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JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

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Por:   •  15/6/2014  •  8.839 Palavras (36 Páginas)  •  303 Visualizações

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JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

Luís Roberto Barroso1 Sumário: I. Introdução. II. A judicialização da vida. III. O ativismo judicial. IV. Objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira. 1. Riscos para a legitimidade democrática. 2. Risco de politização da justiça. 3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites. V. Conclusão I. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira. O ano de 2008 não foi diferente. A centralidade da Corte – e, de certa forma, do Judiciário como um todo – na tomada de decisões sobre algumas das grandes questões nacionais tem gerado aplauso e crítica, e exige uma reflexão cuidadosa. O fenômeno, registre-se desde logo, não é peculiaridade nossa. Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais ou supremas cortes destacaram-se em determinadas quadras históricas como protagonistas de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade.

De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de

1 Professor Titular de Direito Constitucional, Doutor e Livre-Docente – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre pela Yale Law School. Autor dos livros Curso de Direito Constitucional Contemporâneo e Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, dentre outros. Advogado.

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os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment2. Todos estes casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo. Ainda assim, o caso brasileiro é especial, pela extensão e pelo volume. Circunstâncias diversas, associadas à Constituição, à realidade política e às competências dos Poderes alçaram o Supremo Tribunal Federal, nos últimos tempos, às manchetes dos jornais. Não exatamente em uma seção sobre juízes e tribunais – que a maioria dos jornais não tem, embora seja uma boa idéia –, mas nas seções de política, economia, ciências, polícia. Bastante na de polícia. Acrescente-se a tudo isso a transmissão direta dos julgamentos do Plenário da Corte pela TV Justiça. Em vez de audiências reservadas e deliberações a portas fechadas, como nos tribunais de quase todo o mundo, aqui se julga sob o olhar implacável das câmeras de televisão. Há quem não goste e, de fato, é possível apontar inconveniências. Mas o ganho é maior do que a perda. Em um país com o histórico do nosso, a possibilidade de assistir onze pessoas bem preparadas e bem intencionadas decidindo questões nacionais é uma boa imagem. A visibilidade pública contribui para a transparência, para o controle social e, em última análise, para a democracia. II. A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA

2 Ran Hirschl, The judicialization of politics. In: Whittington, Kelemen e Caldeira (eds.), The Oxford Handbook of Law and Politics, 2008, p. 124-5.

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Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de sistematização da matéria. A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos Ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.

A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi, igualmente, uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi

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potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica, ambiciosa3, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma,

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