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Politicas Publicas Na Ressocialização Do Preso

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Por:   •  23/3/2015  •  7.043 Palavras (29 Páginas)  •  199 Visualizações

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Prisões, Violência e Direitos Humanos no Brasil

Sérgio Adorno*

Introdução

Não temos mortos a lamentar. Desde 1982, os fatos têm se repetido. Com freqüência, a opinião pública é sacudida com notícias de rebeliões nos presídios brasileiros. Aqui e acolá, seja em estabelecimentos penitenciários de grande porte seja em delegacias e distritos policiais, cidadãos condenados ou sob tutela das instituições encarregadas de controle da ordem pública amotinam-se. Armados, tomam funcionários como reféns e reivindicam fugas sob o patrocínio do poder público. O desfecho desses acontecimentos, que colocam em confronto as forças da legalidade versus o mundo dos ilegalismos, tem caminhado no sentido da negociação, do diálogo e do convencimento dos amotinados, procedimentos que evitam vítimas fatais e restabelecem a ordem. No entanto, nem sempre foi e tem sido assim. Quando ocorre a radicalização do conflito, colocando em risco a vida de funcionários justamente incumbidos de zelar pela segurança do presídio - e por essa via, pela segurança dos demais cidadãos - opta-se pelo recurso mais arriscado: o emprego de uma força maior para conter a demonstração de força dos amotinados. O saldo, conhecemos. Mortes de presos, justamente aqueles cuja vida deveria estar sob tutela do poder público.

O cidadão comum, espectador desses acontecimentos, pouco pode intervir. Diante do vídeo de TV onde passivamente acompanha os noticiários ou lendo quotidianamente seu jornal, não tem como indagar do poder público se as mortes, de quem quer que fosse, poderiam ter sido poupadas. Para alguns, o desenrolar dos acontecimentos não poderia ter sido outro. Para outros, esse é o modo “natural” e adequado de lidar com bandidos, essa espécie de “dejeto” social que deve ser extirpada do corpo social sadio. Não é surpreendente que reações desta ordem, sugestiva de exclusão moral (Cardia, 1994) de cidadãos envolvidos com o mundo do crime, sejam inclusive justificadas por autoridades públicas, como necessárias e imperativas. Em 1986, após rebelião na Penitenciária de Presidente Wenceslau, interior do estado de São Paulo, na qual resultaram 16 mortos, entre presos e funcionários, o então Coordenador dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado (COESPE), um ex-delegado de polícia, declarou enfaticamente: “Não temos mortos a lamentar”. Contundente, esta frase não provocou indignação dos cidadãos. Muito ao contrário, sequer sofreu censura de seu superior, o Secretário de Justiça do Estado de São Paulo, menos ainda resultou em punição disciplinar ou coisa que o valha.

Não é estranho que o início dos anos 80 assistiu, em várias capitais brasileiras, a intensificação de motins e rebeliões de presos em cadeias públicas, distritos policiais, casas de detenção e penitenciárias. Em algumas delas, os eventos foram controlados, negociações foram realizadas, pouparam-se vítimas. Mas, em outras, sobretudo naqueles estabelecimentos que concentravam grande número de presos, os resultados foram quase sempre deploráveis pois resultaram em mortos e feridos, fossem presos ou agentes do sistema penitenciário, a par da destruição implacável do patrimônio público. Nas mais diferentes regiões do país, intervenções policial-militares para conter tais manifestações da massa carcerária quase sempre resultam em mortos e feridos. Em todo o país, essas intervenções vêm-se sucedendo com relativa constância desde 1982, sendo crescente o número de mortos. De modo geral, resultam em desfecho trágico de uma política de segurança que encara o controle da ordem pública como um problema de enfrentamento bélico e estratégico, em que há inimigos a serem vencidos e eliminados não importando o custo material e simbólico destas operações.

Durante esses eventos, as portas das prisões brasileiras são abertas à visibilidade pública, seja através do relato de visitas de autoridades e de representantes da sociedade civil organizada, seja através das câmaras de televisão, das ondas do rádio ou das acres letras da imprensa. E o espetáculo apresentado não pode deixar de ser dantesco. Por maior o desprezo de parte substantiva da sociedade brasileira para com as condições de vida e mesmo o destino do preso, ninguém pode se revelar indiferente diante do cenário oferecido pelas prisões: às mais precárias condições de habitabilidade e à falta de serviços de apoio, assistência e educação vem se associar uma violência desmedida e incontrolável, grave obstáculo a qualquer proposta de reinserção social de quem quer que tenha algum dia, em momento qualquer, transgredido as normas jurídicas desta sociedade e, por conseguinte, sido punido pela Justiça pública. As cenas são por demais fortes: o escuro das celas, a sujeira pelos cantos, a alimentação insossa, a falta de higiene, o perigo disseminado por todos os cantos e corredores, as doenças convivendo par a par com a saúde, os espancamentos e agressões gratuitas, as violações sexuais. Talvez, os sorteios de morte entre os prisioneiros, típicos das prisões brasileiras, porém trazidos ao público pelo descalabro em que se encontravam no início da década passada as prisões mineiras, sejam os exemplos de maior impacto e perplexidade que as páginas dessa história mal digerida nos legou ao presente (Paixão, 1984).

No domínio das prisões, esses fatos são indicativos de uma crise há tempos instalada no sistema de Justiça criminal. Todas as imagens de degradação e de desumanização, de debilitamento de uma vida cívica conduzida segundo princípios éticos reconhecidos e legítimos parecem se concentrar em torno dessas “estufas de modificar pessoas e comportamentos” (Goffman, 1974). Nelas aparecem com todas as suas letras, cores e números as marcas do fracasso de sucessivos governos em conter a delinqüência dentro dos marcos da legalidade e sobretudo em formular políticas penais capazes de efetivamente oferecer segurança à população estancando a insegurança generalizada que hoje parece ter tomado conta do espírito sobressaltado do cidadão comum, sobretudo o habitante das grandes cidades. As prisões revelavam a face cruel de toda essa história: os limites que se colocam na sociedade brasileira à implementação de uma política de proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, nela incluído o respeito às regras mínimas estipuladas pela ONU para o tratamento de presos.

O Crescimento da Criminalidade Urbana Violenta e seu impacto sobre as prisões

Desde meados da década de 1970, exacerbou-se o sentimento de medo e insegurança, diante da expectativa, cada vez mais provável, de qualquer cidadão, independentemente de sua condição de

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