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Brasil: do estatuto de Aphin ao Murosa

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Por:   •  28/1/2015  •  Relatório de pesquisa  •  1.135 Palavras (5 Páginas)  •  290 Visualizações

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Brasília: da Carta de Atenas à Cidade de Muros

Frederico Rosa Borges de Holanda (fredhol@unb.br)

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UnB

Resumo

Descrição interpretativa do processo de ocupação territorial do Distrito Federal, Brasil, com ênfase nos tipos

configuracionais urbanos, desde a inauguração da capital brasileira: 1) assentamentos vernaculares: preexistentes

à construção da Capital, como os núcleos urbanos de Planaltina (sec. XIX) e Brazlândia (anos

1930); 2) modernismo clássico: o Plano Piloto; 3) modernismo periférico: cidades satélites, surgidas antes

mesmo da inauguração da Capital; reproduzem traços problemáticos do modernismo clássico, sem suas

qualidades expressivas; 4) assentamentos de empreiteiras: implementados pelas empresas de construção

civil, abrigavam técnicos e operários; 5) assentamentos populares: principalmente favelas, edificadas por

migrantes sem outra opção; 6) pós-modernismo: setores urbanos centrais e na orla do Lago Paranoá; novos

bairrros; 7) cidade de muros: condomínios fechados periféricos em grande parte da superfície do Distrito

Federal.

Os tipos configuracionais nem sempre apresentam-se territorialmente destacados – e.g., há cunhas vernaculares

no Plano Piloto, como na Via W-3 e nos comércios locais. Muitos tipos se transformaram no tempo:

setores recentes dentro do Plano Piloto distinguem-se de setores mais antigos; assentamentos populares

parecem hoje mais “vernaculares”; assentamentos de empreiteiras descaracterizaram-se. Novos bairros

resgatam em parte o modernismo clássico e incorporam novos atributos.

Palavras-chave: Brasília, planejamento urbano, desenho urbano, mosaico morfológico.Abstract

Interpretative description of the process of territorial occupation of the Federal District, Brazil, with emphasis

on urban configurational types, since the dedication of the Brazilian Capital: 1) vernacular settlements: preexisted

the Capital, as the towns of Planaltina (19th Century) and Brazlândia (years 1930); 2) classical modernism:

the Pilot Plan; 3) peripheral modernism: satellite cities, which appeared even before the dedication

of the Capital; they reproduce problematic attributes of classical modernism, without its expressive qualities;

4) corporate settlements: implemented by the building industry for technicians and workers; 5) popular settlements:

mainly squatters, built by migrants without other options; 6) post-modernism: central urban sectors

and by the lake shore; they maximise the bad quality of open spaces and present eclectic attributes; 7)

gated communities: peripheral closed condominiums occupying a large part of the Federal District territory,

whereto middle and lowers classes have gone, pushed by high prices of central metropolis.

Configurational types are not always physically detached among themselves – e.g., there are vernacular bits

in the interstices of the Pilot Plan (W-3 avenue and local shopping). Many types have transformed along

time: popular settlements now look “vernacular”; corporate settlements have lost its main characteristics;

new neighbourhoods present part of classical modernism attributes and introduce new characteristics.

Keywords: Brasilia, urban planning, urban design, morphological mosaic.

Introdução

O território do Distrito Federal, Brasil, é um mosaico morfológico. Brasília não foi construída em território

virgem: os núcleos urbanos de Planaltina (século XIX) e de Brazlândia (anos 1930) e sedes isoladas de

fazendas preexistiram a edificação da nova capital. O modernismo clássico de Brasília contrastou, de início,

com o vernáculo de construções seculares.

Logo após o concurso nacional para o Plano Piloto de Brasília ocorreram transformações consideráveis no

projeto de Costa. Antes mesmo da inauguração surgiram as cidades satélites – o modernismo periférico,

que reproduz traços do Plano Piloto sem suas qualidades expressivas. Os assentamentos das empreiteiras

foram construídos pelas empresas da construção civil para abrigar técnicos e operários – claramente diferençados

no espaço, ao contrário do que reza o mito. Mas nem todos tinham acesso a essa solução: os

assentamentos populares – assemelhados às tradicionais favelas brasileiras – foram a solução alternativa

para vastos contingentes migratórios.

Metamorfoses dentro e fora do Plano Piloto constituem a vertente pós-moderna. O rótulo engloba variada

coleção de tipos mórficos, em setores centrais recentemente ocupados, em novos bairros para atender

primordialmente a demanda de setores médios, em ocupações ecléticas na orla do Lago Paranoá. Distinguem-

se do modernismo clássico por configuração do espaço público, estrutura do uso do solo, sistema de

transporte de massa, tipologia edilícia.

Perversa combinação de retenção de terras para especulação e exorbitantes preços de imóveis empurraram

contingentes de médio e baixo poder aquisitivo para longe do centro urbano. Condomínios fechados

foram quase sempre a solução para a moradia: a versão brasiliense da cidade de muros. Os parcelamentos

agravaram o esgarçamento territorial da metrópole, praticamente inviabilizando solução de transporte público

minimamente eficiente. Constituem problema fundiário a ocupar diuturnamente as manchetes dos jornais.

A capital é hoje uma metrópole polinucleada (PAVIANI, 1985) e se derrama para além das fronteiras do

Distrito Federal. O modernismo clássico restringe-se à parte “nobre” da “Brasília real” conhecida como Plano

Piloto, com menos de 10% dos mais de dois milhões de habitantes do Distrito Federal (KOHLSDORF,

1997, IBGE, 2000). Esta é a Brasília que integra a lista de Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO;

concentra a grande maioria dos empregos do DF1, a maior renda e os maiores benefícios de urbanização.

FIGURA 1. Brasília – a metrópole polinucleada. Áreas urbanas em 2000.

Toda taxonomia envolve simplificações. Há variantes nos tipos mórficos e metamorfoses no tempo. Uns e

outros serão comentados. A análise centra-se no espaço da cidade quanto aos aspectos:

1) funcionais: tipo, quantidade e localização relativa dos usos do solo;

2) interativos: apropriação dos espaços da cidade por parte das várias faixas sociais;

3) informativos: orientabilidade e identidade dos lugares como função dos atributos espaciais captáveis

pelo sentido da visão.

Os tipos espaciais do primeiro período (o “marco zero” de Brasília) encontram-se relativamente estudados

(KOHLSDORF, 1985 e 1996; HOLANDA, 2000, 2001, 2002). Organizações espaciais mais recentes e em

formação carecem de abordagem sistematizada. A apreciação desses tipos faculta acompanhar o processo

de ocupação territorial do Distrito Federal e inferir a lógica de sua estruturação baseada em excentricidade,

dispersão e segregação socioespacial (HOLANDA, 2001). Os tipos serão discutidos aproximadamente na

seqüência cronológica de sua implantação.

1. O vernáculo

Planaltina e Brazlândia foram, até 1960, pequenas cidades de apoio ao meio rural goiano, configuradas

como o espaço brasileiro tradicional. A construção de Brasília transformou-as em cidades-satélites, a elas

anexando grandes áreas para moradia de egressos de favelas e transformando-as em dormitórios. Nelas

passaram a conviver dois tipos de habitantes e de organização morfológica, implicando diferentes possibilidades

funcionais, interativas e informativas. Nos setores preexistentes e organizados à maneira vernácula,

encontramos a população goiana; nos novos bairros de tipologia análoga aos assentamentos periféricos

oficiais, reside a população incorporada, geralmente nordestina.

O tipo mórfico vernáculo permanece ainda em traços dos Setores Tradicionais dessas cidades, como na

malha flexível, levemente irregular e com numerosos cruzamentos, com mistura de usos, boa integração

interpartes e fácil leitura. Macro e microparcelamento compõem-se de quarteirões com cerca de 100 x

100m e lotes profundos de várias formas e tamanhos. Os lotes são ocupados quase sempre nas testadas,

com estreitos afastamentos laterais e grandes quintais nos fundos, delimitando claramente as paredes dos

percursos. Edificações vernáculas remanescentes abrem suas portas diretamente para o espaço público,

favorecendo encontros coletivos cotidianos nas ruas.

A identidade morfológica da cidade brasileira anterior a Brasília completava-se, no tipo vernáculo desse

mosaico, por incidência de vegetação robusta e articulação harmônica do tecido urbanizado com o relevo e

os córregos. Com as expansões pós-Brasília, os tipos edilícios de Planaltina e Brazlândia migraram para o

modelo das cidades satélites, com zoneamento de usos especializado, grandes espaços abertos pouco

utilizados, maior isolamento entre interior dos edifícios e espaço público por causa de longas empenas cegas,

paisagem urbana visualmente redundante. As fazendas preexistentes a Brasília mantiveram edificações

relativamente preservadas, apesar da perda de significativas extensões territoriais.

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