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Hermeneutica como sabedoria prática

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Por:   •  12/8/2014  •  Artigo  •  1.753 Palavras (8 Páginas)  •  194 Visualizações

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Leia um trecho selecionado do artigo “A Hermenêutica como sabedoria prática: entre Gadamer e Ricoeur”, de Luísa Portocarrero, o qual é apresentado a seguir.

H-G. - Gadamer, o maior representante alemão da corrente hermenêutica do filosofar contemporâneo, procurou, em toda a sua obra, ultrapassar o dogmatismo da concepção moderna da ciência e de uma certa ideia de saber prático, o saber puramente pragmático, aquele que regido pelas leis da pura eficácia, ainda hoje nos governa.

Lembra-nos, para isso, com base no mundo grego, que existiu uma outra ideia de sabedoria, a filosofia que nunca foi ciência, na acepção estrita em que esta palavra é hoje entendida pelas ciências positivas e especializadas e que dizia fundamentalmente respeito ao mundo da vida do humano. Isto é, à sua capacidade de viver a práxis de forma meditativa. A meditação filosófica não pode reduzir-se ao modelo de objetividade da ciência, tal é a tese que, na sequência de Husserl, o filósofo defende no conjunto de todos os seus escritos. Tese essa que o vai levar à defesa do caráter prático e hermenêutico do filosofar, socorrendo-se, para isso, do sentido mais envolvente do filosófico no mundo grego.

A filosofia ou sabedoria lembra-nos, surgida da capacidade de espanto que o homem revela possuir, com o seu interesse por questões teóricas, isto é, por tudo aquilo que supera o mero desejo de conservação ou o âmbito do estritamente pragmático, advertia já nesta altura para algo que o saber para fazer, característico dos nossos dias, tem camuflado. E que, no entanto, constitui o traço distintivo da condição humana: a necessidade de perguntar pelo sentido último das coisas, pela origem e finalidade do conhecimento e, sobretudo, pelo significado da vida reta. Desse modo, ela correspondia à disposição natural do homem para a teoria que, no seu sentido originário, designava o interesse por o que transcende o útil, pelo belo ou paideia, o saber como fim em si mesmo, isto é, a cultura ou formação, capaz de instituir a solidariedade dos cidadãos voltados à procura da realização do bem comum. É nesse sentido que a filosofia era considerada a primeira de todas as ciências em geral. Preocupava-se não só com o saber dos especialistas, mas fundamentalmente “com o saber geral na base do qual somos, e tomamos as nossas decisões práticas. [...], isto é, com o saber a respeito do bem comum.”

Ora, todos sabemos que desde o séc. XVII essa concepção do filosófico se transformou decisivamente. E vivemos hoje, numa época em que o modelo grego de sabedoria foi completamente abandonado. Ou melhor, substituído pelo papel que a nova ciência – muito mais orientada para o poder agir com eficácia, do que para o saber viver em comum –, adquiriu nas sociedades. A própria filosofia seguiu, desde a Modernidade, o ideal metódico das ciências da natureza ou ciências experimentais, ideal que finalmente se impôs como o único modelo do saber.

Perdeu-se, assim, definitivamente, lembra-nos Gadamer, o que nos oferecia o antigo conceito de ciência: um saber integrador, uma forma mais geral do conhecer, que se procurava por si mesmo, repitamo-lo, pelas exigências da vida em comunicação e nunca pelos seus resultados pragmáticos.

A grande tradição da filosofia prática e política da Antiguidade – com todo o seu horizonte normativo fundamental, retomado com alguma força, mais tarde, pela problemática do humanismo e finalmente pelo horizonte das chamadas ciências do espírito – acaba por desaparecer radicalmente do âmbito da ciência. A ideia moderna de método e o primado absoluto desse sobre as coisas, remetem para o esquecimento absoluto todo outro tipo de racionalidade: aquela que não tem tanto em vista o saber útil, mas pelo contrário, a formação humana feita por meio da apropriação das crenças, tradições, dos valores e decisões que fundam as comunidades humanas.

Por outras palavras, a partir da Modernidade, a investigação separa-se do ethos, da capacidade de enraizamento e abertura que caracteriza o humano e abre-se ao infinito de uma especialização, comercial ou profissional, cada vez mais apurada. Ora, acontece que, desenraizada do mundo da vida em que, apesar de tudo, o homem continua a ser, a viver e a compreender, o caminho da especialização científico-técnica acaba por converter-se numa séria ameaça, que se estende à vida ética e social do homem. Isto é, como nos diz Gadamer, no caminho de um progresso que se despe de toda e qualquer responsabilidade. Daí o drama do nosso mundo contemporâneo: a formação da nossa consciência social e política não foi capaz de acompanhar o ritmo do desenvolvimento científico e tecnológico e a eficiência das suas aplicações. Devorados pelo ritmo da eficácia, desaprendemos o verdadeiro significado do discernimento, quer isto dizer, “não só o sentido prático para alcançar determinados fins, como a capacidade para os precisar e a responsabilidade a adotar perante eles”. Chegamos, no entanto, a uma altura em que percebemos que a simples eficiência não resolve os problemas criados pela sua própria lógica. São os próprios homens de ciência que, na segunda metade do séc. XX, reclamam por uma outra orientação – uma orientação ética – no interior da sua própria ciência. E são as situações de conflito criadas pelos efeitos da, cada vez maior, penetração da tecnociência nos rituais da conduta humana que levantam hoje sérios problemas à filosofia, dando-lhe a ocasião de definir de novo o sentido da sua tarefa.

Digamos que este embaraço começa por se expressar, logo na primeira metade do séc. XX, na reflexão fenomenológica sobre a natureza dos valores, sobre o seu estatuto – epistemológico ou ontológico? – e mais tarde pelo boom da ética e da bioética. Para Gadamer, este é um problema de natureza hermenêutica que, antes de mais nada, faz-nos perguntar: o que nos dias de hoje provoca o filosofar? A finitude da práxis, responde, que sempre impõe hic et nunc limites ao progresso da ciência.

O que hoje nos dá que pensar é o fato do próprio mundo científico clamar por guias éticos. A medicina, as empresas, os media exigem a reflexão ética, uma ética para a vida, e não a ética abstrata dos filósofos, e códigos deontológicos que guiem as suas diferentes práxis. Ora, com essa demanda absolutamente inédita de ética, surge justamente a ocasião de melhor concretizar a máxima fenomenológica de um voltar às próprias coisas, ao mundo da vida, agora por meio de uma reinterpretação do humano

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