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A Exclusão No Quiasma Entre A Obra Literária E A Psicanálise

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Por:   •  16/5/2014  •  2.012 Palavras (9 Páginas)  •  470 Visualizações

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A exclusão no quiasma entre a obra literária e a psicanálise

Resenha de Mario Eduardo Costa Pereira (org.), Leituras da Psicanálise- estéticas da exclusão, São Paulo, ALB e Xenon Ed., 1998, 168 p.

Apresentar o livro Leituras da Psicanálise - estéticas da exclusão é falar de um percurso pessoal, sedimento de sentido que a leitura proporcionou. Quase uma descrição espacial, é o que eu gostaria de poder fazer, à moda dos mapas antigos, memorandos prescritivos de ações de um percurso a fazer, de que fala Michel de Certeau (p.107-108), no artigo de Miriam Chnaiderman, "Escrituras Urbanas". O mapa foi aos poucos se separando do itinerário, narrativa de uma série discursiva de operações, sua condição de possibilidade. Ele se tornou uma descrição redutora, totalizante das observações. É esta abstração que eu gostaria de evitar, porisso vou apontar marcos, que formaram, após a leitura, aglutinações de sentido. O livro é composto pelas intervenções dos autores no II Simpósio de Leitura e Psicanálise que ocorreu no XI Congresso de Leitura do Brasil, em Campinas, em junho de 1997.

Quem são os excluídos a que o livro se refere? Personagens construídos em obras literárias: Macabéa, a nordestina , cujo mistério é não se conhecer a não ser "através de ir vivendo à toa" (p. 17), em A hora da estrela, de Clarice Lispector. Ana, a filha de criação, que não é empregada, porisso não tem salário, e como não é filha, o trabalho é sem trégua, além de, como um negro de ganho, trabalhar fora e entregar o lucro à mãe de criação, em Resumo de Ana de Modesto Carone. Otacília, Drizilda, Maria Exita, antigas e belas, "imagens sutis de uma espécie de desejo ‘em suspenso’ das personagens femininas, à espera do príncipe e senhor" (p. 151), na obra de Guimarães Rosa. Há também os loucos de rua, do filme Dizem que sou louco de Miriam Chnaiderman, personagens documentais, "memória viva, embora residual de uma época em que a loucura tinha direito de cidade e em que a partir de sua estranheza, mantinha um comércio simbólico rico com a cultura vigente" (p. 100). Agora, " encarna tudo aquilo com que a sociedade não quis conviver de perto e que ela excluiu de vez; uma outra lógica, um outro desejo, uma outra palavra, um outro olhar" (p. 100).

O organizador do livro, Mario Eduardo Costa Pereira, nos esclarece na apresentação que a idéia de exclusão remete ao problema topológico do que é o dentro e do que é o fora que, em psicanálise, já aparece ligado ao sintoma, este inquietante corpo estranho que é ao mesmo tempo reconhecido como parte e como estrangeiro ao eu. A inquietante estranheza está presente também no artigo de mesmo nome de Freud , onde psicanálise e estética, psicanálise e análise literária desfrutam de um enriquecimento mútuo que "permite uma elucidação e um aprofundamento conjunto de problemas específicos a cada uma delas" (p. 8). Em "A voz e a letra dos excluídos: notas sobre o feminino em Guimarães Rosa: exclusão e resistência.", Cleusa Rios P. Passos aproxima psicanálise e crítica literária, dizendo que "entre múltiplos caminhos e ignorando a regularidade do tempo cronológico, a psicanálise trilha - por meio do silêncio e da pontuação - o da escuta e o da expectativa de elaboração de palavras e de imagens, visando ao desejo, à verdade singular e a um "sentido imaginário" para a própria vida . Integrando tradição e história, a crítica literária apresenta traços semelhantes, ao sublinhar, nas articulações verbais que contêm produções imaginárias, a singularidade do texto, perscrutando um conjunto particular de sentidos sem o cristalizar. Mas é no artigo de Mário, "Solidão e Alteridade em a Hora da Estrela", de Clarice Lispector, que encontramos a expressão da problemática da exclusão ali onde ela habita mesmo o cerne da linguagem, no quiasma entre a obra literária e a psicanálise, no "papel decisivo da alteridade na busca de uma verdade inesgotável pela linguagem" (p. 13). Diz o autor que o resultado que o psicanalista chega na leitura do livro de Clarice, "revela uma surpreendente condição de exclusão, não apenas social ou psicológica , mas especificamente intra-subjetiva: incapacitado de ter acesso pela linguagem ao ponto de origem de suas próprias paixões, o sujeito encontra-se numa condição de exclusão interna, afastado de si mesmo, padecendo dos efeitos daquilo que possui de mais essencial. Essa incomunicabilidade fundamental, essa impossibilidade de nos traduzirmos inteiramente em face do outro, coloca a cada um de nós numa posição de absoluta solidão, que corresponde à singularidade de nosso desejo" (p. 14).

Mas a idéia de estética da exclusão é inseparável das idéias de poética e ética da exclusão. Esses dois eixos centrais aparecem em dois artigos. O primeiro deles, nas reflexões sobre o ato criador e o trabalho de criação em "A construção de um herói obscuro", de Sonia Novaes de Resende. Se os personagens literários e os loucos são matéria de uma estética da exclusão já que (segundo Passeron, em nota do artigo de Nelson, no próprio livro) o que interessa é a sua recepção enquanto obra de arte, o trabalho artístico de Joseph-Ferdinand Cheval, apresentado no texto de Sonia, é matéria para uma poética da exclusão enquanto a autora se preocupa com a gênese da obra de arte. Aliás, ela vê no trabalho deste artista a inseparabilidade do lugar "ex-cêntrico" que ocupa o ato criador em relação a uma determinada cultura, o problema paradoxal de uma aparente subjetividade sem sujeito. Sonia faz, no seu artigo, uma preciosa leitura tanto da obra escultural e arquitetônica ( mostrada em fotos no livro) como dos cinco diários de Cheval. A autora evita cuidadosamente uma leitura sintomática da obra. Como diz Cleusa Passos em seu artigo, a literatura não constitui um caso exemplar da psicanálise e eu acrescentaria que isto vale a todas as formas de expressão artística. A psicanálise só pode compor com outras áreas do conhecimento o trabalho crítico, realçando elementos, em geral, pouco observados.

Sonia tenta pensar a criação à luz da psicanálise, mais precisamente à luz do modelo do sonho e dos destinos da pulsão, este conceito eminentemente psicanalítico. A autora ressalta que se o sonho é ele mesmo uma criação, o processo onírico dá ao sujeito criador a possibilidade de desdobrar-se, fazendo nascer fora dele, na obra de arte, uma realidade que é ele. Se o efeito estético que produz é o de uma marginalidade é porque rompe com o presente, irrompe pelo fracasso do recalque cultural se situando numa fronteira lábil e móvel, que atravessa o

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