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Introduçao à Filosofia Moral

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Por:   •  4/4/2014  •  3.135 Palavras (13 Páginas)  •  384 Visualizações

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1. A figura do bourgeois renascentista, conviva da aristocracia pré-revolucionária, evoca o homem civilizado, apreciador das artes, da gastronomia requintada, do vestuário alinhado. Elegante, culto, incentivador das ciências humanas e naturais, cultiva a arte das boas maneiras, da linguagem polida de referência cortês. Educado formalmente, poliglota, é refinado no tratamento com seus semelhantes.

A imagem do homem burguês do século XVIII representa, no imaginário Ocidental, o ápice da cultura romântica apolínea. A perspectiva apolínea sustenta o modelo metafísico socrático de reforço dos valores morais de Justiça, Beleza, Bondade e Verdade, referências do homem civilizado. A metafísica apolínea, portanto, evoca “a verdade superior, a perfeição desses estados na sua contraposição com a realidade cotidiana tão lacunarmente inteligível (...)”.(1) Na lição de Giacóia, “Apolo representa o lado luminoso da existência, o impulso para gerar as formas puras, a majestade dos traços, a precisão das linhas e limites, a nobreza das figuras. Ele é o deus do princípio da individuação, da sobriedade, da temperança, da justa medida, o deus do sonho das belas visões”.(2)

E neste imaginário, ao polido homem da cultura é contraposto seu outro: o bárbaro. A negação do convívio amistoso, a ruptura com as regras e os limites impostos pela civilização, caracterizam os atos daquele que, por atavismo ético ou estético, não ultrapassou a infância da humanidade e, em conseqüência, não atingiu a segunda natureza, a natureza domada pelas disciplinas da cultura. A representação do bárbaro como esteticamente feio e moralmente corrompido, como perverso desprovido de freios inibitórios cujo habitat é estabelecido nas margens da cultura, solidifica a imagem do civilizado como virtuoso freqüentador do cotidiano urbano, de suas instituições e dos locais de socialização.

Note-se que justamente por este motivo as teses spenceriana e darwiniana da evolução das espécies fornecerão importante chave de leitura para elaboração da dicotomia fundamental na criminologia clássica (criminoso bárbaro versus cidadão civilizado). O homem da Modernidade, o último homem na conceituação de Nietzsche, “considera a si mesmo o ponto mais avançado do desenvolvimento histórico da humanidade, acreditando que a finalidade dessa história consistiria precisamente na chegada do moderno. Orgulhoso de sua cultura e formação, que o elevaria acima de todo passado, o último homem crê na onipotência do seu saber e do seu agir”.(3)

02. Mas se o homem moderno (bourgeois) é alçado ao patamar supremo da cultura, colocado no ápice da evolução da espécie, o estigma do bárbaro irá identificar aquela minoria de pessoas que não ultrapassou as necessárias etapas de evolução. Sem transpor definitivamente a primeira natureza, estão condicionadas a romper, a qualquer momento, as regras do convívio pacífico, pois são estrangeiros e não fazem parte da civilização.

Na criminologia, seja do ponto de vista ético — “há indivíduos moralmente inferiores, assim como os há e houve sempre superiores (...)”(4) — ou desde perspectiva estética — “se é certo que o senso moral é um produto da evolução, natural admitir que ele seja menos aperfeiçoado nas classes que representam um grau inferior de desenvolvimento físico”(5) —, o homo criminalis, derivado do conflito existente entre o atraso antropopsicológico e a irrupção da civilização, estará eternamente vinculado à idéia de anomalia moral e fisiológica.

Nas palavras de Ferri “o criminoso nato pode ser um assassino tranqüilamente selvagem, um depravado violentamente brutal, um refinado obsceno por conta de uma perversão sexual proveniente de uma defeituosa organização física. Ele pode também ser um ladrão ou falsário. A repugnância em apro­priar-se do bem alheio, esse instinto lentamente desenvolvido pela vida social na coletividade, falta-lhe em absoluto (...). Tive ocasião de demonstrar, no estudo psicológico de um homicida nato, que a aparente regularidade de sua inteligência e de seus sentimentos pode encobrir tão completamente sua profunda insensibilidade moral, que seu verdadeiro caráter escapa àqueles que ignoram a psicologia experimental”.(6)

Lombroso, ao concluir sua investigação sobre a antropometria e a fisionomia dos criminosos, observa que embora não tenham sempre aspecto assustador, têm os integrantes da oligarquia do delito particular e especial características, pois “em for­mas análogas e em iguais proporções às dos selvagens, nos é dado notar outras alterações atávicas, sobretudo da face e da base do crânio: sinos frontais enormes, fronte fungidia, fosseta occipital média, soldura do atlas, aspecto viril dos crânios das mulheres, dupla face articular do côndilo occipital, achatamento do palatino, osso epactal, órbitas volumosas e oblíquas”.(7) A patologia das condições físicas e psicológicas, a degenerescência individual deste selvagem que se mantém apesar da evolução, apontam sua distinção com o homem civilizado.

03. Se a representação do criminoso (e do louco) no discurso civilizatório é a do fisicamente degenerado, do moralmente corrompido e do socialmente degradado, sendo, portanto, o delito atributo específico de minoria de insanos que não logrou ultrapassar as etapas do processo evolutivo, Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês libertino, apontará uma das maiores e das mais radicais chagas da cultura ocidental. Não por outro motivo será perseguido pelo Antigo Regime e pela Revolução, por Luis XVI e Robespierre. Na Bastilha será exposto como delinqüente, e em Charenton, dirigindo os pacientes do hospital psiquiátrico, será considerado demente.

O desaparecimento por mais de um século de Os 120 Dias de Sodoma ou A Escola da Libertinagem parece ser reflexo condicionado de período da cultura que não poderia conviver com “(...) o relato mais impuro já feito desde que o mundo existe, pois não há livro semelhante nem entre os antigos nem entre os modernos”.(8)

Mas para além dos extremos de fúria libertina expressos em Os 120 Dias de Sodoma, o conjunto da obra sadiana — ou conforme denomina Maurice Blanchot o sistema sadiano(9) —, produz dois efeitos terroríficos profundamente importantes para a análise dos discursos acerca do processo civilizatório e da formação da cultura como adestramento da natureza humana: a absoluta inversão do sistema de valores morais e a colocação em cena do homem da cultura como sujeito dos atos de barbárie. Sade evoca em sua literatura libertina o homo naturalis adormecido no cortês homem da Modernidade.

04. Contador Borges, nos comentários à Filosofia da Alcova, lembra que nos romances de Sade são contadas duas histó­rias paralelas e complementares que

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