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Mundo Novo

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Por:   •  14/11/2014  •  Seminário  •  4.394 Palavras (18 Páginas)  •  386 Visualizações

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Jovem Sócrates: Por que dizes que a nossa divisão não fora feita corretamente?

Estrangeiro de Eleia: Porque é o mesmo que tentar alguém dividir a humanidade em duas partes, como costuma a maioria, isto é, separando-a como se o gênero helênico constituísse uma unidade distinta das demais e dando-se a estas o nome comum de "bárbaros"; supondo que por causa dessa denominação coletiva formem também uma unidade, quando de fato são numerosíssimas, distintas entre si e de linguagens bem diferentes (ἀσύμφωνος).

Platão, O sofista, 262c.

Em um texto já clássico sobre a descoberta do Novo Mundo, Tzvetan Todorov[1] a interpreta como "a descoberta do outro", devido a seu impacto sobre o pensamento europeu da época e ao abalo que causa na imagem tradicional da unidade da natureza humana no pensamento filosófico e teológico deste período. Contudo, que relevância esse evento histórico e toda a imensa literatura que gerou podem ter para a formação da filosofia moderna? À primeira vista parece surpreendente que a história da filosofia, inclusive contemporaneamente, não tenha dado nenhum sentido especial à descoberta do Novo Mundo, nem se tenha preocupado em interpretá-la como parte da formação e do desenvolvimento do pensamento moderno.

Minha hipótese de trabalho consiste em mostrar que, além das causas tradicionais de ruptura com a tradição como a Reforma Protestante e a Revolução Científica, a Descoberta do Novo Mundo consiste em um terceiro fator fundamental na transformação do mundo que levará à formação do pensamento moderno, aprofundando esta ruptura, especialmente com o mundo medieval, mas também com o antigo. Na verdade, de um ponto de vista cronológico, a Descoberta do Novo Mundo (1492) antecipa os outros dois fatores e conceitualmente pertence ao mesmo contexto de discussão. Consiste, portanto, em um fator histórico importante na constituição do solo em que o ceticismo antigo será retomado e levanta questões que serão discutidas por um pensamento fortemente influenciado pelo ceticismo.

De certa forma, contudo, já teria havido um conhecimento pelos renascentistas ao menos de algumas fontes céticas da Antiguidade grega, o que certamente contribuiu para a formação da mentalidade de muitos dos que escreveram sobre o Novo Mundo e interpretaram o significado das navegações e descobertas em relação à tradição clássica e ao mundo europeu. Pode-se dizer que, até certo ponto, o pensamento moderno foi influenciado num primeiro momento pela retomada do ceticismo antigo, sobretudo no contexto florentino e, em seguida, as grandes transformações pelas quais o mundo europeu passou deram uma nova dimensão à leitura dos céticos antigos[2]. Há assim um segundo momento, ou uma segunda leva, da retomada do ceticismo antigo que adquire um novo sentido quando vista em relação a essas transformações. A retomada dos textos céticos antigos aprofunda e radicaliza o debate já iniciado a partir das grandes transformações históricas no contexto europeu.

A assim chamada "literatura das navegações", consistindo nos relatos desses eventos históricos ainda pouco estudados fora dos círculos dos especialistas, tem uma importância capital para o entendimento dessas transformações e do processo de formação da modernidade e teve um grande impacto no pensamento da época, sobretudo, em um momento em que a divisão em áreas como filosofia, história, literatura etc. era ainda quase inexistente[3]. Esses textos, grande parte deles de cronistas e navegadores, incluem não só a descrição das viagens e das "maravilhas" encontradas nas Índias, orientais e ocidentais, mas também reflexões filosóficas, políticas e religiosas, dando origem ao que já foi também chamado de "antropologia das navegações".

Minha hipótese consiste em mostrar que há um aspecto específico da importância da descoberta do Novo Mundo pelos europeus para a discussão cética do início do pensamento moderno que denomino aqui "argumento antropológico", na medida em que traz um novo argumento cético: Haveria uma natureza humana universal? E de que critérios dispomos para definir "natureza humana", diante da diversidade de culturas que aí se encontram?

Isso leva à radicalização da discussão que encontramos nos tropos de Enesidemo, sobretudo o segundo, que trata da diferença entre os seres humanos e o décimo, sobre a variação de costumes e crenças[4].

Pretendo examinar alguns dos principais ângulos dessa questão, mostrando, inclusive, a necessidade de reformulá-la a partir da análise de várias fontes e da discussão de diferentes interpretações em torno do descobrimento do Novo Mundo. É dentro deste contexto que proponho considerarmos Michel de Montaigne o grande pensador do século XVI, talvez mesmo o único no âmbito do pensamento filosófico, que refletiu sobre a descoberta do Novo Mundo e seu impacto no mundo europeu de sua época. Pretendo mostrar também que esta questão está relacionada em Montaigne à formulação de questões céticas em sua obra.

A retomada do ceticismo antigo no pensamento moderno

É surpreendente que a filosofia cética, que parecia morta e enterrada por mais de mil anos durante o período medieval, tenha sido retomada com força total no início do pensamento moderno, sobretudo no século XVI, como mostrou Richard Popkin (2000).

Mas se a filosofia cética antiga, tanto dos pirrônicos, quanto dos acadêmicos, parecia ter sido abandonada porque a filosofia cristã introduziu um critério de verdade permitindo superar o ceticismo, tal como mostra santo Agostinho em Contra os Acadêmicos (389 A.D.); por outro lado, o ceticismo, se entendermos por isso questões céticas sobre a possibilidade do conhecimento e de sua justificação, permaneceu presente na discussão filosófica medieval ainda que de forma lateral. Deve-se distinguir nesse sentido, ceticismo – como a presença de questões céticas sobre a possibilidade da certeza no âmbito tanto do conhecimento, quanto da ação –, de filosofia cética, consistindo em questões derivadas da leitura dos filósofos céticos da Antiguidade. Isso nos permite entender melhor a questão da permanência ou não de um pensamento cético no período medieval, assim como a possibilidade de sua retomada no início do período moderno. A rigor, portanto, há formulações do ceticismo no período medieval, mas há, além disso, a retomada de uma filosofia cética no início da modernidade.

A posição agostiniana, por sua vez, contribuirá

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