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O Allen Ginsberg

Por:   •  11/5/2015  •  Dissertação  •  1.604 Palavras (7 Páginas)  •  230 Visualizações

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Allen Ginsberg refletiu sobre o signifi cado da inevitabilidade da morte por quase toda a carreira de escritor. Em 1959, em “Kaddish”, o poema narrativo sobre o declínio e a morte de sua mãe, Ginsberg escreveu: “Death let you out, Death had the Mercy, you are done with your century” [A Morte a deixou de fora, a Morte teve piedade, você passou por seu século].* E em 1992 escreveu sobre si próprio: “Sleepless I stay up &/ think about my Death [...]/ If I don’t get some rest I’ll die faster” [Insone, fi co acordado/ pensando em minha Morte [...]/ Se não descansar, vou morrer mais depressa]. Ele morreu aos setenta, em 5 de abril de 1997. Sete dias antes, soube que a doença dos últimos anos se agravara — um câncer no fígado, inoperável. Assim que recebeu a notícia, Ginsberg voltou ao apartamento no East Village, em Nova York, e não alterou a rotina: sentou-se e escreveu um conjunto de poemas sobre as experiências de sua vida — nesse caso, sobre a iminência do fi m. Um desses poemas — o longo, hilário e sentimental “Death & Fame” [Morte & fama] — foi publicado na New Yorker uma semana depois do desaparecimento do escritor. No poema, Ginsberg imagina centenas de amigos, admiradores e amantes reunidos no seu “grande funeral” e * Allen Ginsberg. Uivo e outros poemas. Tradução, introdução e notas de Claudio Willer. Porto Alegre: L&PM, 2010 [2005], p. 73. (N. E.) Ponto Final 4A PROVA.indd 25 onto Final 4A PROVA.indd 25 8/9/10 3:05:50 PM /9/10 3:05:50 PM 26 ele gostaria que nos encômios alguém dissesse: “He gave great head” [Ele era bom de cama]. Nesses últimos dias, Ginsberg também conversou com amigos — o escritor William Burroughs, companheiro de toda a vida; Peter Orlovsky, namorado por várias décadas; o poeta Gregory Corso, entre outros — e escreveu uma carta para o presidente Bill Clinton (enviada por George Stephanopoulus, outro amigo de Ginsberg), exigindo, por gaiatice, uma medalha de reconhecimento. Em sua última semana, ouviu uma gravação de “C.C. Rider” na interpretação de Ma Rainey, uma cantora de blues dos anos 1920 — a primeira voz que Ginsberg teria ouvido. De acordo com um relato, ele cantou junto, vomitou e disse: “Puxa, nunca tinha feito isso antes”. Na sexta-feira, entrou em coma. Cercado por poucos amigos, Ginsberg morreu no sábado de manhã, dia 5 de abril de 1997. Um fi m tranquilo para uma vida intensa. Desde a morte de Elvis Presley, em 1977, e o assassinato de John Lennon, em 1980, não se lidava, na cultura pop, com uma percepção tão acentuada do fi m de uma época. Allen Ginsberg não apenas fez história — ao escrever poemas que agitaram a consciência americana e ao assegurar que o movimento beat dos anos 1950 seria lembrado como considerável força literária —, mas viveu e incorporou algumas das mais extraordinárias mutações culturais da segunda metade do século. Da mesma maneira que Elvis, que os Beatles, Bob Dylan ou os Sex Pistols, Allen Ginsberg ajudou a liberar algo maravilhoso, arriscado e indócil em nossos corações e mentes. Talvez apenas o difícil e corajoso sonho de Martin Luther King Jr. tenha tido impacto libertador mais genuíno sobre as realidades da história recente e sobre pessoas e vozes que a sociedade quis manter marginalizadas. Da mesma maneira que Bob Dylan mais tarde transformaria a canção popular, Ginsberg transformou a poesia: qual seria a sua voz, o que articularia, a quem seria dirigida. As palavras de Ginsberg — pronunciadas em performances e vivenciadas em ações — devolveram à poesia a relevância política e cultural que tivera nos anos 1840 com os transcendentalistas (Ralph Waldo Emerson e Henry Thoreau entre eles) ou, em 1855, com a escandalosa publicação do clássico de Walt Whitman, Folhas de relva. Na realidade, nas mãos de Ginsberg, a poesia provou ser bem mais que uma vocação ou a seara de literatos e críticos refi nados. Ginsberg fez do dom de escrever uma missão — “tentando salvar e curar o espírito da América”, como escreveu na introdução de The Beat Book, da poeta Anne Waldman. Nesse processo, ele não apenas infl uenciou gente como Bob Dylan, Ponto Final 4A PROVA.indd 26 onto Final 4A PROVA.indd 26 8/9/10 3:05:50 PM /9/10 3:05:50 PM 27 John Lennon, Lou Reed, Patti Smith e Jim Carroll. Ecos do seu trabalho também podem ser ouvidos em Advertisements for Myself [Recados para mim mesmo], de Norman Mailer, nos escritos e feitos do presidente da Tchecoslováquia Václav Havel, nas vidas e façanhas dos rebeldes dos anos 1960, como Timothy Leary, Tom Hayden e Abbie Hoffman. É possível ainda perceber os efeitos de Ginsberg numa geração mais recente de artistas, como Sonic Youth, Beck, U2 e vários dos nossos ótimos poetas do hip-hop. Ginsberg também foi, claro, simplesmente um homem — às vezes generoso, às vezes competitivo, ciente de seus vícios e virtudes, velho na sabedoria e juvenil nos gostos e afeições, e implacavelmente promíscuo, ainda que com total fi delidade. Mais do que tudo, no entanto, Ginsberg foi alguém que um dia juntou coragem para falar verdades ocultas sobre coisas indizíveis, o que serviu de consolo e incentivo para os que se miraram em seu exemplo. Esse exemplo — a insistência em não se calar e não se conformar com valores ou experiências limitadas — talvez seja o maior legado de Ginsberg. Hoje, há muitos outros artistas que dão prosseguimento a essa tradição — de Dylan, Smith e Reed a Eminem ou Dixie Chicks e vários outros — e por isso a morte de Ginsberg não nos priva de possibilidades, como aconteceu nas terríveis mortes de Kurt Cobain, Tupac Shakur e Notorious B.I.G. E assim é porque toda a vida de Ginsberg foi um processo de se abrir (e nos abrir) a possibilidades. De qualquer maneira, é uma enorme perda. Que não haja dúvida: um gigante esteve entre nós. A única coisa apropriada a fazer será avaliar o que ele fez por nós e pelos Estados Unidos. Allen Ginsberg nasceu em 1926, fi lho de pais judeus de esquerda nascidos na Rússia que possuíam sofi sticado repertório cultural (o irmão mais velho de Allen, Eugene, foi assim chamado em homenagem ao sindicalista Eugene V. Debs;* Ginsberg também se recorda de que a música de Ma Rainey, Beethoven e Bessie Smith enchia a casa da família em Paterson, New Jersey). O pai de Allen, Louis, foi um poeta respeitado. Louis e Allen discordaram por muito tempo sobre a linguagem e a estrutura da poesia, mas nos últimos anos da vida do pai, * Eugene Victor Debs (1855-1926) foi um dos fundadores do Partido Socialista dos Estados Unidos, agremiação pela qual se candidatou cinco vezes à presidência do país no início do século XX. (N. T.) Ponto Final 4A PROVA.indd 27 onto Final 4A PROVA.indd 27 8/9/10 3:05:51 PM /9/10 3:05:51 PM 28 os dois fi zeram com frequência leituras conjuntas, trocaram poemas e tiveram uma relação de afeição e respeito genuínos. Mas foi a mãe de Ginsberg, Naomi, que teve infl uência mais profunda e duradoura na vida, na mentalidade e na obra do fi lho. Em 1919, ela já apresentara sinais de esquizofrenia. Recuperou-se e retomou as atividades de ativista e mãe, mas alguns anos depois do nascimento de Allen teve forte recaída. Naomi se internou num sanatório e durante boa parte da vida foi transferida de uma instituição psiquiátrica para outra. Nos períodos que passava em casa, costumava criar fantasias assustadoras sobre um pacto entre o marido, Hitler, Mussolini e o presidente Roosevelt, todos envolvidos num complô para controlar sua mente. Ela também passou a andar nua pela casa. Allen — que deixava de ir à escola para cuidar da mãe nos piores dias — lia para ela, tentando ignorar a nudez e o delírio. Crescer testemunhando a loucura e sem ter os cuidados de uma mãe carinhosa teve enorme impacto em Ginsberg. Pelo menos, isso o preparou para lidar com duras realidades. No fi lme The Life and Times of Allen Ginsberg [A vida e a época de Allen Ginsberg], de Jerry Aronson, Ginsberg afi rma: “Para mim, foi como uma tela protetora que me permitia ouvir pessoas morrendo e tocar a vida apesar disso. [...] Sobrevivi sem derramar lágrimas para que, em certo sentido, elas surgissem mais tarde num poema, e não no desmoronamento imediato do meu mundo. Meu mundo caíra havia muito tempo”. Os problemas de Naomi — e sua ausência de casa — também puseram em relevo a privação e a incerteza que de vários modos acompanharam Ginsberg por toda a vida, tendo afetado a maneira com que, como criança, ele fez conexões entre estímulos eróticos e satisfação emocional. Ginsberg várias vezes relatou que durante as noites solitárias, quando sua mãe estava fora, aninhava-se ao pai e lhe roçava o pênis ereto nas coxas, enquanto Louis, de costas para o fi lho, tentava dormir e ignorar a atividade. Finalmente, os problemas mentais de Naomi também fi zeram com que Ginsberg se preocupasse com sua possível loucura e se tornasse solidário com pessoas problemáticas — e o converteram numa pessoa com medo de sombras e fantasmas, dada a ter visões. Ao completar onze anos, Allen já escrevia sobre esses assuntos nos primeiros diários, quando uma descoberta lhe deu certo conforto e força: as palavras, ao contrário do mundo ao seu redor, eram algo que ele dominava, algo com que podia expressar seus pensamentos, algo de que poderia se orgulhar. Ponto Final 4A PROVA.indd 28 onto Final 4A PROVA.indd 28 8/9/10 3:05:51 PM /9/10 3:05:51 PM 29 Mas além da solidão e dos temores que marcaram sua infân

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