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A LAVOURA ARCAICA, DE RADUAN NASSAR

Por:   •  31/7/2021  •  Trabalho acadêmico  •  4.412 Palavras (18 Páginas)  •  93 Visualizações

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LAVOURA ARCAICA, DE RADUAN NASSAR

Lavoura Arcaica, obra de Raduan Nassar, traz uma narrativa pesada, cheia de confusões; protestos; abstenções; amor de irmão com irmã deixando a narrativa ostensiva e cansativa. André se vê diferente de todos que cheio de pressões resolve fugir de casa, fato que remonta bem à narrativa bíblica do filho pródigo.

É um texto onde se entrelaçam o novelesco e o lírico, através de um narrador em primeira pessoa. André, o filho encarregado de revelar o avesso de sua própria imagem e, consequentemente, o avesso da imagem da família. Lavoura Arcaica é, sobretudo uma aventura com a linguagem.

ARGUMENTO

Desde os anos 1980, quando Raduan anunciou ter abandonado a literatura para dedicar-se à agricultura, suas declarações parecem revestir a figura do autor com os predicados que Sedlmayer atribui à obra. Se nos últimos anos Nassar veio a público para manifestar-se politicamente em defesa do ex-presidente Lula e da ex-presidenta Dilma Rousseff, proferindo discursos enérgicos e até mesmo publicando textos, às perguntas sobre literatura, responde sempre com obstinado silêncio ou com implacável ironia. A impressão que se tem é a de que ao deixar para trás o trabalho de escritor, autor e homem foram separados, não mais podendo este responder pelo trabalho daquele. Impressão, aliás, que parece ser cuidadosamente forjada pelo (ex-)escritor. Para agravar este quadro impressionista de isolamento e errância, em Lavoura arcaica – obra a que nos dedicaremos aqui – todas as coordenadas espaço-temporais parecem ter sido elididas e dissimuladas, fazendo com que sua trama flutue numa atmosfera de aparente indeterminação histórica. Como se antes mesmo de Raduan declarar que abandonara a criação literária, sua escrita já tivesse abandonado o mundo,  fechando-se num universo poderoso que nos dá a impressão de estar mais próximo ao mito do que à História. Como se ao isolamento do homem e à singularidade da obra correspondesse uma prosa livre das amarras do tempo do mundo e da matéria impura do cotidiano.

André, o protagonista, é um jovem do meio rural arcaico que resolve abandonar sua numerosa família do interior para ir morar em uma pequena cidade (ainda no interior), fugindo, em parte, daquele mundo asfixiante da lavoura, onde o passar do tempo parecia consumir as gerações, onde a rigidez moral mantinha as estruturas sociais análogas às da Idade Média, um mundo em que a loucura das paixões primitivas consumia sua alma, como, por exemplo, o relacionamento amoroso e incestuoso (fantasioso ou carnal) com sua irmã Ana.

Com sua fuga, André põe a perder o precário equilíbrio da família – baseada em uma estrutura patriarcal clássica e impregnada por um forte caráter religioso e bíblico. O pai, então, determina que o filho mais velho, Pedro, vá à busca do filho pródigo na cidade. Pedro encontra o irmão em um quarto de pensão marcado pela sordidez e, após inúmeros apelos, consegue convencê-lo a retornar ao lar. Este retorno explicitará ainda mais os aspectos doentios e perturbadores do relacionamento entre os membros da família, com destaque para outros dois personagens: a caçula, Lula, que também pretende, a exemplo de André, abandonar a fazenda em busca de um mundo que promete possibilidades infinitas (o drama do êxodo rural), e a figura cigana, sensual e mediterrânea da irmã Ana, personagem que posteriormente será o pivô da ruína final do clã.

A volta de André ao lar traz uma aparente (porém precária) paz ao ambiente já inviabilizado. A palavra do pai, oriunda da tradição dos Dez Mandamentos, das parábolas bíblicas, dos profetas e dos grandes pregadores cristãos, torna-se ineficaz, configurando a simbólica “lavoura arcaica”, e o resultado não poderia ser outro senão a tragédia: o pai mata a filha Ana, ao perceber que ela ama André, e depois, de modo não explícito no livro, também acaba por perder a vida.

O núcleo familiar em que se desencadeia a trama de Lavoura Arcaica é de imigrantes árabes do Líbano para o Brasil. O livro é dividido em duas partes: a primeira “A partida”; e a segunda “O retorno”. Esta divisão corresponde à temática e inversão que Nassar faz da história bíblica do filho que deixa a casa e retorna a parábola do filho pródigo.

Como se verá mais adiante, Raduan Nassar utiliza-se fartamente dos recursos poéticos para compor a fala do personagem narrador, André. Contudo, a bela expressão lírica que André faz da sua inconformidade não muda o desenlace de suas ações. ‘Lavoura’ mostra a incongruência entre a beleza das palavras se o desastre das ações humanas levadas ao individualismo extremo.

A sua revolta nasce perante uma condição que ele considera absurda, em que a igualdade aparente de todos os membros da família oculta as grandes desigualdades entre eles e a opressão do discurso da tradição (encarnado pelas palavras do pai, Iohána). André nega o homem, a moral e Deus, não exatamente a existência deste último, mas sim o seu poder de transcendência, em nome do instinto sexual, no qual o impulso decreta a posse integral dos seres a troco da sua destruição.

Este conflito entre indivíduo, leis e sociedade compõe os conflitos do próprio personagem narrador. ‘Lavoura’ fala do problema da integração entre o indivíduo e a sociedade, em que a particularidade das vontades e das dores de André não consegue coexistir com o mundo em que ele vive.

O personagem busca a integração, o seu lugar na mesa da família, justamente por meio do que a destruiria, o amor incestuoso entre ele e Ana, sua irmã.

Às ambiguidades das palavras de André confrontadas com suas atitudes somam-se às ambiguidades do tempo construídas na narrativa. Neste confronto pode-se explorar no texto o trabalho que Raduan Nassar realiza entre o que se pode chamar de aventura romântica e destino trágico no ‘Lavoura’. A aventura romântica é o conflito apresentado pelas palavras entre a busca pela experiência e a vivência do acaso, o ímpeto de sair a campo e transformar sua história e seu entendimento do mundo. O destino trágico é a vivência de uma história prefigurada, escrita antes mesmo de a personagem tomar ciência dela, em que o destino impera sobre a vontade. Assim, na aventura romântica, o tempo é o tempo que se abre aos acasos e ações humanas. E no destino trágico, o tempo trava seus ponteiros, deixando de existir, acontecendo à parte da história; ou confunde-se com o tempo mítico (da tradição milenar da costa pobre do Mediterrâneo), que é aquele em que o destino retorna, num tempo cíclico.

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