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A pátria Amada

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Por:   •  21/9/2013  •  1.005 Palavras (5 Páginas)  •  287 Visualizações

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Hoje, por ser domingo e não se trabalhar de qualquer jeito, creio que pouca gente vai lembrar que é o Sete de Setembro, antigamente muito chama¬do, mas hoje pouco, de Dia da Pátria. Recebo cartas e sugestões de amigos e leitores, parecem que esperam de mim uma crônica ou artigo de grande impacto e veemência, em nome do aniversário, ainda que contestado por alguns, do nosso país, ou "desse país", como gosta ou gostava de di¬zer o presidente Lula. Há até quem espere que eu exponha dados, que por sinal não tenho; sobre a sugestão de que há e sempre houve sabotagem de fora no programa espacial brasileiro e aclare tudo de forma definitiva, como prova de que precisamos cada vez mais de união, porque o Brasil tem inimigos por toda parte. Há mesmo quem ache que, neste es¬paço, eu posso resumir análise e opi¬nião abrangentes sobre nossos problemas e nosso futuro.

Mas, ai de mim, não vou fazer, para usar um adjetivo adequado ao dia, nada de retumbante. Não sei como fazer, não só porque me falta capaci¬dade, mas porque meus sentimentos, como os de muitos de nós, são con¬traditórios. Até hoje sou do tipo que chora, ao ouvir o Hino Nacional em momentos especiais. Quando ia a Co¬pas do Mundo, agüentava sem cho¬rar, se não cantasse. Mas, se cantas¬se, não conseguia terminar, com a voz falhando e os olhos embaçados por lágrimas. Ao mesmo tempo, po¬rém, aprendi a usar, talvez como tá¬tica de sobrevivência, o que, suspei¬to eu, também muitos de nós usamos. Uma certa atitude blasée, um certo cinismo resignado e auto-irônico. É isso mesmo, somos assim, do jeito que sempre fomos, nascemos para ser assim, o melhor é conviver com aquilo de que já cansamos de nos queixar, carma é carma, vamos sempre ficar na rabeira dos países um pouco mais desenvolvidos, per¬demos o sonho, hoje tão fora da mo¬da, de grande potência.

Ainda peguei na escola o tempo do ufanismo, o tempo em que se liam com entusiasmo livros como "0 Bra¬siÍ e suas riquezas", de Waldomiro Potsch (espero estar escrevendo o nome dele corretamente, meu exem¬plar já se perdeu na poeira de tantas mudanças), o tempo em que nossa História era povoada de heróis e o nosso destino inelutável era a grandeza. Professores e textos eloqüentes nos faziam vibrar de emoção cí¬vica, aprendíamos à detestar o opres¬sor lusitano dos tempos coloniais, ouvíamos quase com febre as histó¬rias de Tiradentes, da Batalha de Guararapes, da guerra contra o abominável tirano paraguaio Solano Ló¬pez, parecíamos todos ter um pouco de Policarpo Quaresma em nossa for¬mação. Bem verdade que havia aqueles que achavam que, se os holandeses não tivessem sido expulsos de Pernambuco e da Bahia, estaríamos hoje em bem melhor situação, assim ¬como se tivéssemos sido coloniza¬dos pelos franceses do tempo da França Antártica.

Mas é tudo passado, tudo gasto, e a História vista na base do "se isso ou aquilo tivesse acontecido" não passa de um exercicio de imaginação ocio¬sa, pois estamos diante do que é. Neste mundo enlouquecido em que passamos a viver, não sabemos nem se ainda seremos ,o mesmo país da¬qui a um par de décadas ou mesmo somente alguns anos. O conceito de soberania se esfuma a cada dia, esta¬mos sujeitos a tudo, sob o reinado de Bush II e seus sátrapas, como Tony Blair. A Amazônia, fala-se muito por aí, deixará em grande parte de ser nossa. lá estaria deixando, e há quem ache que será melhor assim, pois, afinal, não soubemos nem ocupar racionalmente esse território. Contam-me que há lugares por lá on¬de os índios só falam sua língua e inglês, desconhecendo completamente o português. Dizem-me também que há outros lugares onde brasileiro não pode entrar, não sei se é verdade.

Só sei do que vejo e leio, botando fé nos autores. Sei que este território de dinossauro que a colonização por¬tuguesa e alguns eventos posteriores conseguiram prodigiosamente pre¬servar como Um só Estado, enquanto a América espanhola se esfacelou em muitos outros, talvez agora não ve¬nha mais a ser mantido. O cinismo a que aludi me chama a acreditar em qualquer coisa - acho até que estou escrevendo sobre isso (ainda não sei; às vezes, acontece, pelo menos comigo, o escritor começar um livro sem saber realmente o que está fazendo). Um Brasil do Norte e um Brasil do Sul?Por que não? A geopolítica hoje dá pulos de assustar, e não há razão para crer que o que sobreveio a outros Estados e nações não sobreve¬nha a nós. Territórios hoje reserva¬dos aos índios transformados, em nome da autodeterminação dos po¬vos e baseados em plebiscitos, em Estados independentes, sob a tutela dos donos do mundo? Também. por que não? Vários Brasis, por que não? Um do Sul, composto pelos atuais gaúchos, paranaenses e catarinenses, um do Sudeste com a adição da Bahia e assim por diante. Falo na adjção da Bahia ao Sudeste por causa das semelhanças de espírito entre baianos e cariocas e pelo que de in¬teressante se vislumbra, ao conceber a criação de um país com vocação turística e festeira, foliando alegremen¬te entre celebrações diárias, a baía¬nada e a cariocada se esbaldando e tomando uma graninha dos gringos, entre desfiles de escolas de samba e trios elétricos, farras para todos os gostos, cassinos, mulherio irretocá¬vel, um paraíso sibarita. São Paulo, embora possivelmente pudesse so¬breviver sozinho, talvez se juntasse ao Sul, como líder industrial e finan¬ceiro. É um nunca-acabar de hipóte¬ses, todas, repito, com algum grau de plausibilidade.

Sim, caros concidadãos, hoje é o Dia da Pátria. Vamos vivê-lo enquan¬to ele ainda faz algum sentido, embo¬ra pouca gente de fato comemore, talvez com razão, a julgar pela cons¬tante derrota da esperança que a mi¬séria, a corrupção, o desemprego e a injustiça vivem lhe infligindo. É, mis-turemos então a combalida esperan¬ça com uma dose realista de resigna¬ção e espírito esportivo, o que lá seja Isso. Até porque hoje, em todos os botecos "desse país", lembrar-se-á com alegria que, no ano que vem, o Sete de Setembro será feriadão.

O GLOBO, 7 DE SETEMBRO DE 2003, Rio-RJ.

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