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Teoria Da Semicultura

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Por:   •  13/5/2014  •  10.013 Palavras (41 Páginas)  •  302 Visualizações

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TEORIA DA SEMICULTURA*

Theodor W. Adorno

O que hoje se manifesta como crise da formação cultural não é um simples objeto da pedagogia, que teria que se ocupar diretamente desse fato, mas também não pode se restringir a uma sociologia que apenas justaponha conhecimentos a respeito da formação. Os sintomas de colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de sucessivas gerações. Reformas pedagógicas isoladas, indispensáveis, não trazem contribuições substanciais. Poderiam até, em certas ocasiões, reforçar a crise, porque abrandam as necessárias exigências a serem feitas aos que devem ser educados e porque revelam uma inocente despreocupação frente ao poder que a realidade extrapedagógica exerce sobre eles. Igualmente, diante do ímpeto do que está acontecendo, permanecem insuficientes as reflexões e investigações isoladas sobre os fatores sociais que interferem positiva ou negativamente na formação cultural, as considerações sobre sua atualidade e sobre os inúmeros aspectos de suas relações com a sociedade, pois para elas a própria categoria formação já está definida a priori. O mesmo acontece com os momentos parciais, imanentes ao sistema, que atuam em cada caso no interior da totalidade social: movem-se no espaço de conjuntos enquanto estes é que deveriam ser os primeiros a serem compreendidos. Seria preciso, além disso, a partir do movimento social e até mesmo do conceito de formação cultural, buscar como se sedimenta — e não apenas na Alemanha — uma espécie de espírito objetivo negativo. A formação cultural agora se converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alienado, que, segundo sua gênese e seu sentido, não antecede à formação cultural, mas a sucede. Deste modo, tudo fica aprisionado nas malhas da socialização. Nada fica intocado na natureza, mas, sua rusticidade — a velha ficção — preserva a vida e se reproduz de maneira ampliada. Símbolo de uma consciência que renunciou à autodeterminação, prende-se, de maneira obstinada, a elementos culturais aprovados. Sob seu malefício gravitam como algo decomposto que se orienta à barbárie. Isso tudo não encontra explicação a partir do que tem acontecido ultimamente, nem, certamente, como expressão tópica da sociedade de massas, que, aliás, nada consegue explicar mesmo, apenas assinala um ponto cego ao qual deveria se aplicar o trabalho do conhecimento. Apesar de toda ilustração e de toda informação que se difunde (e até mesmo com sua ajuda) a semiformação passou a ser a forma dominante da consciência atual, o que exige uma teoria que seja abrangente.

Para esta teoria, a idéia de cultura não pode ser sagrada — o que a reforçaria como semiformação —, pois a formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva. Porém a cultura tem um duplo caráter: remete à sociedade e intermedia esta e a semiformação. Na linguagem alemã de hoje se entende por cultura, em oposição cada vez mais direta à práxis, a cultura do espírito. Isto bem demonstra que não se conseguiu a emancipação completa da burguesia ou que esta apenas foi atingida até certo ponto, pois já não se pode pensar que a sociedade burguesa represente a humanidade. O fracasso dos movimentos revolucionários, que queriam realizar nos países ocidentais o conceito de cultura como liberdade, provocou uma certa retração das idéias de tais movimentos, e não somente obscureceu a conexão entre elas e sua realização, mas também as revestiu de um certo tabu. Por fim, na linguagem da filosofia pura, a cultura se converteu , satisfeita de si mesma, em um valor. Sua autarquia deve ser creditada à grandiosa metafísica especulativa e à música, que a ela se uniu intimamente em seu desenvolvimento; mas, em tal espiritualização da cultura está já, ao mesmo tempo, virtualmente confirmada sua impotência e entregue a vida real dos homens às relações cegamente existentes e cegamente mutantes. Frente a isso a cultura não é indiferente. Max Frisch observou que havia pessoas que se dedicavam, com paixão e compreensão, aos chamados bens culturais, e que, no entanto, puderam se encarregar tranqüilamente da práxis assassina do nacional-socialismo. Tal fato não apenas indica uma consciência progressivamente dissociada, mas sobretudo dá um desmentido objetivo ao conteúdo daqueles bens culturais — a humanidade e tudo o que lhe for inerente — enquanto sejam apenas bens, com sentido isolado, dissociado da implantação das coisas humanas. A formação que se esquece disso, que descansa em si mesma e se absolutiza, acaba por se converter em semiformação. Isso poderia ser documentado com os escritos de Wilhelm Dilthey, que, mais que ninguém, temperou ao gosto das entusiasmadas classes médias alemãs o conceito de cultura espiritual como fim em si mesmo e o colocou nas mãos dos professores. No livro mais conhecido de Dilthey, há frases - como a referente a Hoelderlin: "que outra vida de poeta foi tecida de um material tão delicado como se fossem raios de lua! e igual à sua vida foi sua poesia" - que, com todo o saber de seu autor, não dá para distinguir dos produtos da indústria cultural no estilo de Emil Ludwig.

Por outro lado, nos casos em que a cultura foi entendida como conformar-se à vida real, ela destacou unilateralmente o momento da adaptação, e impediu assim que os homens se educassem uns aos outros. Isso se fez necessário para reforçar a unidade sempre precária da socialização e para colocar fim àquelas explosões desorganizadoras que, conforme é óbvio, se produzem às vezes justamente onde já está estabelecida uma tradição de cultura espiritual autônoma. E a idéia filosófica de formação que a ela corresponderia se dispôs a formar de maneira protetora a existência. Havia um duplo propósito: obter a domesticação do animal homem mediante sua adaptação interpares e resguardar o que lhe vinha da natureza, que se submete à pressão da decrépita ordem criada pelo homem. A filosofia de Schiller, dos kantianos e de seus críticos foi a expressão mais prenhe da tensão entre esses dois momentos, enquanto que na teoria hegeliana da formação — e na do Goethe tardio — triunfou, dentro do mesmo humanismo, sob o nome de desprendimento, o desideratum da acomodação. Mas se esta tensão se defaz instala-se uma hegemonia unilateral e seu âmbito proíbe elevar-se, por decisão individual acima do dado, do positivo, e pela pressão que exerce sobre os homens, perpetua neles a deformidade que se pensava ter se dominado, a agressão. Tal é, conforme Freud o vê, a razão do mal-estar que

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