - Regras Gerais e Especiais Aplicáveis à Jornada

O universo normativo incidente sobre a jornada de trabalho é bastante variado. As normas jurídicas

heterônomas estatais estabelecem, de um lado, um padrão normativo geral, incidente sobre o conjunto do

mercado de trabalho e, de outro, um conjunto diversificado de regras incidentes sobre situações ou categorias

específicas de trabalhadores envolvidos. Ao lado desse quadro heterônomo, surge ainda um significativo espaço à

criatividade autônoma coletiva privada, hábil a tecer regras específicas aplicáveis às searas trabalhistas a que se

reportam.

Nesse confronto entre o padrão normativo heterônomo e o autônomo coletivo privado, entre regras gerais

e regras especiais, um primeiro debate relevante desponta: o concernente à natureza das normas jurídicas que

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tratam de jornada de trabalho, com o consequente espaço à suplantação concreta dessas normas pelos agentes

coletivos privados envolvidos com a relação de emprego.

A) Natureza das Normas a Respeito de Jornada

As normas jurídicas estatais que regem a estrutura e dinâmica da jornada de trabalho são, de uma

maneira geral, no direito brasileiro, normas imperativas. O caráter de cogência que tanto qualifica e distingue o

Direito do Trabalho afirma-se, portanto, enfaticamente, nesta seara juslaboral.

Em consequência dessa afirmação, todos os princípios e regras associados ou decorrentes de tal

imperatividade incidem, soberanamente, neste campo. Por essa razão, a renúncia, pelo trabalhador, no âmbito da

relação de emprego, a alguma vantagem ou estatuto resultante de normas respeitantes à jornada é absolutamente

inválida.

A transação meramente bilateral, sem substrato em negociação coletiva, também se submete ao mesmo

conjunto indissolúvel de princípios e regras. Desse modo, como regra, será inválida a transação bilateral que

provoque prejuízo ao trabalhador (art. 468, CLT). Ilustrativamente, redução de jornada com redução de salário

seria, por exemplo, alteração contratual claramente lesiva e, assim, ilícita (sua validação estaria condicionada à

enfática prova de que a alteração se fez por essencial interesse do empregado, como, por exemplo, em face de

pretender se dedicar, paralelamente, a outra atividade profissional).

Obviamente que inexistirá invalidação a ato jurídico modificativo de aspectos da jornada que esteja situado

dentro do jus variandi empresarial (art. 2º, caput, CLT). Tais modificações lícitas tendem a ser restritas - sob pena

de comprometerem a regra básica de vedação a alterações lesivas. Por isso é que limitam-se, em geral, àquelas

modificações que estejam normativamente autorizadas, seja por texto expresso de lei, seja por compreensão

jurisprudencial da ordem jurídica. Um exemplo expressivo é a alteração do trabalho do turno noturno para o

diurno, que a jurisprudência tende a considerar, em geral, como lícita (Enunciado 265, TST).

Há um tópico importante no tema da jornada em que se discute, hoje, a validade ou não da transação

meramente bilateral: trata-se do chamado regime de compensação de jornada. O art. 7º, XIII, da Carta de 1988

pareceria exigir negociação coletiva no tocante à fixação de regime de compensação de jornada no contexto

empregatício concreto. Há uma ponderável corrente interpretativa formada nessa direção (que entende, via de

consequência, estar superada a conduta hermenêutica lançada pelo Enunciado 108, TST, e construída com

suporte no §2º do art. 59, CLT).

Não obstante, a conjugação dos métodos gramatical, lógico-sistemático e teleológico conduz a outra

direção interpretativa. Observe-se que o mencionado inciso XIII fala em "facultada a compensação de horários e a

redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva do trabalho" (grifos acrescidos). Propositadamente a

nova Carta colocou o verbete acordo afastado da qualificação (e restrição) coletivo (aliás, coletiva concorda com o

feminino convenção), o que permite induzir-se que pretendeu conferir à palavra a dubiedade de acepções que

propicia (acordo bilateral ou acordo coletivo) - tal como já ocorria com o velho §2º do art. 59, CLT (que menciona

"acordo ou contrato coletivo"). Essa intenção constitucional afirma-se com palmar clareza quando se percebe o

cuidado da Constituição de reportar-se, expressamente, a acordo coletivo ou a negociação coletiva quando

pretendeu, de fato, restringir a modificação ao título jurídico da negociação coletiva. É o que se passou no art. 7º,

VI, que trata de redução de salário (com a expressão "convenção ou acordo coletivo") e no art. 7º, XIV, que trata

da ampliação da jornada especial em turnos ininterruptos de revezamento (com a expressão "salvo negociação

coletiva").

Justifica-se, plenamente, a cuidadosa diferenciação constitucional - que mantém, portanto, como válida a

interpretação do Enunciado 108, autorizativa da pactuação bilateral por escrito de regime de compensação de

jornada. É que a compensação de jornada é figura predominantemente favorável ao próprio trabalhador,

ampliando seus dias de disponibilidade pessoal, através de um ajuste correlato na distribuição da jornada diária ou

semanal - tudo sem elevação da quantidade efetiva de horas laboradas em um lapso temporal padrão mais amplo

(mês, por exemplo). Seria um contrasenso a Constituição, sob o intento de criar uma ordem jurídica mais favorável

ao trabalhador (relembre-se que o caput do art. 7º fala em direitos "que visem à melhoria de sua condição social"),

virtualmente cristalizasse o potencial de pactuação, no âmbito das relações empregatícias, de uma fórmula

usualmente benéfica a esse trabalhador. Sabe-se que a convenção ou acordo coletivo (sempre com participação

sindical, estatui a Constituição: art. 8º, VI) são instrumentos de rara celebração no contexto de pequenos

empreendimentos (onde mais se situa a força de trabalho empregaticiamente contratada no país) - o que

inviabilizaria nesses segmentos a adoção da sistemática referida pelo inciso XIII do art. 7º da Carta Maior. Como o

direito é uma fórmula de lógica e sensatez socialmente ajustada, preferiu a Constituição não impor um formalismo

que conspirasse contra o próprio espírito e objetivos maiores de todo o Direito do Trabalho.

Evidentemente que a restrição discriminatória contida no Enunciado 108, que exige o título jurídico coletivo

para compensação de jornada envolvente à mulher empregada, não mais subsiste no direito brasileiro, por ser

frontalmente incompatível com a Constituição da República (art. 5º, caput e inciso I, e art. 7º, XX, CF/88). Trata-se

de flagrante discriminação, que sob o manto paternal tutelar corriqueiro na velha CLT, ofende a interesse pessoal

e coletivo da mulher (caput e inciso do art. 5º citado), restringindo-lhe o mercado de trabalho (inciso XX do art. 7º

mencionado).

O tópico do regime de compensação de jornada conduz ainda a um segundo importante debate: qual o

parâmetro para a compensação (dia, semana ou mês)? Embora haja afirmações no sentido de que a Carta de 88

impôs a compensação meramente semanal, não é isso que resulta de uma interpretação gramatical, lógico116

sistemática e teleológica do inciso XIII aqui analisado. Ao contrário, a CLT é que parecia querer impor semelhante

limitação (dizia o §2º do art. 59, celetista: "...de maneira que não exceda o horário normal da semana nem seja

ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias"). A Constituição, ao excepcionar a compensação, não fixa

aparentes limites temporais: "...facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou

convenção coletiva de trabalho".

É óbvio que há parâmetros máximos para o regime de compensação, mas estes não se cobrem nos

limites estritos da jornada diária ou semanal, estendendo-se, inequivocamente, até o parâmetro temporal máximo

do mês (220 horas, segundo a jornada padrão criada pela mesma Carta Magna - se não aplicável ao caso

determinada jornada especial). O mês é o parâmetro básico e máximo para cálculo de valores e quantidades no

Direito do Trabalho - sendo, desse modo, também o limite lógico e teleológico para o regime de compensação de

jornada. Por essa razão é que são compatíveis com a nova ordem constitucional os conhecidos regimes de

compensação que estipulam sistemas de plantões (12 X 36 ou 24 X 72) - os quais, como se sabe, ultrapassam,

em certa semana, em pequena quantidade, a jornada máxima de 44 horas, mas, no conjunto do mês, asseguram

uma jornada até mesmo inferior às 220 horas laboradas.

A natureza imperativa das normas heterônomas existentes a respeito de jornada de trabalho impede que a

negociação coletiva amplie as jornadas padrão fixadas pela Carta de 1988 ou por norma legal. Excetuado o caso

da jornada especial para os que laboram em turnos ininterruptos de revezamento - cujo preceito instituidor

autoriza expressamente a negociação coletiva ampliativa da jornada (art. 7º, XIV, CF/88) - o princípio da

adequação setorial negociada informa existir aqui, à luz do direito brasileiro, uma fronteira intransponível para a

normatividade privada coletiva negociada(3).

Do confronto entre as normas legais precedentes a 1988 e os preceitos trazidos pela Carta de 05 de

outubro, percebe-se que não houve recepção de normas celetistas (por exemplo, algumas hipóteses do art. 61,

CLT) que autorizavam horas extras não remuneradas com adicional (excetuada as resultantes de regime de

compensação de jornada). É que a nova Carta estipulou a "remuneração do serviço extraordinário superior, no

mínimo, em cinquenta por cento à do normal" (art. 7º, XVI). Também não houve recepção das normas que

discriminavam a mulher perante o homem e restringiam sua inserção no mercado de trabalho e dinâmica

empresarial. Parte dessas normas foram revogadas, logo após a Constituição, pela Lei 7855/89, embora outras,

mantidas aparentemente em vigor (por exemplo, o intervalo do art. 383, CLT), têm seus efeitos esterilizados, em

face da revogação tácita procedida pela nova Carta (art. 5º, caput e I, e art. 7º, XX, CF/88).

É evidente, por outro lado, que houve recepção normativa no tocante aos preceitos mais favoráveis -

naquilo que não restringem a Constituição -, como ocorre com a transação concernente a compensação de

jornada.

As normas celetistas concernentes à jornada do menor não se consideram revogadas pela Constituição. O

menor é claramente objeto de discriminação protetiva por parte do direito em geral, inclusive por parte da própria

Constituição (ilustrativamente, art. 7º, XXXIII, e 226 a 229, CF/88). O texto constitucional é, inclusive, enfático ao

ser referir a uma proteção especial aos menores (§3º do art. 227, CF/88). Nesse contexto, encontram-se em vigor

as regras celetistas que determinam contar-se a jornada regular máxima dos menores computando-se todos os

empregos (art. 414, CLT) e obstaculizam a realização de horas extras, exceto por regime de compensação e por

força maior (art. 413, CLT).

B) Controle da Jornada de Trabalho

A jornada de trabalho é o lapso temporal diário, semanal ou mensal em que o trabalhador presta serviços

ou se coloca à disposição total ou parcial do empregador, incluídos ainda nesse lapso os chamados intervalos

remunerados. Como se percebe da própria definição da figura jurídica, para que se afira, no plano concreto, uma

jornada de trabalho efetivamente prestada, é necessário que exista um mínimo controle ou fiscalização sobre o

tempo de trabalho ou de disponibilidade perante o empregador. Trabalho não fiscalizado ou controlado

minimamente é insuscetível de propiciar a aferição da real jornada laborada pelo obreiro: por essa razão é

insuscetível de propiciar a aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo trabalhador.

Por essa razão é que distingue o Direito do Trabalho entre jornadas submetidas a controle empresário e

jornadas não submetidas a esse efetivo controle. As primeiras (jornadas controladas) podem ensejar a prestação

de horas extraordinárias, caso evidenciada a extrapolação da fronteira temporal regular da jornada padrão

incidente sobre o caso concreto. As segundas (jornadas não controladas) não ensejam o cálculo de horas

extraodinárias, dado que não se pode aferir sequer a efetiva prestação da jornada padrão incidente sobre o caso

concreto.

Ao lado das jornadas controladas e não controladas, há, finalmente, a possibilidade, na ordem jurídica, da

existência de jornada não tipificada legalmente e, desse modo, também insuscetível de ensejar incidência de

horas extraordinárias, no plano concreto. Essa última figura abrange exclusivamente, no direito brasileiro, a

categoria doméstica.

Jornadas Controladas

A regra geral, no direito brasileiro, aponta no sentido de que as jornadas de trabalho empregatícias são

sempre do tipo controladas. É que se sabe incidir em benefício do empregador um amplo conjunto de

prerrogativas autorizadoras de sua estrita direção, fiscalização e controle sobre a prestação de serviços

117

contratada (art. 2º, caput, CLT). Nesse quadro, presume-se que tal poder de direção, fiscalização e controle

manifestar-se-á, cotidianamente, ao longo da prestação laboral, quer no tocante à sua qualidade, quer no tocante

à sua intensidade, quer no tocante à sua frequência.

Não obstante exista a presunção de jornada controlada, não estabelece a lei procedimentos especiais

para esse controle quando se tratar de trabalho interno em pequeno estabelecimento empresarial. A razão é

meramente prática, visando simplificar as exigências sobre o pequeno empresário - mas isso não elide a

presunção jurídica de jornada controlada aqui exposta.

Tratando-se, porém, de trabalho interno em estabelecimento com mais de dez empregados, estabelece a

CLT alguns procedimentos formais de controle de jornada, com o objetivo de facilitar a evidência de respeito à

jornada legal padrão ou a evidência do trabalho extraordinário efetivamente realizado. De fato, dispõe o art. 74,

§2º, CLT, ser "obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico",

conforme instruções administrativas do Ministério do Trabalho, prevista, ainda, pelo mesmo dispositivo, a "préassinalação

do período de repouso".

A jurisprudência tem se degladiado sobre os efeitos probatórios desses registros de jornada. Duas

posições básicas emergiram: a primeira, indicando no sentido de que os registros escritos constituir-se-iam na

modalidade única de prova da jornada. Tal posição conduziria à aplicação da confissão ficta com respeito à

jornada alegada em um processo em que tais registros não fossem juntados (uma variante mais extremada dessa

primeira posição indicava que mesmo os registros pouco convincentes - porque absolutamente uniformes, por

exemplo - produziriam o idêntico efeito de confissão ficta). A segunda posição surgida a respeito do tema

considerava que o não colacionamento dos registros de ponto (ou a juntada de registros de parca fidedignidade)

reduzia os efeitos da contestação processual empresária, atenuando o ônus probatório cabível ao autor de provar

a existência de sobrejornada - mas não eliminava, em absoluto, esse ônus, nem seria hábil a produzir confissão

ficta a respeito da jornada alegada. Apenas se houvesse descumprimento desmotivado a uma determinação

judicial expressa de juntada de cartões, é que caberia falar-se na pena do art. 359, CPC.

Após décadas de posicionamento divergente dos tribunais quanto à matéria, encaminhou-se a

jurisprudência para vertente próxima à segunda aqui formulada, através do Enunciado 338, TST.

Ressalte-se que a ordem jurídica prevê, além do trabalho interno - usualmente controlado - a possibilidade

de existência de trabalho externo submetido a alguma forma de fiscalização e controle. É o que se passa com

roteiros externos cumpridos em horários lançados em fichas ou papeletas de registro de horário em poder do

próprio empregado (§3º do art. 74, CLT). De todo modo, a prática justrabalhista tem demonstrado que a simples

circunstância do trabalho ser realizado externamente não elimina, em extensão absoluta, a viabilidade de certo

controle e fiscalização sobre a efetiva prestação laboral. Existindo tal controle e fiscalização torna-se viável

mensurar-se a jornada trabalhada, passando a ser possível, desse modo, falar-se em horas extras.

Jornadas Não Controladas

A ordem jurídica reconhece que a aferição de uma efetiva jornada de trabalho cumprida pelo empregado

supõe um mínimo de fiscalização e controle por parte do empregador sobre a prestação concreta dos serviços ou

sobre o período de disponibilidade perante o empregador. O critério é estritamente prático: trabalho não

fiscalizado nem minimamente controlado é insuscetível de propiciar a aferição da real jornada laborada pelo

obreiro - por essa razão é insuscetível de propiciar a aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo

trabalhador. Nesse quadro, as jornadas não controladas não ensejam o cálculo de horas extraordinárias, dado que

não se pode aferir sequer a efetiva prestação da jornada padrão incidente sobre o caso concreto.

Critério prático - reconhecido pelo direito enquanto síntese de lógica e sensatez socialmente ajustadas.

Não critério de eleição de discriminação - que seria, de todo modo, inconstitucional (art. 5º, caput, e 7º, XIII e XVI,

CF/88).

Dois tipos de empregados são indicados pela CLT como inseridos em uma situação empregatícia tal que

torna-se inviável um efetivo controle e fiscalização sobre o cotidiano de suas jornadas laboradas. Trata-se dos

trabalhadores que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho e dos gerentes,

estes desde que exercentes de cargos de gestão e recebedores de acréscimo salarial superior a 40% do cargo

efetivo (art. 62, I e II e parágrafo único, CLT).

Mas atenção: cria aqui a CLT apenas uma presunção - a de que tais empregados não estão submetidos,

no cotidiano laboral, a fiscalização e controle de horário, não se sujeitando, pois, à regência das normas sobre

jornada de trabalho. Presunção jurídica...e não discriminação legal. Desse modo, havendo prova firme (sob ônus

do empregado) de que ocorria efetiva fiscalização e controle sobre o cotidiano da prestação laboral, fixando

fronteiras claras à jornada diária laborada, afasta-se a presunção legal instituída, incidindo o conjunto das regras

clássicas concernentes à jornada de trabalho.

No tocante aos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de

trabalho (tal circunstância deve ser anotada na CTPS e no registro de empregados: inciso I, art. 62, CLT), a

presunção atinge, por exemplo, vendedores pracistas, vendedores viajantes, motoristas carreteiros e outros

empregados posicionados em situação similar. A redação do mencionado inciso I, oriunda da Lei 8966, de

27.12.94, incorpora, desse modo, uma generalização jurisprudencialmente já acatada em contraponto ao texto

aparentemente mais restrito da antiga alínea "a" do mesmo art. 62, CLT. É que, na verdade, para fins da previsão

do art. 62, CLT, não é relevante a categoria ou atividade profissional do obreiro (vendedor, por exemplo), mas o

fato de efetivamente exercer atividade externa não submetida a controle e fiscalização de horário.

118

Entretanto, no tocante aos gerentes, a nova Lei 8966/94 não incorporou compreensão jurisprudencial

anteriormente construída. Ao contrário, a jurisprudência sempre foi restritiva ao interpretar o velho texto da alínea

"b" do art. 62, CLT, exigindo poderes de mando, gestão e representação para considerar configurado o tipo-legal

excetuativo do gerente objetivado pelo preceito celetista sob exame. Aqui, a Lei 8966/94 ampliou, de fato, a já

clássica concepção legal e jurisprudencial de gerente, exigindo-lhe, comparativamente, apenas os poderes de

gestão, sem os requisitos dos poderes de mando e de representação. Aduz, ainda, a nova lei que a tais gerentes

equiparam-se, para os fins previstos no art. 62, os chefes de departamento e/ou filial. Quantifica, por fim, o novo

texto normativo a diferenciação salarial que deve existir entre o cargo/função de gerente e o cargo/função efetivos:

não menos que 40% de acréscimo salarial entre o "respectivo salário efetivo" e o nível condizente com o

cargo/função de gerente.

É inegável que o presente texto do art. 62, CLT, ampliou a abrangência do tipo-legal do gerente, para fins

celetistas. É inegável, contudo, que, para fins de elisão das regras referentes a jornada de trabalho, o mesmo art.

62 estabelece apenas e tão somente uma presunção juris tantum: a de que tais trabalhadores, por sua posição

hierárquica elevada na estrutura funcional da empresa, não se submetem a controle e fiscalização estrita de

horário de trabalho. Presunção favorável ao empregador, mas que admite prova em contrário. Evidenciado que o

gerente, não obstante detentor de poderes de gestão e favorecido pelo acréscimo salarial superior a 40% do

salário efetivo, submete-se a estrito controle diário de horário e jornada, enquadra-se tal empregado nas fronteiras

da jornada padrão de trabalho de sua categoria profissional, sendo credor de horas extras efetivamente prestadas

por além dessa jornada padrão. Compreender-se que a CLT produziu uma discriminação em desfavor de tais

empregados gerentes - e não apenas uma presunção jurídica - é se compreender que o texto celetista é

essencialmente ineficaz, por agredir normas constitucionais expressas em direção contrária (art. 5º, caput; art. 7º,

XIII e XVI, CF/88).(4)

Jornadas Não Tipificadas

A ordem jurídica brasileira exclui, ainda, da regência normativa geral concernente a jornada de trabalho

uma única categoria específica de empregados: o doméstico. Tais trabalhadores, estejam ou não submetidos a

fiscalização e controle de horário, não recebem a incidência de normas jurídicas relativas à jornada de trabalho.

Sua jornada não é, pois, legalmente tipificada.

Trata-se, inquestionavelmente, de uma discriminação, mas autorizada inclusive pela ordem jurídica

constitucional. É que, antes de 1988, os empregados domésticos não tinham sequer uma única proteção

incorporada pelos textos constitucionais do país, vivendo em um limbo jurídico, sem qualquer cidadania na ordem

jurídica pátria. Apenas em 1972, pelo acanhado texto da Lei 5.859/72, é que passaram a ter um rol singelo de

direitos trabalhistas e previdenciários. A Constituição de 05 de outubro/88, pela primeira vez na história das cartas

constitucionais brasileiras, referiu-se à categoria no corpo de suas regras, ampliando-lhes, também,

significativamente, o respectivo conjunto de direitos trabalhistas (art. 7º, parágrafo único, CF/88). Mas, nessa

ampliação, não fez incidir qualquer dos preceitos concernentes à jornada de trabalho (por exemplo, art. 7º, XIII e

XVI, em contraponto com parágrafo único do mesmo artigo 7º), mantendo a categoria fora da tipificação jurídica do

fenômeno da jornada de trabalho.

C) Jornada Padrão de Trabalho

O direito brasileiro prevê a existência de uma jornada padrão de trabalho, aplicável ao conjunto do

mercado laboral como um todo, ao lado de algumas jornadas especiais, aplicáveis a certas categorias específicas

(bancários, por exemplo) ou a trabalhadores submetidos a sistemática especial de atividade ou organização do

trabalho (trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, por exemplo).

A jornada padrão de trabalho é, hoje, de 8 horas ao dia e 44 horas na semana (art. 7º, XIII, CF/88). A

Carta de 1988 revogou, em parte, o art. 58, CLT, que estipulava uma jornada diária de 8 horas e semanal de 48

horas. Revogação apenas parcial, esclareça-se, dado que a jornada diária padrão continua a ser de 8 horas e não

de 7,33 horas (como poderia parecer em função da divisão de 44 horas por 6 dias de trabalho na semana, já

incluído o repouso) ou 7,20 horas (parâmetro resultante da divisão de 44 horas por 6 dias de trabalho na semana,

ainda não incorporado o repouso). Nesse contexto, não serão extras os minutos diários laborados entre a fração

temporal 7,33 (ou 7,20) e a oitava hora diária.

A jornada mensal padrão, hoje, é de 220 horas (em contraponto a 240 horas antes da Carta de 1988).

Nesse montante já se encontra incluída a fração temporal equivalente ao repouso semanal remunerado (Lei

605/49). Para esse cálculo mensal é que tem interesse a utilização da fração ideal diária de 7,33 horas - fração

que já inclui o repouso semanal remunerado (7,33 horas X 30 dias = 220 horas).

O caráter imperativo das normas jurídicas acerca de jornada de trabalho conduz à conclusão de que será

ineficaz norma jurídica heterônoma ou autônoma que estabeleça jornada padrão superior às 220 horas mensais

(art. 7º, XIII, CF/88). O que a Constituição autoriza, como visto, será apenas a extrapolação da jornada diária de 8

horas ou semanal de 44 horas, desde que mediante adoção do regime de compensação de jornada, hábil a fazer

respeitar, ao final do mês laborado, a fronteira máxima regular de 220 horas.

D) Jornadas Especiais de Trabalho

119

As jornadas especiais de trabalho existentes ou concernem a certas categorias específicas ou dizem

respeito a trabalhadores submetidos a sistemática especial de atividade ou organização do trabalho.

Categorias Específicas

Tais jornadas especiais - estabelecidas por norma jurídica, evidentemente - podem extrapolar o padrão

diário fixado para o mercado de trabalho no país (8 horas ao dia), mantendo-se válidas desde que respeitado o

padrão mensal básico fixado pela ordem constitucional (220 horas ao mês). É o que se passa com umas poucas

categorias profissionais (ou determinadas frações dessas categorias), que, em face das peculiaridades do setor,

tendem a se submeter à fixação de lapsos temporais diários mais amplos de trabalho (sem prejuízo do padrão

geral mensal, repita-se). São exemplos significativos dessas categorias que têm jornadas diárias eventualmente

superiores a 8 horas ao dia os aeronautas; os trabalhadores nos setores de petróleo, petroquímica e indústria de

xisto; os eletricitários; os ferroviários.(5)

O que é mais usual, entretanto, no caso das jornadas especiais de determinadas categorias, é que

consistam em lapsos temporais diários (e, conseqüentemente, semanais) inferiores ao padrão constitucional

mencionado. Observem-se alguns exemplos expressivos: empregados em frigoríficos; telegrafistas e telefonistas

com horários variáveis; radialistas do setor de cenografia e caracterização (todos com jornada diária de 7 horas e

consequente jornada semanal reduzida). Outro bloco de expressivos exemplos: cabineiros de elevador; artistas;

bancários e economiários; telegrafistas e telefonistas; operadores cinematográficos; telegrafista ferroviário;

revisores; aeroviário em pista; professores; atividades em minas de subsolo (todos com jornada diária de 6 horas

e consequente jornada semanal reduzida). Um terceiro grupo de categorias com jornadas ainda mais reduzidas:

jornalistas profissionais e radialistas - estes do setor de autoria e locução (todos com jornada diária de 5 horas e o

parâmetro semanal equivalente).(6)

São poucos os exemplos hoje existentes de jornadas especiais em virtude da submissão, pelo

trabalhador, a determinada modalidade de organização do trabalho ou determinada sistemática especial de

atividade funcional. No primeiro caso (modalidade especial de organização do trabalho) encontra-se o trabalho em

turnos ininterruptos de revezamento; no segundo caso, encontra-se o trabalho em esforço contínuo de digitação.

Turnos Ininterruptos de Revezamento

Os trabalhadores submetidos ao sistema de turnos ininterruptos de revezamento vivenciaram uma curiosa

evolução justrabalhista no direito brasileiro: passaram de um período de flagrante discriminação jurídica (a teor do

texto do art. 73, caput, CLT) a uma fase de afastamento dessa discriminação (a teor de interpretação

jurisprudencial construída anos após a Carta Constitucional de 1946), culminando, com a Constituição de 1988, no

despertar de uma fase de real vantagem jurídica comparativa.

De fato, o art. 73, CLT, não somente não criava qualquer jornada especial para os empregados

posicionados em tal sistemática de trabalho, como abertamente os discriminava em contraponto com os demais

obreiros, já que os excluía dos diferenciais da hora ficta noturna e adicional noturno quando laborando em horário

noturno. É curioso observar que a discriminação produzida era bastante ampla, uma vez que a CLT referia-se

apenas à expressão revezamento, omitindo o qualificativo/restritivo ininterruptos (art. 73, caput, CLT).

A Carta Constitucional de 1946 fixou dispositivo claramente antagônico à discriminação celetista, ao

estabelecer como direito trabalhista "salário do trabalho noturno superior ao do diurno" (art. 157, III, CF/46). Não

obstante a clareza do preceito magno, a jurisprudência, por longos anos após 1946, valendo-se da teoria

tradicional informativa da eficácia das normas jurídicas constitucionais, ainda insistiu na tese de que o comando

constitucional não produzia efeitos ... por ser norma meramente programática.

Finalmente, anos depois, reformulando sua leitura teórica acerca da eficácia das normas jurídicas

constitucionais, solidificou-se a jurisprudência no sentido de que o mencionado art. 157, III, produzira efeito

imediato e, via de consequência, revogara a discriminação contida no art. 73, caput, CLT. Nessa linha, as

Súmulas 213 e 214 do Supremo Tribunal Federal e o Enunciado 130 do Tribunal Superior do Trabalho.

A Constituição de 1988 completou o ciclo de evolução, criando uma clara vantagem jurídica para os

trabalhadores submetidos a essa sistemática de organização de trabalho: a jornada especial de 6 horas ao dia (e,

conseqüentemente, 36 horas na semana) - art. 7º, XIV, CF/88.

Qual a caracterização da figura do art. 7º, XIV, da Carta de 1988?

Uma significativa polêmica formou-se em torno dessa essencial questão. Entretanto, hoje, passados

alguns anos da edição da nova Carta, os operadores jurídicos já tendem a se reunir em convergência a alguns

pontos caracterizadores essenciais.

Em primeiro lugar, está claro que, ao instituir a vantagem jurídica, a Carta Maior teve o cuidado de

restringir o tipo-legal enfatizado, de modo a direcionar o direito à jornada especial exclusivamente aos

trabalhadores que reunissem, em sua sistemática laboral, o máximo de adversidades características do trabalho

em revezamento. Por isso é que não se valeu da expressão mais ampla inserida no art. 73, CLT (que fala,

simplesmente, em revezamento), preferindo delimitar, rigidamente, o tipo-legal: turnos ininterruptos de

revezamento. Desse modo, enquadra-se no tipo-legal o sistema de trabalho que coloque o empregado,

alternativamente em cada semana, quinzena ou mês, em contato com as diversas fases do dia e da noite,

cobrindo as 24 horas integrantes da composição dia/noite. Daí a idéia de falta de interrupção no sistema de

trabalho - sob a ótica do trabalhador (turnos ininterruptos). Nesse quadro, um sistema de revezamento que não

120

seja ininterrupto - sob a ótica obreira -, cobrindo, alternativamente, apenas parte das fases integrantes da

composição dia/noite, não estará enquadrado no tipo-legal do art. 7º, XIV, CF/88.

Em segundo lugar, é irrelevante a existência de paralisações totais ou parciais da empresa para fins de

tipificação da presente figura jurídica. O que esta enfatiza é o trabalho e a figura do trabalhador, construíndo-se o

direito à jornada especial em face do maior desgate a que se submete o obreiro posicionado nessa sistemática de

organização laboral. A situação enfocada pela Constituição configura-se caso o trabalhador labore ora

essencialmente pela manhã, ora essencialmente pela tarde, ora essencialmente pela noite - por ser flagrante a

agressão que semelhante sistemática de organização laboral impõe ao organismo do trabalhador. É a essa

sistemática de trabalho que a Constituição pretendeu atingir, reduzindo o desgaste do trabalhador, ao

proporcionar-lhe uma jornada mais estreita de trabalho. Nesse contexto, não prejudica a tipificação dos turnos

ininterruptos de revezamento a existência, na empresa, de uma paralisação total (ou parcial) fixa (ou móvel) em

um dia de semana - para atender, por exemplo, conjuntamente, ao repouso semanal remunerado. Do ponto de

vista do trabalhador, quando submetido à rotina do trabalho, ele ingressa num círculo ininterrupto de revezamento

que atinge todas as fases do dia e da noite...

Pelas mesmas razões, a existência de intervalo intrajornada não prejudica a tipificação da figura jurídica.

Como enfatisado, a idéia de falta de interrupção dos turnos centra-se na circunstância de que eles se sucedem ao

longo das semanas, quinzenas ou meses, de modo a se encadearem para cobrir todas as fases da noite e do dia -

não tendo relação com o fracionamento interno de cada turno de trabalho. Além disso, seria grosseiramente

ilógico que a Constituição criasse uma jornada especial com intuito fortemente protetivo, fundada até mesmo em

considerações de saúde pública (a redução da jornada é o único meio de reduzir os malefícios causados por esse

sistema ao organismo da pessoa que a ele se submete)...para colocá-la em contradição a outra norma de forte

conteúdo protetivo e de saúde pública: os pequenos intervalos intrajornadas (arts. 71 e 72, CLT, por exemplo). O

que levou ao estabelecimento do intervalo de 15 minutos para trabalho com duração superior a 4 horas (§1º do

art. 71, CLT) é o desgaste específico produzido pela dedicação contínua a uma atividade laborativa. O que levou

ao estabelecimento da jornada especial do art. 7º, XIV, CF/88, é o desgaste suplementar produzido pela

sistemática de trabalho tipificada pela Constituição. São fatos e circunstâncias distintas, que deram origem a

normas distintas, que não se confundem, nem se excluem.

A prática jurídica tem evidenciado a ocorrência de uma divergência importante no que tange à aplicação

da regra do art. 7º, XIV, CF/88. Caso o trabalhador labore em efetivo turno ininterrupto de revezamento, mas não

tenha essa circunstância ainda reconhecida por seu empregador, perfazendo, assim, uma jornada diária de 8

horas e 44 horas na semana, que parcela ser-lhe-á devida a título de incidência da jornada especial de 6 horas?

Tem sido comum a resposta no sentido de que será devido a esse trabalhador apenas o respectivo adicional de

sobrejornada, calculado sobre a 7ª e 8ª horas laboradas... por já ter recebido o valor principal dessas horas

(aplicando-se, em suma, o critério previsto no Enunciado 85, TST).

Há um problema, contudo, nessa linha de reflexão. É que ela, na verdade, não se dá conta de que a

Constituição, ao reduzir a jornada, elevou o preço relativo da força de trabalho submetida a turnos ininterruptos de

revezamento: noutras palavras, elevou o salário hora desses trabalhadores. Desse modo, o salário hora

correspondente a 8 horas diárias de trabalho (e 44 horas na semana) é significativamente inferior ao salário hora

relativo a 6 horas diárias de trabalho (e 36 horas na semana). O critério jurisprudencial aqui aplicável é, pois, o do

Enunciado 199, TST, e não o da súmula 85 (que se refere a pagamento de adicional em regimes de compensação

de jornada irregulares - situações em que houve, de fato, a correta percepção das horas trabalhadas, se

considerada a semana ou mês...).

Atividade Contínua de Digitação

As jornadas especiais de trabalho são criadas pelo direito em função de dois fundamentos principais. O

mais comum diz respeito a categoria profissional dotada de forte poder sócio-político, hábil a ampliar, topicamente,

seus direitos trabalhistas (caso de algumas jornadas especiais de categorias específicas).

O segundo fundamento reside na percepção, pelo direito, da existência de atividades laborativas especiais

ou circunstâncias especiais de trabalho, que, por sua natureza ou ambientação, produzem forte desgaste nas

condições físicas e psicológicas do trabalhador envolvido. Assim, a redução da jornada padrão de trabalho surge

como um mecanismo eficaz de redução do desgaste produzido no respectivo trabalhador. Esse segundo

fundamento, como se percebe, é estruturalmente atado a considerações típicas da área de saúde e segurança do

trabalho, uma vez que a redução da exposição do obreiro à atividade ou ambientação maléficas constitui-se em

um dos instrumentos mais eficazes de profilaxia e/ou enfrentamento de tais fatores nocivos. Nesse segundo grupo

de jornadas especiais inscrevem-se, por exemplo, as jornadas especiais de algumas categorias, como os

trabalhadores em minas de subsolo (art. 293, CLT), os telefonistas (art. 227 e seguintes, CLT) e os trabalhadores

em contato com o interior de câmaras frigoríficas (art. 253, CLT).

O avanço tecnológico das últimas décadas criou nova atividade laboral sumamente insalubre - e que não

necessariamente importa em uma categoria profissional específica: a atividade de processamento eletrônico de

dados e, em especial, a atividade contínua de digitação.

A respeito dessa atividade relativamente recente, silencia-se a velha CLT. A jurisprudência tem, contudo,

considerado aplicável, por analogia, a regra do art. 72, CLT (que é tipicamente de medicina do trabalho), que

determina a observância de intervalos remunerados de 10 minutos a cada 90 minutos laborados em serviços

permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo). Nessa linha há, inclusive, o Enunciado 346,

121

TST. Esse avanço jurisprudencial já permite alguma redução na exposição do digitador à insalubridade inerente à

intensificação de seu labor.

Nessa mesma linha, dispõe a Portaria do Ministério do Trabalho nº 3751, de 23.11.90, através da NR 17 -

Ergonomia - (alterando a Portaria 3214/78), que o tempo efetivo na atividade de "entrada de dados não deve

exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que no período de tempo restante da jornada, o trabalhador

poderá exercer outras atividades...desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual" (item 17.6.4,

NR 17, Portaria 3751, Ministério do Trabalho).

Há forte polêmica em torno dessa regra restritiva da exposição do trabalhador à insalubridade inerente ao

esforço contínuo de digitação. Uma primeira vertente interpretativa argumenta que está-se diante de norma

relativa a jornada de trabalho, expedida por autoridade administrativa sem competência constitucional ou legal

para tanto. Norma inválida, em conseqüência.

A segunda vertente interpretativa argumenta em sentido favorável à validade do preceito, objetando não

se tratar de norma fixadora de jornada especial, mas tão somente restritiva do tempo de exposição à insalubridade

(tanto que poderia o trabalhador, a princípio, completar sua jornada padrão em outros serviços não insalubres).

Aduz que para tal ação de combate à insalubridade seria competente a autoridade administrativa mencionada (art.

155 e seguintes, CLT). Agrega a seu argumento a circunstância da Constituição ter arrolado como direito dos

trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança"

(art. 7º, XXII). Nessa linha de ênfase à saúde pública, a nova Carta tipificou a seguridade social como um

"conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os

direitos relativos à saúde..." (art. 194, CF/88). Colocou a mesma Constituição a saúde como "direito de todos e

dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

outros agravos..." (art. 196, CF/88). Em função de tudo isso coerentemente qualificou como de "relevância pública

as ações e serviços de saúde..." (art. 197, CF/88), que envolvem não apenas "...ações de vigilância sanitária e

epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador" (art. 200, II, CF/88). Em face de todos esses comandos

constitucionais bastante enfáticos, a ação administrativa estatal, através de normas de saúde pública e de

medicina e segurança do trabalho que venham reduzir o tempo de exposição do trabalhador a certos ambientes

ou atividades, não seria, definitivamente, inválida, à luz da reflexão construída por essa segunda vertente

interpretativa.

4 - Jornada Extraordinária

A) Conceituação e Caracterização

Jornada extraordinária é o lapso temporal de trabalho ou disponibilidade do empregado perante o

empregador que ultrapasse a jornada padrão, fixada em norma jurídica ou por cláusula contratual. É a jornada

suplementar à jornada padrão aplicável à relação empregatícia concreta.

O conceito de jornada extraordinária não se estabelece em função da remuneração suplementar

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