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Direitos Humanos Fundamentais e Sua Evolução

Por:   •  29/11/2016  •  Resenha  •  7.732 Palavras (31 Páginas)  •  355 Visualizações

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Subtítulo: Fontes e Antecedentes dos Direitos Fundamentais (pg 27)

Texto-Resumo

A doutrina dos Direitos do Homem tem origem na doutrina do direito natural da antiguidade. Havia referência a um Direito Superior não estabelecido pelos homens, mas pelos deuses (“a lei é razão suprema, gravada em nossa natureza, que prescreve o que se deve fazer e proíbe o que não se deve fazer” – De legibus, de Cícero – livro I (p. 27).

No século XIII, Tomás de Aquino com Súmula Teológica estabeleceu a seguinte hierarquia: Suprema é a Lei Eterna que só o próprio Deus conhece; A Lei Divina, que é parte da Lei Eterna revelada por Deus ou declarada pela igreja; a Lei Natural que o Homem descobre por meio da razão; e a Lei Humana, a lei positiva editada pelo legislador. Esta hierarquia prevaleceu durante toda a Idade Média e ainda prevalecia no final do século XVIII (p. 28).

Na Inglaterra do século XVII, Hobbes sustentava que a lei deriva da vontade, e não da razão; na mesma época, o juiz Coke sustentava a superioridade do Direito, especificamente da Common Law sobre os atos do legislador (p 28).

A Escola do Direito Natural e das Gentes que formulou a doutrina adotada pelo pensamento Iluminista. O jurista holandês Grócio foi percursor da laicização do direito natural, que entende que decorrem da natureza humana determinados direitos; portanto, não são direitos outorgados pelo legislador, nem mesmo criados, e são identificados pela “razão reta”. Esta escola também difundiu as teses de estado da natureza e de contrato social. (p. 28-29)

A prática de registro num documento escrito existe desde a segunda metade da Idade Média; em toda a Europa existem registros de direitos de comunidades locais ou de corporações, por meio de forais ou de cartas de franquias (p. 29).

O principal destaque é a Magna Carta, de 21 de junho de 1215, outorgada por João Sem Terra, é peça fundamental da constituição inglesa, portanto, é mãe do constitucionalismo; consiste num acordo entre esse rei e os barões revoltados, apoiados pelos burgueses de cidades como Londres (p. 29).

A Magna Carta consiste na enumeração de prerrogativas garantidas a todos os súditos da monarquia, sendo uma limitação clara do poder, inclusive com a definição de garantias específicas em caso de violação dos mesmos. A Magna Carta aponta a judicialidade como um dos princípios do Estado de Direito, exigindo-se o crivo do juiz para a prisão do homem livre; expressa a garantia de outros direitos fundamentais: a liberdade de ir e vir, a propriedade privada, a gradação da pena à importância do delito; e estabeleceu a regra “no taxation without representation” (não taxação sem representação) (p. 29-30).

Os direitos fundamentais dos ingleses expressos na Magna Carta foram confirmados em outras ocasiões pelos monarcas: (i) Petition of Rights, de 1628, sobre o princípio do consentimento da tributação, julgamento pelos pares para a privação de liberdade ou da propriedade e na proibição de detenções arbitárias; (ii) Bill of Rights, de 1689, que tratava da independência do Parlamento, passo decisivo para a separação dos poderes (p. 30).

Rule of law (regra da lei): consiste na sujeição de todos, inclusive as autoridades, ao império do Direito. Equivale ao Estado de Direito como limitação do poder, num sistema de direito não escrito. São três principais pontos: (i) ausência de poder arbitrário por parte do Governo; (ii) igualdade perante à lei; e (iii) as regras da constituição são consequência e não a fonte dos direitos individuais (p. 30-31)

O rule of law é expressão da Commun Law (Lei Comum), a partir da consolidação do direito consentuário – law of the land (Lei de Terras) – que variava de região para região, o que levou o chamado “stare decisis”, pelo qual juízes inferiores têm de se conformar com o entendimento dos tribunais mais altos. Os tribunais evoluíram para o “due process of law” (devido processo legal) para evoluir o direito num sentido de racionalidade e de preservação da liberdade (p. 31)

Direitos do Homem foi substituído pela terminologia de direitos humanos, direitos humanos fundamentais ou direitos fundamentais, pois o feminismo considerava a expressão direitos do homem machista. A doutrina dos direitos fundamentais incorporou desafios como o problema do arbítrio governamental (liberdades públicas), os extremos desníveis sociais (direitos econômicos e sociais) e contra a deterioração da qualidade de vida humana (direitos de solidariedade) (p. 32-33)

Subtítulo: As Liberdades Públicas

O Modelo: A declaração de 1789

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789), da França, foi, por mais de um século e meio, o modelo por excelência das declarações, adotado pelo constitucionalismo liberal, permanecendo até hoje a referência para as liberdades e direitos do Homem. (p. 37)

Antes da declaração francesa, outras declarações de direitos tiveram importância histórica: (i) Declaração de Direitos da Virgínia (EUA), de 12/06/1776; (ii) Declaração de Independência das Treze Colônias Inglesas da América do Norte (EUA), de 4/07/1776, que traz o reconhecimento de direitos fundamentais; (iii) a declaração de Virgínia foi seguida por nove outros estados independentes para formarem a Confederação, cujos artigos foram adotados em 15 de novembro de 1977, entrando em vigor após a ratificação de todos os Estados, em 1º/03/1781, e da Constituição, promulgada em 17/11/1787. (p. 38)

As declarações americanas influenciaram a declaração francesa. Mais próxima do modelo inglês, as declarações americanas trouxeram instrumentos de garantias de direitos, o que não ocorre na declaração francesa. (p. 38)

A Declaração Francesa teve a finalidade de proteger o direito do Homem contra os atos do governo, instruindo os indivíduos de seus direitos fundamentais. Trata-se de uma declaração, portanto, os direitos enunciados não são criados, instituídos, mas declarados para serem recordados. Não há objeções aos direitos do Homem, mas sim quanto aos direitos dos cidadãos, que pressupõe a organização política e esta não preexiste sem pacto (p. 40)

Os direitos declarados derivam da natureza humana, portanto, são naturais. Além desta característica, eles são direitos: (i) abstratos, não sendo apenas dos franceses; (ii) imprescritíveis, pois não se perdem com o tempo; (iii) inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria natureza; (iv) individuais, pois cada ser humano é ente perfeito, não depende da comunidade; e (v) universais, pertencem a todos os homens. (p. 40-41)

A partir das declarações, tornou-se possível ter duas grandes categorias de direitos: (i) os direitos do homem (liberdades, ou seja, poderes de agir ou não agir, independente da ingerência do Estado) (p. 41); e (ii) os direitos do cidadão (poderes, constituindo-se os meios de participação no exercício do Poder Político) (p. 43).

Na Declaração Francesa, o primeiro grupo se incluem a liberdade geral (arts. 1º, 2º e 4º), a segurança (art. 2º), a liberdade de locomoção (art. 7º), a liberdade de opinião (art. 10), a liberdade de expressão (art. 11) e a propriedade (liberdade de usar e dispor de bens, arts. 2º e 17). Incluem-se, ainda, os seus corolários:  a presunção de inocência (art. 9º), a legalidade criminal (art. 8º), a legalidade processual (art. 7º), além da liberdade de resistir à opressão (art. 2º, que se aproxima dos direitos do cidadão) (p. 41).

Nota-se, neste primeiro grupo, a ausência de algumas liberdades na Declaração, típicas da primeira geração de direitos fundamentais: liberdade econômica[1]; liberdade do comércio, indústria e profissão[2]; liberdade de trabalho e de associação[3] (o que dificultou a legalização dos sindicatos). (p. 42)

No segundo grupo (direitos do cidadão) da Declaração, incluem-se os direitos de vontade geral (art. 6º) ou de escolher representantes que o façam (art. 6º); de consentir no imposto (art. 14º), de controlar o dispêndio do dinheiro público (art. 14), de pedir contas da atuação de agente público (art. 15). (p. 43)

Sobre a organização política, a Declaração trouxe vários princípios: igualdade (art. 1º); finalidade do Estado (a associação política); a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem (art. 2º); soberania da Nação (art. 3º); a destinação da força pública (art. 12) e a separação dos poderes (art. 16).

Subtítulo: As Liberdades Públicas

Liberdades públicas ou direitos individuais (como é chamado no Brasil) representam o núcleo dos direitos fundamentais. Em seguida vem os direitos econômicos e sociais e os direitos de solidariedade. Essas liberdades são direitos subjetivos, são poderes de agir reconhecidos e protegidos pela ordem jurídica a todos os seres humanos (p. 46).

A respeito do titular do direito, a Constituição brasileira, no caput do art. 5º, reconhece os direitos fundamentais “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País”, como se estes últimos não fossem reconhecidos a todos os seres humanos. Todavia, os direitos fundamentais, inclusive as liberdades públicas, expressos no texto constitucional não são direitos do Homem, mas sim do cidadão, como a ação popular – não são reconhecidos senão aos brasileiros. (p. 47)

O direito de propriedade é reconhecido como direito fundamental, ainda que seu titular seja uma pessoa jurídica, pois uma instituição pode exprimir livremente o seu pensamento, etc. (p. 47).  Já sobre o sujeito passivo, são todos os indivíduos que não o titular, incluindo os entes públicos (com efeito, o Estado era visto como inimigo das liberdades públicas, e ainda potencialmente é). Por fim, o objeto do direito é uma conduta: agir ou não agir, fazer ou não fazer; ou usar ou não usar. Ir, vir ou ficar. (p. 48).

Os direitos-liberdades reconhecidos ganham proteção, pois são garantidos pela ordem jurídica, pelo Estado. Significa que passaram a gozar de coercibilidade. Uma vez reconhecidos, cabe ao Estado restaurá-lo coercitivamente se violados, mesmo que o violador seja o órgão ou agente do Estado. Em verdade, o Estado Contemporâneo nasce exatamente pela necessidade de proteger os direitos fundamentais, conforme consta o art. 2º da Declaração de 1789: “O fim de qualquer associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem”. (p. 49)

As garantias constitucionais são “as providências que, na constituição, se destinam a manter os poderes no jogo harmônico das suas funções, no exercício contrabalanceado das suas prerrogativas” (Rui Barbosa). Ou seja, são os freios e contrapesos da Constituição no sentido inglês (garantia-sistema); no sentido mais amplo, garantias são a estrutura institucional organizada que se volta para a defesa dos direitos (no Brasil, refere-se ao mecanismo judicial; na França, do contencioso administrativo, outros Estados tem-se o ombudsman). Trata-se, nesse caso, de garantia institucional. (p. 50)

Em sentido restrito, as garantias são defesas especiais relativamente a determinados direitos, constituindo-se em proibições que visam prevenir a violação de direito (ex. proibição da censura, para proteger a liberdade de expressão; da proibição da prisão, salvo em flagrante delito, para proteger a liberdade pessoal e de locomoção; proibição do confisco, para salvaguardar a propriedade. São, portanto, garantias-defesa ou garantias-limite, pois são limites à ação do poder. (p. 50-51)

Em sentido restritíssimo, garantias são instrumentos ou meios de defesa específicos; no Brasil, essas garantias instrumentais são os chamados remédios ou remédios constitucionais (habeas corpus, mandato de segurança, habeas data – destas se aproximam a ação popular e as ações de controle da constitucionalidade). (p. 51)

Nota-se que as garantias, sobretudo, em sentido restrito e restritíssimo são elas próprias direitos fundamentais. Inclui-se, nesse rol, o direito à segurança (art. 5º da CF/88; e art. 8º da Declaração Francesa de 1789). (p. 51)

Reserva-se à lei a disciplina das liberdades, ou seja, cabe à lei definir as sanções para punir os abusos no exercício dos direitos. A lei deve ser formal, editada pelo Poder Legislativo. A proliferação de atos do Executivo com força de lei (decretos-lei, medidas provisórias, leis delegadas, etc.) coloca para o princípio da reserva de lei uma grave contestação. (p. 52)

No tocante às liberdades públicas, somente cabe a lei formal, jamais um ato com força de lei. A CF/88, ao dispor sobre a lei delegada, proíbe a delegação de competência para legislar sobre “direitos individuais”, ou seja, liberdades públicas (ar. 68, § 1º, II). (p. 52)

As liberdades públicas geralmente se sujeitam ao regime repressivo, deixando o titular do direito livre e incondicionado para exercer o direito (dentro dos limites constitucionais ou pela lei), sujeitando-se a sanções a violação a esses limites, e mesmo pelos abusos que cometer. A aplicação de sanções, quando for o caso, é feita pelo Poder Judiciário, pelo juiz natural, por um processo contencioso, assegurada a ampla defesa. (p. 53)

Já o regime preventivo é menos adequado às liberdades públicas, mas às vezes é o único que possa evitar problemas ou colisões. Consiste em condicionar o exercício do direito a uma manifestação ou comunicação à autoridade (liberdade de exercício de certas profissionais ou, de modo atenuado, a liberdade de reunião – CF 88, art. 5º, XVI). (p. 53-54)

O regime preventivo enseja, por óbvio, a possibilidade de proibição do exercício do direito ou a sua procrastinação; nota-se, a proibição não pode ser arbitrária, pois deve-se resultar da ausência de condições legais ou infração a outras normas constitucionais que no caso prevaleçam. Por ex.: a necessidade manter a ordem pública (p. 54)

Excepcionalmente, as liberdades públicas podem estar sujeitas a um regime excepcional, em situações de graves crises ou ameaça, como guerra ou desordens internas. São situações de emergência ou regime extraordinário (Ex.: estado de sítio, que importa a suspensão de garantias constitucionais, o que significa que, durante a situação excepcional formalmente decretada, não subsistem as garantias constitucionais em sentido estrito, salvo a institucional; na Inglaterra, tem-se a lei marcial, que permite a autoridade fazer o que lhe parecer correto para restabelecer a normalidade). (p. 55)

Seção 2: Os direitos Econômicos e Sociais

A Evolução Histórica e Doutrinária

Com o fim da 1ª Guerra Mundial, novos direitos fundamentais foram reconhecidos. São os direitos econômicos e sociais, que não excluem nem negam as liberdades públicas, mas a elas se somam. A Constituição alemã, de 1919, a Constituição Weimar, consagrou e foi marco dos novos direitos.

O liberalismo político e econômico teria deteriorado o quadro social, principalmente nos Estados mais desenvolvidos da Europa Ocidental e EUA. Esse quadro suscitou a chamada “Questão Social”, que trouxe uma fotografia da classe trabalhadora nos países que primeiro seguiram o desenvolvimento capitalista: Grã-Bretanha, França, EUA, norte da Itália, Alemanha, Holanda e Bélgica.

O liberalismo econômico e o Estado Abstencionista trouxeram um acréscimo enorme de riqueza, porém, de forma concentrada nas mãos dos empresários. Em contrapartida, a classe trabalhadora estava numa situação de penúria ou miséria. Não havia mais proteção corporativa, o poder político se omitia e o trabalho era uma mercadoria como outra qualquer, sujeita à lei da oferta e procura. Além disso, a mecanização reduzia a necessidade de mão de obra, gerando a massa de desempregados e, consequentemente, baixos salários.

As condições de trabalho nas fábricas, minas e outros empreendimentos eram ruins, e nada impedia o trabalho de mulheres e crianças em condições insalubres. A marginalização da classe operária, excluída dos benefícios da sociedade e vivendo em condições subumanas, provocou reação e surgimento de hostilidade, favorecendo o recrutamento de ativistas revolucionários, inclusive terroristas – o que ameaçava a estabilidade das instituições, portanto, a continuidade da acumulação de riqueza.

Intensificou-se a reivindicação pelo sufrágio universal, o que levou maior número de trabalhadores com direitos políticos – voto e elegibilidade – em razão da redução do censo para tanto exigido. O sistema eleitoral censitário sempre foi o ponto fraco do governo representativo, pois não havia argumento que o justificasse, considerando os princípios da Declaração de 1789 de que “os homens nascem e permanecem livre e iguais em direitos (art. 1º”). Nesse sentido, a pressão pelo sufrágio universal (dos homens, claro, pois as mulheres só foram reconhecidas bem depois) contava com o apoio de todos os idealistas

Aos poucos, nos países mais desenvolvidos ampliarem-se os apoiadores da reforma ou da revolução (política social), assim, como se intensificou a reivindicação pelo sufrágio universal. Por óbvio, movimentos e partidos começaram a buscar apoio e os votos dos novos cidadãos (direito a voto). Deste quadro, surgiam duas opções: reforma ou revolução. A postura reformista do positivismo, do socialismo democrático e do cristianismo social levou aos direitos econômicos e sociais. Por outro lado, outros grupos adotara uma linha revolucionária. (p. 62)

A divisão entre reformistas e revolucionários ficou nítida entre os socialistas. Os revolucionários queriam a extinção do Estado, o fim da propriedade privada dos meios de produção, a ditadura do proletariado. De forma concreta, o socialismo revolucionário foi o responsável pela Revolução Russa de 1917. O socialismo reformista ou social-democracia acumulava conquistas desde 1848. Ademais, o movimento reformista ganhou apoio da igreja católica. (p. 62-63)

Evolução dos Direitos Sociais e Econômicos (p. 63-65)

A Declaração francesa de 1793 já trazia algumas preocupações sociais. Por exemplo, o art. 21: “Os socorros públicos são uma dívida sagrada”. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos infelizes (....)”. E no art. 22: “A instrução é necessidade de todos (...)”. E também na Carta Brasileira de 1824, no art. 179, nº 31: “A Constituição garante os socorros públicos”, e no nº 32: “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”.

Declaração de 1848 (Constituição Francesa, de 4 de novembro de 1848) consagrou os direitos econômicos e sociais, com forte atuação dos trabalhadores e desempregados. Nesta carta, está explícito o direito ao trabalho, e, em menor ênfase, o direito à educação. Para atender o direito ao trabalho, o art. 13 define que o “Estado estabelecerá trabalhos públicos para empregar os braços desocupados” (p. 64).

A Constituição Mexicana de 1917 é considerada por alguns como o marco da nova concepção dos direitos fundamentais, trazendo temas como: nacionalismo; reforma agrária e a hostilidade em relação ao poder econômico. Não traz propriamente o direito ao trabalho, mas um elenco de direitos do trabalhador. (p. 64)

A Declaração Russa ou Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, editada na Rússia, em janeiro de 1918, não enuncia direitos, mas sim princípios, como o da abolição da propriedade privada da terra, o confisco dos bancos, a colocação das empresas sob o controle dos trabalhadores (i.e., partido). (p. 65)

O Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, pelo qual se definiram as condições de paz entre os Aliados e a Alemanha, encontra-se a chamada Constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT –na qual se consagram os direitos do trabalhador, direitos sociais vistos como fundamentais e obrigatórios para todos os Estados signatários do referido Tratado.

Comentário: Até hoje a OIT tem grande relevância na normatização internacional das relações de trabalho, principalmente para coibir abusos ou situações de trabalho degradantes. Sobre o Tratado de Versalhes, cabe destacar que, em outros pontos, ele foi considerado extremamente rígido e prejudicial à Alemanha na época, em relação aos seus rivais, o que gerou uma onda de descontentamento que culminou com a ascensão de Hitler e a eclosão da II Grande Guerra.

Parte 6: A Constituição de Weimar e os Direitos Sociais

A Constituição Alemã de 1919 trouxe um ponto relevante para a história jurídica – a Parte II – Direitos e Deveres Fundamentais dos Alemães. Dedica-se a primeira seção ao indivíduo, a segunda à vida social, a terceira à religião e sociedades religiosas, a quarta à instrução e estabelecimento de ensino, e quinta à vida econômica. Em todas as seções, prevalece o espírito do “social”, inclusive quanto as liberdades. O texto trouxe normas sobre o casamento e a juventude, a obrigatoriedade da instrução escolar com a previsão de estabelecimentos públicos. Destaca-se ainda a sujeição da propriedade à função social trazendo o seguinte: “A propriedade acarreta obrigações. Seu uso deve visar o interesse geral” (art. 153) , a repartição das terras (reforma agrária) (art. 155), a possibilidade da socialização das empresas (art. 156), a proteção ao trabalho (art. 157), o direito à sindicalização (art. 159), a previdência social (art. 161), a cogestão das empresas (art.165). (p. 66-67)

Comentário: Este modelo remete à social-democracia implantado na Alemanha, sendo que parte disso ainda está em vigor. As transformações ocorridas dos anos 90 até hoje tem criado desafios ao modelo alemão. Todavia, nos países europeus, a economia alemã é a que melhor conseguiu sobrevivência no mundo globalizado, mantendo-se competitiva no comércio internacional, a despeito de alguma precarização do mercado de trabalho (em especial, para os imigrantes).

O modelo alemão foi seguido e imitado em outros países europeus e pelo mundo afora, chegando ao direito positivo brasileiro na Carta de 1934 que, pela primeira vez, enuncia uma “Ordem Econômica e Social (Título IV). (p. 67)

Do ponto de vista da natureza, os direitos sociais são direitos subjetivos, como as liberdades públicas. Diferente destas últimas, não são meros poderes de agir, mas sim poderes de exigir (“direitos de créditos”). (p. 67-68). O sujeito passivo é o Estado, responsável pelo atendimento dos direitos sociais. Na CF/88 temos como exemplos: “O estado deve propiciar a proteção à saúde (art. 196), à educação (art. 205), à cultura (art. 215), ao lazer, pelo desporto (art. 217), pelo turismo (art. 180), etc”. Igualmente o direito ao trabalho que se garante pelo socorro da previdência social ao desempregado (art. 201, IV). O Estado, nesse caso, é visto como representante da sociedade – e, nesse sentido, a seguridade social, por ex., é apontada como responsabilidade da sociedade inteira (art. 195). Já o direito à educação a responsabilidade é partilhada com a família. (p. 68)

O objeto do direito social é uma contraprestação sob a forma de prestação do serviço. Ex.: serviço escolar, serviço médico, os serviços desportivos. Ou, na impossibilidade de satisfazer o direito por uma prestação direta, uma contrapartida em dinheiro. Ex.: seguro-desemprego para o direito ao trabalho (p. 69).

Comentário: O Bolsa-Família, como contrapartida em dinheiro, garante à família o direito à educação (exigência de manter a matrícula em dia), à saúde (vacinação em dia), à alimentação (renda para compra de alimentos), etc. Ao contrário da crítica mais recorrente, o programa possui porta de saída, uma vez que ajuda a promover por meio da educação condições melhores para os filhos que os pais se encontram. Existe um ganho geracional com a política pública.

Os direitos sociais não são direitos naturais no sentido da doutrina iluminista. No entanto, considerando a sociabilidade humana como própria da natureza humana, são direitos que podem ser ditos naturais (p. 69).

O Estado, como expressão da coletividade organizada, dá uma garantia institucional aos direitos sociais, pois cabe ao Estado atender a esses direitos por meio de serviços públicos. Isso gera pesados encargos para o Estado diretamente, e indiretamente para o contribuinte (impostos). Surge, então, questionamentos quanto ao tamanho do Estado. (p. 69)

No âmbito judicial, a proteção judicial dos direitos sociais ampara-se no ângulo da repressão às suas violações, como prevalece na Suprema Corte dos EUA. No Brasil, existe a previsão da ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), visando levar o Poder Público a efetivar uma norma programática da Constituição – e, frequentemente, os direitos sociais estão nesse caso. Também prevê o mandato de injunção (art. 5º, LXXI), que tem o mesmo objetivo. Todavia, a experiência mostra que a efetivação dos direitos sociais não pode ser feita na esfera judicial, pois a instituição de serviço público dificilmente pode resultar de uma determinação judicial (pois depende de inúmeros fatores que não coadunam com o imperativo judicial). Por isso, a ação de inconstitucionalidade por omissão tem sido morta e o mandato de injunção pouco utilizado. (p. 70).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, sintetizou a evolução dos direitos fundamentais ditos de primeira geração – as liberdades – e os da segunda geração – os direitos sociais. (p. 71)

        Seção 3: Os Direitos de Solidariedade

Subseção: Os Novos Direitos Fundamentais de Solidariedade

Os desafios inerentes à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças ou nações, redundou-se no surgimento de uma geração, a terceira geração de direitos fundamentais. A primeira geração seria s dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, e a terceira, completaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. (p. 75)

A terceira geração desenvolveu no plano do direito internacional, resultado de reuniões da ONU e da UNESCO e documentos dessas entidades, mas propriamente as Cartas Internacionais: Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (1981), Carta de Paris para uma nova Europa (1990). (p. 76)

São quatro os principais direitos de solidariedade: o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade. Foram acrescidos o direito dos povos a dispor eles próprios (direito de autodeterminação dos povos) e o direito à comunicação (p. 76).

O direito à paz é deduzido do art. 20 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966. A Declaração Africana consagra no art. 23: “Os povos têm direito à paz e à segurança, tanto no plano nacional como no plano internacional (..)”. E ainda proíbe atividades subversivas ou terrorismo. A CF/88 inclui entre os princípios que devem reger as relações internacionais “a defesa da paz” (art. 4º, VI), além inciso VII que menciona “a solução pacífica dos conflitos”. (p. 77)

Em relação ao direito ao desenvolvimento, em 1977, no âmbito da ONU, a Comissão dos Direitos do Homem apontou a cooperação internacional; na UNESCO, em 1978, foi escrito na Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais. Mais tarde, foi editada a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, em 1986. O direito ao desenvolvimento é, por um lado, um direito individual e, por outro lado, um direito dos povos. A Declaração Africana de 1981 o prevê no art. 22 como um direito dos povos. No Brasil, a CF/88 não menciona o direito ao desenvolvimento, porém, entre os princípios que devem reger as relações internacionais refere-se à “cooperação dos povos para o progresso da humanidade” (art. 4º, IX). (p. 78)

No que tange ao direito ao patrimônio comum da humanidade surgiu na Carta dos Direitos e Deveres Econômicos, adotada pela ONU em 1974, em relação ao fundo do mar e seu subsolo. Busca-se, com isso, impedir a livre exploração desses recursos.

Já o direito à comunicação foi objeto de várias manifestações da UNESCO a partir dos anos 80. No Brasil, a CF/88 consagra no art. 5º XIV: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. E ainda no inciso XXXIII: “Todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo em geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. (p. 79)

O direito dos povos a dispor deles próprios ou direito à autodeterminação dos povos é projeção do princípio das nacionalidades que surgiu na época da Revolução Francesa. Foi em nome deste princípio que se realizou a unificação italiana, a alemã, etc. Após a II Guerra Mundial, este princípio justificou o surgimento de novos Estados Independentes na Europa Central: Letônia, Lituânia, Estônia, Polônia, Tcheco-Eslováquia, etc.

No âmbito da ONU, esse direito está na própria Carta das Nações Unidas (art. 1º, § 2º e art. 55); a Declaração de 1960 sobre a outorga de independência dos povos colonizados; e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1966, cujo art. 1º diz: “Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. (p. 79). Na Declaração Africana o art. 20 diz que “todo povo tem direito à existência”. E que os povos colonizados e oprimidos têm o direito de se libertar do estado de sujeição. Na CF/88 menciona a “autodeterminação dos povos” (art. 4º, III) entre os princípios da política internacional. (p. 80).

O direito ao meio ambiente aparece na Declaração de Estocolmo, de 1972, enunciando-se como princípio: “O Homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Na Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, lê-se: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. (p. 80). As constituições Iugoslava (1974), grega (1975), portuguesa (1976), espanhola (1978) e brasileira (1988) também trataram do meio ambiente como direito (p. 81).

Os direitos da terceira geração são concebidos como “direitos de titularidade coletiva”, ou, como preferem os italianos, “direitos difusos” (p. 82). O direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à comunicação podem ser considerados direitos individuais, embora os dois primeiros podem ser vistos como direitos de todos, do povo. Já o direito à paz, à autodeterminação e ao patrimônio comum da humanidade tem como titular o povo. (p. 83)

Em relação ao sujeito passivo dos direitos de terceira geração, como direito à paz, ao patrimônio comum e à autodeterminação, são os Estados que devem respeitar esses direitos, próprios a outros Estados ou povo. E quem é o sujeito passivo do direito ao desenvolvimento? Outros povos, Estados da comunidade internacional? Nem sempre é fácil a objetividade quanto ao sujeito passivo. (p. 84)

Quanto ao objeto do direito de terceira geração, pode-se dizer que seu objeto é uma conduta. Pode ser exigir, fazer ou não fazer. Além disso, esses direitos podem facilmente colidir entre si. Por exemplo, o direito da autodeterminação dos povos conflita, não raro, com o direito à paz. O direito ao desenvolvimento com o direito ao meio ambiente ou com o direito ao patrimônio comum, e vice-versa. (p. 84)

Na maioria dos casos, os direitos de solidariedade não cabem garantia constitucional. A proteção deles fica na órbita do direito internacional, com exceção do direito ao meio ambiente. No Brasil, o direito ao meio ambiente pode ser efetivado via ação, como a ação civil pública (CF, art. 129, III) ou pela ação popular (CF, art. 5º, LXXIII) (p. 85)

Existe uma tendência de multiplicação ou vulgarização dos direitos fundamentais, no sentido de proposição de novos direitos sem critério objetivo: direito ao turismo, ao desarmamento, ao sono, a, a não ser morto em guerra, etc. Essa inflação de direitos vulgariza a ideia de direito fundamental. (pg. 85)

Alguns autores propõem critérios para que um direito seja fundamental. Maurice Cranston aponta três critérios: (i) o direito deve ser fundamental; (ii) o direito deve ser universal, nos dois sentidos de que é universal ou muito generalizadamente reconhecido e que é garantido a todos; e (iii) o direito deve ser suscetível de uma formulação suficientemente precisa para dar lugar a obrigações da parte do Estado e não apenas para estabelecer um padrão.  Já Philip Alston indica seis critérios, mais preocupado com a inserção de tais direitos no plano internacional e na ONU em particular. São eles: (i) refletir um fundamentalmente importante valor social; (ii) ser relevante, inevitavelmente em grau variável num mundo de diferentes sistemas de valor; (iii) ser elegível para reconhecimento com base numa interpretação das obrigações estipuladas na Carta das Nações Unidas; (iii) ser consistente com o sistema existente de direito internacional relativo aos direitos humanos, e não meramente repetitivo; (iv) ser capaz de alcançar alto nível de consenso internacional; (v) ser compatível, ou ao menos não claramente incompatível com a prática comum dos Estados; e (vi) ser suficientemente preciso para dar lugar a direitos e obrigações identificáveis. (p. 87). Os critérios assinalados por Alston levariam a recusar muitos dos atuais direitos de solidariedade e, se aplicados aos direitos do art. 5º da CF/88, este sofreria um profundo expurgo. (p. 87)

Outro que analisou esta questão foi Robert Alexy, apontando os caracteres de um direito, necessário para que sejam inscritos entre os direitos do homem. O primeiro é ser um direito universal. O segundo é ser um direito moral. O terceiro é que fazer jus à sua proteção pelo direito positivo estatal – ser, na sua terminologia, um direito preferencial. Em quarto lugar, o direito deve ser de grande importância (de fundamental importância). Em quinto, ser um direito abstrato, sendo por isso suscetível de restrição. (p. 87-88)

Seção 4: A proteção dos direitos fundamentais

Subseção: A Proteção Contra o Legislador

O constitucionalismo tem por objetivo principal assegurar os direitos fundamentais contra o Poder, conforme art. 16 da Declaração de 1789. Na ocasião, reagia contra a prepotência dos monarcas e seus abusos. Atualmente, o Estado deve ser encarado como potencial inimigo, buscando evitar que integrantes de seus órgãos se afastem do respeito aos Direitos do Homem. A experiência demonstra que os Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – podem tornarem-se violadores dos direitos fundamentais. Por isso, o direito constitucional busca fórmulas para protege-los contra esses Poderes. (p. 91)

A exigência de constitucionalidade dos atos é uma proteção contra o Legislativo. Quando a Constituição é rígida, ela impõe ao legislador limites formais e materiais. Dessa forma, a condição de constitucionalidade dos atos do Poder Legislativo e, sobretudo, da lei, constitui princípio assecuratório dos direitos fundamentais. Na verdade, é necessária a constitucionalidade dos atos de quaisquer dos três Poderes segundo o princípio de hierarquia das leis (p. 92).

A efetivação da supremacia da Constituição depende da existência de um sistema adequado de controle e anulação do ato inconstitucional – onde ele inexiste ou é impotente, de fato a Constituição torna-se inflexível. (p. 92)

O controle de constitucionalidade surgiu nos EUA por via jurisprudencial. De fato, foi a Corte Suprema dos EUA no julgamento do caso Marbury versus Madison que declarou a inconstitucionalidade de uma lei pela primeira vez. Nesta decisão de 1803, o juiz Marshall, em nome do Tribunal, formulou as linhas essenciais que iria constituir o “modelo americano de controle de constitucionalidade”, de forma resumida temos (p. 93-94:

  1. A Constituição é a lei suprema, imutável por procedimentos ordinários. Do que decorre a invalidade de atos que a contradigam, mesmo sendo leis regularmente adotadas pelo Poder competente;
  2. Cabe ao juiz determinar a lei aplicável a um caso específico, para com base nela decidi-lo. Na sua função, ele deve afastar a aplicação da lei inválida, aplicando o direito compatível com a Constituição;
  3. O juiz apenas declara a inconstitucionalidade da lei que não aplica. E isto concerne a um caso e apenas às parte nele envolvidas Ele não revoga a lei;
  4. Neste quadro, o Judiciário não entra em conflito com o Legislativo, nem se superpõe a este. Não há quebra de separação de Poderes, pois cada Poder fica na sua esfera.
  5. Isto ocorre, porém, no âmbito estritamente jurídico-formal. Com efeito, nos EUA, pela força da stare decisis, uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma lei pela Corte Suprema, os demais tribunais e juízes que a ela são inferiores deixam de aplica-la.

O modelo ou sistema americano de controle de constitucionalidade está implícito nesta decisão. Suas principais características são (p. 94):

  1. Trata-se de um controle judicial, no sentido de que é o juiz, integrante do Judiciário, que o exerce, com exclusão de qualquer outra autoridade;
  2. É repressivo, pois atua em relação ao ato perfeito e acabado, principalmente a lei;
  3. É difuso, porque todo e qualquer juízo ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade (ainda que por meio de recursos a palavra deva ser dada pela mais alta Corte);
  4. Tem caráter incidental, eis que é preliminar para a decisão de uma questão concreta, uma lide, não sendo a declaração o objeto da ação;
  5. Seus efeitos são in casu (vale apenas para o caso concreto em que houve a declaração) e inter partes (e entre as partes litigantes tão somente); destarte, a lei poderá ser aplicada a outros casos;
  6. O ato inconstitucional é considerado nulo, não produzindo efeitos válidos;
  7. Disto decorre que o desfazimento deve importar na anulação de todos os efeitos que produziu (efeito ex tunc ou retroativo da declaração);

O modelo americano foi adotado na primeira República brasileira e em outros países americanos. Contra tal modelo há a crítica de superioridade do Judiciário sobre o Poder Legislativo, o que feria a separação dos Poderes. O Judiciário assume um verdadeiro papel de revisor da obra do Legislativo. Por outro lado, tal sistema de constitucionalidade foi o único capaz de resguardar a supremacia da Constituição. A crítica ao modelo americano – “governo dos juízes” – associada ao dogma da lei como “expressão da vontade geral”, levou os juristas europeus a serem hostis a esse sistema de controle de constitucionalidade. (p. 95)

O modelo europeu de controle de constitucionalidade iniciou-se com a Constituição da Áustria, de 1920, sendo adotado pela Constituição Italiana de 1947, a alemã, de 1949, e vários outros países mais tarde, como a portuguesa de 1976 e a espanhola de 1978. São as principais linhas deste modelo (p. 96):

  1. Trata-se de um controle jurisdicional, no sentido de que é um tribunal, uma Corte que o exerce, com exclusão de qualquer outra autoridade;
  2. Tal Corte, entretanto, não se integra no Judiciário, seus membros não são magistrados pertencentes aos quadros do Judiciário;
  3. O controle que exerce é repressivo, pois atua em relação a ato perfeito e acabado, principalmente a lei;
  4. É concentrado, porque só a Corte acima referida pode declarar a inconstitucionalidade (ainda que a questão pode ser suscitada perante o juiz “Judiciário”, que, todavia, terá de remeter a decisão à Corte Constitucional);
  5. Tem caráter principal, já que o objeto da decisão é exclusivamente a apreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade;
  6. Seus efeitos são erga omnes, destarte, a lei não poderá ser aplicada a outros casos;
  7. O ato inconstitucional é considerado nulo, mas, apesar disso, podem ser tolerados como válidos alguns de seus efeitos; e
  8. Disto decorre que o seu desfazimento pode gerar tanto efeitos ex tunc ou ex nunc.

Entre o modelo americano e o europeu, existe o sistema misto, adotado em alguns países, como México (e, em alguma medida, o Brasil). (p. 96)

O sistema francês, implantado a partir de 1974, difere do europeu, embora tenha características em comum. A França sempre foi avessa ao estabelecimento de um controle sobre a constitucionalidade das leis. Os franceses são apegados a uma interpretação rígida da separação dos poderes, bem como ao dogma de Rouseau de que “a lei, expressão da vontade geral”, consideravam ser inconcebível que um juiz ou tribunal deixasse de cumprir ato normativo regularmente editado pelo Pode competente (no caso, o Legislativo). (p. 97)

A Constituição Francesa de 1958 institui um Conselho Constitucional, com nove membros, sendo um terço indicado pelo Presidente da República, um terço pelo Presidente da Assembleia Nacional e um terço pelo Presidente do Senado. O conselho tinha a função de fiscalizar a regularidade da eleição do Presidente da República, dos deputados, dos senadores, dos referendum e também de pronunciar sobre a conformidade (das leis orgânicas e dos regulamentos parlamentares) à Constituição. Em 1974, uma emenda estendeu a competência desse conselho, dando-se o poder de examinar essa conformidade quanto às leis em geral – desde que isso fosse solicitado pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia Nacional, pelo Presidente do Senado ou por sessenta deputados ou igual número de senadores. Enfim, este é o modelo francês de controle de constitucionalidade (p. 97).

O sistema francês assimila-se ao europeu em geral nos seguintes aspectos (p. 98):

  1. Trata-se de um controle jurisdicional, pois o Conselho equipara-se à Corte, inclusive quanto ao modo de composição;
  2. O Conselho não se integra ao Judiciário, nem seus membros são magistrados pertencentes aos quadros do Judiciário;
  3. É ele relativamente especializado nesse controle;
  4. É concentrado, porque só o Conselho pode apreciar a inconstitucionalidade;
  5. Tem caráter principal, já que o objeto da decisão é exclusivamente a apreciação da constitucionalidade e inconstitucionalidade; e
  6. Seus efeitos são erga omnes;

Por outro lado, o modelo francês difere do europeu nos seguintes aspectos: (p. 98)

  1. Trata-se de um controle preventivo que opera no curso do processo de edição da lei;
  2. Não importa na declaração da nulidade ou na anulação desta, mas sim na exigência de sua compatibilização com a Constituição; e
  3. Exercido este controle, a constitucionalidade da lei não mais pode ser contestada por órgão algum.

O grande mérito do modelo francês é evitar que uma lei maculada pela violação da Constituição chegue a vigorar, produzindo efeitos que nem sempre poder apagados totalmente (p. 98)

Quanto ao controle judicial de constitucionalidade, este não se distingue de qualquer atividade jurisdicional. Trata-se de verificar a compatibilidade ou incompatibilidade de normas, lei ou qualquer ato em relação à Constituição (p. 98). Já a inconstitucionalidade por omissão surgiu na Corte Constitucional alemã, no sentido de que a inconstitucionalidade não é apenas contradizer uma norma cogente, autoexecutável, da Constituição, mas igualmente deixar de tomar providências necessárias para a efetividade das normas programáticas. Esta é a ideia de inconstitucionalidade por omissão. Outras constituições preveem atualmente este tipo de inconstitucionalidade, como a constituição portuguesa de 1976 e a brasileira de 1988 (art. 103, § 2º). (p. 99)

Comentário: A Alemanha foi pioneira no reconhecimento dos direitos sociais. Estes, por sua vez, geralmente são normas programáticas, dependendo da ação estatal para ser efetivada. Talvez por esse motivo a inconstitucionalidade por omissão primeiro apareceu neste país.

A conformação pela interpretação da Constituição, por meio de julgados da Corte, que dão o alcance da Constituição, dando-se orientação ou princípios que devem ser seguidos. Muitos direitos sociais, como saúde, educação, por exemplo, tiveram seu alcance assegurado pela via interpretativa. (p. 100-102)

Subseção: A Proteção Contra o Administrador

O Poder Executivo é que o papel de vilão quanto aos abusos contra os direitos fundamentais, alcançando dos mais altos – ministros, chefe de Poder – até níveis menos elevados da hierarquia – policiais e outros agentes. São eles que violam as liberdades públicas, não satisfaz os direitos sociais ou não respeita os direitos de solidariedade. (p. 103)

O direito comparado aponta vários os sistemas de proteção visando essencialmente a manter o Poder Executivo (e especialmente seus agentes) no caminho do respeito dos direitos fundamentais. Ex. um sistema judicial, um administrativo ou o ombudsman. (p. 104)

O sistema de proteção judicial confia ao Poder Judiciário a proteção dos direitos fundamentais. É ele que tem o poder de corrigir as violações praticadas pelo administrador e, ao mesmo tempo, previne essas violações. É o sistema liberal por excelência. Baseia-se na ideia de que um Poder cujos membros gozam de adequada independência, com estatuto que lhes preserva a imparcialidade, e vinculados à aplicação do Direito, constitui o melhor meio de preservar os direitos individuais (e os fundamentais) contra o Executivo – e, eventualmente, contra os particulares. (p. 104)

O sistema de proteção inglês filia-se à rule of law. As chamadas writs visam proteger direitos de tipo específico, como o habeas corpus (a principal writs). No México, o amparo mexicano, consagrado na Constituição de 1917, serve para, entre outras finalidades, proteger o indivíduo contra atos de autoridade que violem as garantias individuais. É outro antecedente do mandato de segurança. No Brasil, o direito constitucional adotou o habeas corpus, em 1891, que já havia sido instituído em 1832 pelo Código de Processo Criminal; em 1934, a Constituição brasileira acrescentou o mandato de segurança; a CF/88 trouxe o mandato de segurança coletivo, o habeas data e o mandato de injunção. (p. 105-106)

O segundo tipo de proteção é o contencioso administrativo, originado do direito francês. Na raiz desse sistema está uma visão radical de separação dos poderes. Exclui, portanto, a possibilidade de interferência de um Poder – o Judiciário – na atuação de outro Poder – o Executivo. O contencioso administrativo nasceu na França em 1790, portanto, antes da primeira constituição. Com o tempo, conquistou papel importante como defensor dos direitos fundamentais. Este sistema praticado na França diferencia-se do sistema judicial essencialmente pela vinculação do órgão ao Executivo e não ao Judiciário, com a consequência de que os integrantes do Conselho não são magistrados. (p. 106-107)

O ombudsman é outro sistema de proteção de direitos individuais com origem na Suécia, onde foi instituído em 1809, seguido mais tarde por Noruega e Finlândia. A partir da década de 60, outros países adotaram esse sistema sob diversas designações – Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha e muitos outros. (p. 107)

O ombudsman é um órgão de controle ou fiscalização da atividade estatal, atribuído a um ou mais indivíduos, com amplos poderes de investigação e recomendação. Embora haja muita diversidade quando ao alcance de sua ação, ela abrange sempre toda a administração pública, e em muitos países até a própria justiça. Sendo um órgão individual, seu trabalho escapa às delongas burocráticas, excluindo formalismos. Não lhe cabe corrigir desvios ou violações de direitos, mas sim reclamar do poder competente que o faça. Igualmente pode fazer recomendações ao Legislativo ou à cúpula dos demais Poderes para que mudem procedimentos ou posturas. Sua designação é muitas vezes do Poder Legislativo, contudo o seu estatuto lhe assegura independência. (p. 107)

Outro tipo de proteção é o da “Procuratura” surgido no direito soviético, pois inexistia o controle jurisdicional da administração. Cabia a Procuratura – órgão comparável com o nosso Ministério Público – a supervisão da execução estrita e uniforme das leis por todos, entes públicos, organizações sociais e indivíduos. O chefe da Procuratura era o Procurador-Geral, nomeado pelo Soviet Supremo e responsável perante a este, era dado o poder mediante um protesto (em russo, protest), ex officio ou por solicitação do interessado, solicitar da autoridade administrativa a adequação de um ato à lei. Esta autoridade não era obrigada a aceitar esse protesto. Nesse caso, a questão subia à esfera superior e, em última instância, ao Soviet Supremo.

O protesto tinha efeito suspensivo, mas a decisão ficava sempre nas mãos da autoridade, não podendo a Procuratura senão obter o reexame do ato pela instância administrativa superior. (p. 108)

No Brasil, a Constituição Brasileira de 1998 consagrou o Ministério Público uma indisfarçável competência de controle administrativo, em prol dos direitos fundamentais (e outros). Cabe ao Ministério Público (art. 129, II e III), “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”, ou, a competência de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos”. É verdade que o papel do MP não é o de rever as decisões tomadas na esfera administrativa, mas de suscitar o controle judicial sobre elas. (p. 109)

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