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A Humanização Do Divino Em O Evangelho Segundo Jesus Cristo

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Por:   •  24/10/2014  •  7.575 Palavras (31 Páginas)  •  568 Visualizações

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Há, em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, do escritor português José Saramago, uma fonte vasta de inquietantes questões e este trabalho destina-se à problematização de algumas delas, como: A literatura humaniza o Divino ou diviniza o homem? Os textos bíblicos são ditames santos ou literatura santificada? Seria a palavra responsável por tudo o que é tido como real/certo, ficcional/incerto? Esta obra saramaguiana nos faz pensar na veracidade do que lemos, muitos escritos proclamados como verdades absolutas, na aceitação de atitudes ou na falta delas e em nós como um todo com quantidade expressiva de uma fé que nem questionamos como ou por quê.

Baseando-se no romance de José Saramago, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, e na teoria filosófica de Friedrich Wilhelm Nietzsche, este artigo tenciona evidenciar o Divino humanizado de Saramago e fazer notar a delícia – com perdão da expressão – que são as idéias desses dois pensadores, como se interagem – mesmo não sendo contemporâneos – e como ocasionam questionamentos a quem se predispõe a lê-los sem o pré-conceito medievo que ainda habita em nós. Para tanto, dividimos em duas partes o estudo sugerido: na primeira parte, O homem em Deus, tratamos da humanização do Divino em José Saramago e nos apoiamos nos pensamentos do filósofo alemão Nietzsche. Em E se fez palavra, e a Palavra o todo faz, segunda parte deste trabalho de pesquisa, explicitamos o poder proveniente do discurso persuasivo, da Palavra e da possível criação de Deus pelo homem por meio desse poder.

Para estudiosos e apaixonados em literatura, essa proposta parece ser atraente. Então, não busca, esse trabalho, respostas absolutas e nem resposta alguma, pretende, isso sim, levantar questões que acareiem o que é crença absoluta com o que poderia ser, ou seja: tratamento literário dispensado a tais verdades; conjeturar sobre crenças que podem parecer (ser) crendices e/ou vice-versa. Ao realizarmos essa pesquisa estaremos estudando a desconstrução da perfeição Divina na literatura, especificamente em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago e evidenciando a importância primordial da Palavra.

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago1 – O Homem em Deus

O primeiro capítulo do livro de José Saramago, O evangelho segundo Jesus Cristo, trata da descrição interpretativa de uma gravura da série “A Grande Paixão”, de Albrecht Dürer (1471-1528), considerado o grande artista do renascimento alemão. A crucificação é mostrada por meio da gravura, não apenas por descrição, mas também como uma interpretação da imagem pintada pelo artista. Mesmo que não conheçamos a obra de Dürer, é possível concluir que estamos diante de uma imagem construída por palavras, que se refere à outra, uma vez que o narrador nos mostra esse fato ao usar expressões como: o que temos diante de nós é papel e tinta, mais nada – podendo ser uma referência tanto à gravura quanto ao próprio livro. Assim, percebemos que o romance começa com a crucificação de Cristo, o que nos leva a pensar na inversão em relação ao texto bíblico, que segue uma certa ordem cronológica dos acontecimentos: nascimento, ministério, paixão e morte de Jesus. O evangelho segundo Jesus Cristo modifica essa ordem, sendo um claro indicativo para o leitor do teor subversivo que contém. A visão impar de José Saramago, sobre uma já tão conhecida história, não agride o ponto central das crenças, a santidade de Jesus, mas dá sentimentos humanos normais a Ele, a Deus, ao Demônio e a todas as outras personagens. Em um texto que sempre nos soa como temperado com boa pitada de ironia, por vezes até engraçado e sempre muito reflexivo, Saramago carrega essas personagens com grande peso de suas impressões pessoais do homem, da igreja e da sociedade.

Os Seres Divinos, em O evangelho segundo Jesus Cristo, são todos eles repletos de humanidade e o autor, com o uso da paródia: “[...] Deus, nas empíricas alturas, respira, comprazido, os odores da carnagem” (SARAMAGO, 2003, p. 249) e da carnavalização: “Se por um atraso nas comunicações ou enguiço da tradução simultânea, ainda não chegou ao céu notícia de tais ordens, muito admirado deverá estar o Senhor Deus [...]” (SARAMAGO, 2003, p. 249 e 53), que permitem recriações livres e críticas, contraria fatos consumados da História Sagrada, como o dogma da virgindade de Maria; Saramago descreve o ato sexual ocorrido entre José e Maria, que deu origem a Jesus, com – se nos permite o paradoxo – divinal humanidade:

A manhã subia, expandia-se, e em verdade era uma visão de beleza quase insuportável [...] Um sopro de vento ali mesmo nascido bateu na cara de José [...] não era mais do que o aturdimento causado por uma súbita turbulência do sangue, o arrepio sinuoso que lhe estava percorrendo o dorso como um dedo de fogo, sinal de uma outra e mais insistente urgência.

Maria, deitada de costas, estava acordada e atenta [...] José aproximou-se e afastou devagar o lençol que a cobria [...] e Maria, entretanto, abrira as pernas, ou as tinha aberto durante o sonho [...] Deus, que está em toda a parte, estava ali, mas, sendo aquilo que é, um puro espírito, não podia ver como a pele de um tocava a do outro, como a carne dele penetrou a carne dela (SARAMAGO, 2003, p. 26-7)

Com a quebra da virgindade de Maria, Saramago prepara outra mudança em outro fato; Jesus é o primogênito de nove filhos tidos pelo casal, sendo eles: Jesus, Tiago, Lísia, José, Judas, Simão, Lídia, Justo e Samuel.

Moema de Castro e Silva Olival, além do ponto acima tratado, ainda cita outras releituras do texto bíblico em O evangelho segundo Jesus Cristo, como:

[...] a visita dos três reis magos, aqui transformados em três pastores [...] só que um deles, o que simula, na capa de pastor, o Pastor-Demônio, incumbido por Deus de ‘abrir os olhos de Jesus’ [...] essa personagem, variação parodística da tentação de Jesus no deserto, terá significativa presença na formação de Jesus.

[...] a morte de José, por crucificação, aos 33 anos, dados da morte de Jesus, segundo a história sagrada, é uma antecipação sugestiva, simbólica, na pessoa do pai (ser humano), do destino do filho (também ser humano) [...] O sonho que, em vida, atormentou José, após sua morte, atormentará seu filho. (OLIVAL p. 89 – 90).

Estas e outras citações de Olival podem ser vistas como ratificações da idéia sobre a humanização do Divino em José Saramago. Essa visão humana dos Seres Celestiais é, até mesmo, óbvia na obra aqui estudada, mas, a poeticidade com que o autor constrói

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