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O Ator Enclausurado

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Por:   •  26/10/2013  •  450 Palavras (2 Páginas)  •  426 Visualizações

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O ator enclausurado

Luiz Marfuz *

A cena beckettiana se abre como um desafio para quem deseja enfrentá-la. O ator, corpo comprimido no espaço, só tem um fragmento como personagem. Desconfortável, ele inventará uma forma longe dos cânones da interpretação mimética que repouse na dupla condição: tornar-se a luz que ilumina um pedaço de si (a personagem) e a sombra que esconde o próprio corpo. De um lado, o caos, o despedaçamento; de outro, a forma que deve organizar este mesmo caos, recortando-o, iluminando-o em cena.

E o ator espreme-se, contrai-se, subtrai-se. Desapega-se. Perde o chão. Enclausura o corpo para libertar a criação, expandir a fala e instalar o silêncio. É preciso destruir convenções teatrais, destruir-se a si mesmo para reconstruir-se em cena.

Inventar uma voz, uma melodia para as palavras, um espaço imaginário para existir no palco, um corpo para habitar as personagens; mas não aquelas que conhecemos, plenas de vontades e decisão, nascidas para agir, com passado, presente e futuro.

As personagens beckettianas não chegam inteiras para nós. É um rosto, uma cabeça, uma boca, pés. É o que resta. O ator dispõe apenas de pedaços de criaturas que se instalam sem pedir licença num tempo sempiterno, num espaço indeterminado, privadas da liberdade e na mais absoluta solidão.

É por tudo isso que Beckett traz para a cena o desconforto e a anulação físicos, a sobrevivência da palavra, o silêncio inaugural, mas também o circo, o clown, o music hall, o burlesco, opondo ficção e realidade, vida e morte, luz e escuridão, sem fixar nenhuma destas polaridades numa moral absoluta.

Tudo vê com um olhar pleno de ironia e derrisão. Nada é mais engraçado do que a infelicidade, diz sarcasticamente o velho Hamm em Fim de Partida. Condenadas a viver, resta às criaturas beckettianas sonharem com o repouso, a cicatrização das feridas d’alma, o fim como meta.

Querem juntar-se à voz do velho Krapp, de A Última Gravação, e juntas poderem dizer: “Em breve, tudo vai dormir em paz”. E enquanto este dia não chega, e se chegará, movemo-nos todos (ator, diretor, espectador) nas dimensões em que sobrevive o drama de nosso tempo: o espaço entre o horror e a beleza, a arquitetura e as ruínas. Fim da partida, mas não fim da história. As questões se multiplicam, as respostas não bastam. O fim está no começo e, no entanto, continua-se...

* Luiz Marfuz é diretor teatral, jornalista, professor da Escola de Teatro da Ufba e mestre em cultura contemporâneas pela Facom. Estas reflexões fazem parte da pesquisa Implosão da cena no teatro de Beckett, que está realizando o também doutorando em artes cênicas pela Ufba.

Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Caderno 2, Salvador, Bahia, em 13 abr.2006,

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