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A Continuidade Do "ser Mulher": Redefinindo Os Discursos Sobre O Corpo Feminino Na Experiência Do câncer De Mama

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Por:   •  4/5/2013  •  2.950 Palavras (12 Páginas)  •  1.090 Visualizações

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Fazendo Gênero 8 – 25 a 28 de Agosto de 2008 – Florianópolis SC

Simpósio Temático: História das Aparências e Pedagogias de Gênero

A continuidade do “ser mulher”: redefinindo os discursos sobre o corpo feminino na experiência do câncer de mama

Autora: Waleska de Araújo Aureliano (UFSC/PPGAS)

O câncer de mama para além das estatísticas

O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres e o segundo mais comum depois do câncer de pele. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, por ano, em todo o mundo são diagnosticados mais de um milhão de novos casos da doença. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2004), no Brasil são detectados, aproximadamente, cinqüenta mil novos casos a cada ano. Ao estudar o câncer de mama, a partir de uma perspectiva sociocultural, um leque muito grande de possibilidades teóricas se abre para o pesquisador e as questões envolvendo corpo, gênero e saúde tornam-se indissociáveis nos estudos sobre mulheres com câncer de mama, pois todo o contexto de significação da doença está intimamente ligado à questão do corpo feminino, da representação social que ele envolve, estando a mama associada à sexualidade, à maternidade e à feminilidade da mulher. De modo que, algumas das primeiras questões que me vieram à mente ao iniciar minha pesquisa de mestrado (Aureliano, 2006) com mulheres mastectomizadas foram: como foi construída essa representação do corpo feminino? Como e quando surgiram e se consolidaram em nossa sociedade as diferenciações simbólicas entre os corpos tal como as percebemos hoje? Que discursos e instituições operaram e operam na construção dos corpos em sociedade? Em suma, como “criou-se a mulher”, as representações sobre seu corpo e a formação da carga simbólica atribuída às mamas neste processo.

Ao investigar a construção histórico-cultural do corpo feminino no Ocidente vemos que a contribuição da biomedicina neste processo foi crucial não apenas para definição do sujeito-mulher, mas também para definição de papéis sociais atribuídos à mulher em função da sua anatomia. Temos toda uma história social da medicalização e do controle do corpo feminino no Ocidente (Fabíola Rohden, 2001; Elizabeth Vieira, 2002; Maria Izilda Matos, 2003). Estes trabalhos nos mostram como o corpo da mulher foi (e é) construído dentro de discursos médico-morais que circunscrevem a mulher dentro de uma “natureza feminina” através dos “aspectos biológicos” que a distinguiria definitivamente do homem: a menstruação e a gestação. Pretendo discutir neste artigo como a idéia do corpo feminino e dos papéis sociais associados a ele foi histórica, social e culturalmente construída em nossa sociedade, como essa representação é percebida e re-elaborada pela mulher mastectomizada e quais os discursos e visões (muitas vezes ambíguos) que passam a ser utilizados para a compreensão deste corpo após a experiência da doença .

“...e Deus fez a mulher”: a construção do corpo feminino no Ocidente

Para se compreender as representações sociais e simbólicas que envolvem o corpo da mulher, faz-se necessária uma breve discussão teórica sobre a construção histórica dos discursos sobre o corpo feminino e a criação e instituição de certos papéis femininos presentes ainda hoje em nossa sociedade. A partir de uma análise da normatização dos corpos nas sociedades ocidentais, destaco o papel da medicina nesta operação, sobretudo através dos discursos sobre a medicalização do corpo feminino na Europa e no Brasil a partir dos séculos XVIII e XIX, respectivamente, por entender que a voz da biomedicina continua a ser uma das mais ouvidas no que se refere à criação de normas, padrões e condutas sobre os corpos, não sem gerar releituras, resistências e conflitos.

Os discursos sobre o corpo da mulher e sua medicalização estão carregados de uma moral que coloca a mulher como ser primordialmente “natural” e “orgânico” em oposição ao homem, um ser “cultural” e “histórico” (Matos, 2003). Vieira (2002), analisando os discursos das escolas médicas brasileiras do século XIX, nos mostra como se consolida a figura do médico e do saber que ele representa a partir da necessidade de higienização das grandes cidades brasileiras que passaram por transformações neste período com o crescimento demográfico. O discurso médico propôs o controle da periculosidade sanitária (higienização das cidades), o saneamento dos espaços públicos e a ordenação da vida familiar. Neste último aspecto, a mulher foi chamada a cumprir um papel que, segundo a medicina do século XIX, estaria de acordo com a sua “natureza”. A mulher passou a ser valorizada como esposa e mãe e adquiriu maior poder de atuação dentro do lar, no espaço privado, a partir do momento em que foi colocada para ela a atribuição do cuidado dos filhos e da administração do espaço doméstico. Matos (2003), analisando o discurso médico paulista sobre as representações do corpo feminino e masculino em fins do século XIX e início do século XX, observa que os médicos viam a mulher como produto de seu sistema reprodutivo, base de sua função social e de suas características comportamentais: o útero e os ovários determinariam a conduta feminina, produzindo um ser incapaz de raciocínios longos, abstrações e atividade intelectual. “A combinação desses atributos, aliada à sensibilidade emocional, tornava as mulheres preparadas para a procriação e a criação dos filhos” (Matos, 2003, p. 115).

Essa determinação biológica da mulher a inscrevia no espaço privado do lar e das funções maternais e domésticas. Por outro lado, o homem é lançado na esfera pública, sua “natureza” lhe permitiria ser um ser social e intelectual. A mulher estaria destinada ao ambiente privado do lar, seu mundo seria o mundo natural dos afetos, do corpo e do sexo. Ao homem caberia atuar na esfera da vida pública já que pertenceria ao mundo cultural do trabalho, do dinheiro e da ciência (cf. Emily Martin, 2006).

Com relação específica à construção simbólica em torno das mamas no que diz respeito às representações sobre a maternidade e feminilidade, o interessante artigo de Londa Schiebinger (1994) nos mostra as origens históricas e sociais da definição do termo mamíferos. Em 1758, o cientista Carolus von Linnaeus apresentou o termo Mammalia para definir a classe de animais que compreendia os humanos, macacos, elefantes, baleias, morcegos e todos os outros organismos que possuíssem pêlos, três ossos no ouvido e um coração com quatro cavidades.

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