TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

COTAS RACIAIS

Dissertações: COTAS RACIAIS. Pesquise 860.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  2/3/2015  •  5.515 Palavras (23 Páginas)  •  318 Visualizações

Página 1 de 23

DESABAFO DE UM NEGRO SEM BRASIL

Prezados William Bonner e Fátima Bernardes,

"Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos, mas fazemos o que talvez seja pior, a vida dos pretos brasileiros é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilânime de um desprezo que fermenta em nós dia e noite".

Nelson Rodrigues

É com surpresa e indignação que tenho observado a postura marcadamente tendenciosa e parcial dos editores do Jornal Nacional, no que tange ao implemento de cotas para negros nas universidades brasileiras e outros segmentos. A leitura da questão racial de ambos, como grande parte dos brasileiros carece de um aprofundamento mas sério e responsável sobre o tema. O que me revolta, no entanto, na edição das matérias sobre o tema, é a supressão reiterada de elementos históricos que tem colocado o negro à margem do setor produtivo.

As suas elucubrações sobre a questão das cotas são eminentemente determinista, o que não permite ao telespectador, notadamente aos mais displicentes, formar opinião mais elaborada e isenta das ações afirmativas, o que é extremamente nocivo. Vocês sabem que no jornalismo esta postura configura-se um pecado inaceitável. A regra alienante e, sobretudo maldosa de suas matérias (reveja as reportagens anteriores sobre o mesmo tema e confirmem) já é tema recorrente entre nossos pares. É sustentada notadamente nas seguintes bases: passagem tendenciosa, sonora geralmente com um negro ou um branco de poucos recursos intelectuais, obviamente contrários às cotas, sonora de dez ou onze segundos com negros de pouco domínio de causa e, finalmente, o tiro de misericórdia: uma sonora eterna de sociólogos, “especialistas” e afins, que se estende até os limites do jornal da Globo. E pasmem! Agora vocês conseguiram o inimaginável: fechar suas matérias até com antropólogos contra um processo sério de inclusão. Mas vocês não são deterministas? Sugestão para fechamento de suas próximas matérias sobre o tema cotas: A filosofa Sueli Carneiro, o economista Marcelo Paixão, Zulu Araújo (Fundação Palmares-DF), Frei David, Hélio Santos, estas figuras iriam adorar receber um telefone da Rede Globo.

William e Fátima, o que tem me surpreendido quanto aos nobres editores é a falta de sensibilidade em ocultar o que tem revelado os vários índices do IBGE, IPEA, USP, PNUD, entre outros, da condição historicamente trágica do negro no país da "democracia racial", onde revela que realmente todos somos iguais. Vejam: racismo e a discriminação mantêm perto de metade da população do país à margem do desenvolvimento social, vítima de uma abolição inconclusa que não foi acompanhada de nenhuma política de inclusão da massa de ex-escravos que, ao contrário, foi relegada socialmente mediante uma política eugênica de branqueamento da sociedade pelo estímulo da imigração européia, e de políticas de exclusão, o que impediu o acesso democrático dos negros à educação formal, aos bens culturais, e limitou suas possibilidades de participação política e nas instâncias de poder. Uma população que, após 119 anos da abolição da escravatura, permanece exposta a múltiplos mecanismos de discriminação e marginalização social sem que nenhuma política pública efetiva de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial seja implementada apesar de o problema já estar suficientemente diagnosticado por meio de inúmeras pesquisas realizadas por instituições governamentais e não-governamentais e amplamente divulgadas.

William e Fátima é preciso pontuar também que um estudo do núcleo de violência da USP mostra que nos tribunais, os afrodescendentes têm o dobro de punição para os mesmos crimes praticados por não negros, Ação afirmativa e políticas de cotas estão em vigor no país há 500 anos. Só que voltadas aos brancos. Todos os mecanismos que excluem o negro favorecem o branco. Para branco pode. Uma família branca, mesmo quando oriunda das classes populares, tem chances inúmeras vezes superior de experimentar mobilidade social que uma família negra nas mesmas condições. Somos oficialmente 45 por cento da população do país e apenas 2% dos negros adentram o ensino universitário, o IPEA constatou que, apesar da democratização do acesso ao sistema educacional e da melhoria dos níveis educacionais de negros e brancos, desde a década de 20 do século anterior até o presente a diferença de escolarização de negros e brancos mantém-se inalterada. Há um estudo que coloca a renda média nesta ordem decrescente: homem branco, mulher branca, homem negro e, por último, mulher negra. Eu gostaria que a mulher branca não sofresse esse prejuízo em relação ao homem branco, mas eu estou hierarquizando as dificuldades. Ou vocês admitem que somos inferiores ou admitem que existe algo de errado no reino da Dinamarca.

William e Fátima peço que não esqueçam que as primeiras políticas de ação afirmativa no Brasil foram dirigidas a europeus que vinham para cá na condição de imigrantes. Alguns conseguiram terras, em vários pólos de desenvolvimento receberam recursos e, na minha opinião, receberam com razão. Eram pessoas que chegavam aqui, não dominavam o idioma português, vinham para colonizar o Brasil, ocupar o espaço. O Estado investiu nelas. Foi importante fazer isso com os alemães, com os poloneses, com os italianos e japoneses. O que acho um escândalo é o mesmo não ter sido feito com os negros quando houve a abolição. E quando se fala, agora, em uma política ainda muito modesta de ressarcimento, a reação da sociedade, especialmente da Rede Globo, é muito ruim. Além disso, já há políticas de cotas para deficientes em concursos, para mulheres em sindicatos e eleições, cela especial para presos com curso superior, etc. Os nossos colonizadores portugueses que tanto fustigou este país tiveram durante muito tempo benefícios imigratórios para o Brasil. Foi uma imensa cota. Justo Portugal que nos explorou e roubou no passado. Embora o negro jamais tenha sido beneficiado, o Estado brasileiro já realizou e realiza políticas públicas seguindo o princípio da discriminação positiva. Um exemplo cabal foi o decreto lei nº 7.967, de 18 de setembro de 1946, que determinava que os imigrantes seriam admitidos para preservar e desenvolver o Brasil na composição de sua ascendência européia: subvencionava-se a viagem ultramarina, concedia-se hospedagem, doavam-se terras, os créditos agrícolas eram facilitados etc. O Brasil criou a Lei do Boi, através da qual se reservou 30% das vagas para os filhos de fazendeiros ingressarem no curso de Agronomia

...

Baixar como (para membros premium)  txt (33.8 Kb)  
Continuar por mais 22 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com