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Amistad

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Por:   •  16/10/2014  •  Tese  •  1.862 Palavras (8 Páginas)  •  162 Visualizações

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“Amistad” relata a luta de africanos pela liberdade. Aprisionados em Serra Leoa, sede de organizado esquema de tráfico de escravos, um grupo de negros se desvencilha das correntes e, em alto mar, assume o controle da escuna “La Amistad”. Dois espanhóis, poupados para dirigir a embarcação, desviam-na da rota africana em direção ao território norte-americano. A escuna é interceptada pela marinha americana.

No tribunal, os africanos são acusados de pirataria e assassinato.

A rainha da Espanha postula a propriedade da tripulação negra. Os oficiais da marinha americana pedem, como compensação pelos seus feitos, a escuna “La Amistad” e sua carga (ouro, seda e escravos). Os espanhóis sobreviventes, de seu lado, alegam a compra de escravos em Havana. A carga lhes pertenceria por aquisição.

Um advogado, Roger Baldwin, especializado em direitos patrimoniais, surge oferecendo seus serviços a abolicionistas. Estes, indagam-lhe, atônitos: “-Advogado imobiliário?” Ao que o advogado responde: “- Eu lido com propriedades. Posso tirá-las e devolvê-las”. Incrédulos, os abolicionistas respondem: “-Precisamos de um criminalista. Advogado de tribunal!”.

O diálogo não termina aí. Mais adiante, o mesmo advogado, agora procurado pelos abolicionistas, esclarece: “ – O caso é mais simples do que se pensa. É como qualquer coisa: terra, gado, heranças…”. “-Gado?” “- Sim. É preciso considerar que a única maneira de vender ou comprar escravos é quando eles já nasceram escravos, como…em uma fazenda… Nasceram?… Digamos que nasceram. Então, são bens. Não merecem um julgamento criminal…Mas, se não forem escravos, então foram comprados ilegalmente. Esqueçam motim, pirataria, mortos. São ocorrências irrelevantes. Ignorem tudo, menos a coisa mais importante…a aquisição de bens roubados. De qualquer forma venceremos”. Ao esclarecimento, objetaram os abolicionistas: “-Esta guerra tem que ser travada no campo da integridade”. “-Do quê?”, interrompe o advogado.

O advogado acertou em cheio. Escolheu como ponto de partida para o combate o direito das coisas. A causa seria ganha pela técnica, não pela emoção. Considerados como coisas, os escravos escapam do julgamento criminal e adquirem valor jurídico, transformando-se no próprio objeto de proteção do direito, do direito penal inclusive: a presunção de propriedade pela posse, amparada pelo direito civil, cede, no âmbito criminal, quando provada a obtenção ilegal do bem. Criminoso seria, sim, quem detivesse a posse de coisa ilegalmente obtida (escravos).

Esse mesmo raciocínio foi utilizado no Brasil, a partir da Lei do Ventre Livre, de 1871, para garantir a liberdade de escravos libertos ou de descendentes de escravos nascidos livres. Presumia-se livre aquele encontrado no gozo da posse pacífica de sua liberdade. Ou a posse da liberdade era concedida, ou adquirida desde o nascimento como direito natural. O liberto tinha em seu favor a presunção de liberdade. Presunção esta, só derrubada por sentença, mediante comprovação, pelo ex-senhor, de título válido e legal. Antes, a presunção de fuga protegia, ao contrário, pela mesma técnica, a propriedade do senhor. Escravos encontrados livres fora do distrito em que domiciliado seu senhor, por força da presunção de fuga, eram aprisionados (v. Andrei Koerner, Habeas-corpus, prática judicial e controle social no Brasil (1841-1920), São Paulo: IBCCRIM, 1999). Concediam-se, assim, habeas corpus quando houvesse ameaça de escravidão ou reescravização, para manutenção ou reintegração na posse da liberdade, aplicando-se a técnica possessória aos direitos pessoais, tal como posteriormente defendido por Rui Barbosa.

Também foi nesses termos que se resolveram incidentes internacionais no caso “Amistad”. Em 1839, a Espanha, ainda escravocrata, invocou o tratado de 1795, pelo qual navio e mercadoria encontrados nas mãos de piratas ou ladrões, em alto mar, deveriam ser levados a qualquer porto, mantidos sob custódia e entregues ao verdadeiro proprietário, assim que apresentado justo título de propriedade.

O artigo do tratado invocado pela rainha da Espanha era cópia de outro artigo posto em tratado celebrado com a França, em 1778. Neste último tratado, repetiam-se os princípios de liberdade proclamados por ocasião da declaração de independência americana. Considerando-se que, pelas leis francesas, eram livres os escravos provenientes de colônias francesas, assim que pisassem o território francês, a interpretação do mesmo artigo, transportado para o tratado entre Estados Unidos e Espanha, não poderia ser diversa.

Argumentou-se, também, que pelas leis do Estado de New York, onde o navio espanhol aportou, qualquer pessoa, exceto fugitivos de nações irmãs, era considerada livre e digna de proteção da lei territorial. Essa regra, apesar de não acolhida pelos Estados sulistas, ainda escravocratas, não conflitava com a Constituição dos Estados Unidos.

Mas a questão não era tão simples assim quando analisada pela Suprema Corte. A aplicação da 5ª emenda constitucional, segundo a qual nenhuma pessoa será privada de sua vida, liberdade, ou propriedade sem o devido processo legal, nos diversos Estados, era cheia de paradoxos. Proprietários de escravos eram protegidos contra qualquer violação do direito de propriedade pela 5ª emenda. Ao mesmo tempo, considerava-se verdadeira heresia o uso da palavra liberdade para dar existência legal à escravidão.

Em primeira instância, provou-se que a tripulação negra era composta por indivíduos livres, seqüestrados e transportados da África à Cuba, em navio português (Tecora). Como forma de burlar o tratado de 1817, entre Portugal e Inglaterra, em que se proibiu o tráfico de escravos para colônias espanholas, foram utilizados documentos falsos que certificavam a proveniência dos escravos de fazendas cubanas. Determinou-se que a tripulação do Amistad retornasse para a África. Todos haviam nascido livres.

O governo apelou para a Suprema Corte,

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