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Gabriela Crevo E Canela

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Por:   •  13/5/2014  •  3.079 Palavras (13 Páginas)  •  388 Visualizações

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Gabriela cravo e canela

O projeto de “contar a vida do povo” que emerge das narrativas de Jorge Amado tem como pontos de partida a desigualdade socioeconômica e a diferença cultural. Paralelo a isso, os romances amadianos buscam representar e humanizar os seres ditos subalternizados, como por exemplo, a figura da mulher que será objeto do nosso estudo na obra Gabriela, cravo e canela.

Gabriela, cravo e canela, escrito no ano de 1958, é o décimo primeiro romance de Jorge Amado. É considerado pela crítica como o “divisor de águas”. Ainda impregnado da temática político-coronelista traz uma escrita mais independente, voltada à valorização da cultura popular e à liberdade individual. “Gabriela” é a representação do povo em seu desejo ardente de liberdade e de vida. O autor baiano já canonizado pelo público e ao mesmo tempo excluído das altas rodas literárias, recebe o merecido reconhecimento e chega a Academia Brasileira de Letras, em 1961, “pelas mãos” de uma senhora chamada “Dona Gabriela”, conforme coloca o poeta Manuel Bandeira em ocasião da posse para a academia.

Gabriela, cravo e canela, inaugura a série de perfis femininos, uma das fortes vertentes da ficção amadiana, que admite várias linhas de abordagem, dentre elas a comportamentalista, sociológica, psicanalítica. As figuras femininas, nessa obra, são construídas em detrimento dos valores e aspectos culturais, a partir das relações que se estabelecem entre essas personagens e o sistema patriarcal, o qual elas iam de encontro, conscientes ou inconscientes em busca de sua construção identitária. Conforme colocou Fernando Cristóvão sobre a temática feminina na obra amadiana: “desde Gabriela, a mulher sobe ao primeiro plano e aí se mantém, em vários romances” (apud PATRÍCIO, 1999, p.11).

Segundo os estudos de Maria de Lourdes Netto Simões (1999), as mulheres do romance Gabriela, cravo e canela podem ser analisadas em cinco categorias: “as mulheres de família” – esposas e filhas dos coronéis; “as solteironas” – religiosas fervorosas, já passadas da idade de contrair matrimônio; “as empregadas domésticas” – em geral feias, que servem aos patrões de diversas maneiras; “as prostitutas” – comandadas por uma cafetina, são de domínio público e, finalmente, “as raparigas” – moças pobres e bonitas, que recebem casa montada e mordomias de homens casados e endinheirados.

A figura de esposa é legitimada no modelo atribuído conforme as convenções patriarcais da época - é a mulher em situação subalterna, confinada aos encargos domésticos, à educação dos filhos e à prática religiosa. Gerar filhos era considerado outro “privilégio” da mulher “de família”. Essa prática aparece marcada nas palavras do Coronel Ramiro Bastos: “Mulher é para viver dentro de casa, cuidando dos filhos e do lar”. (AMADO, 2000, p.66). Mais adiante, essa ideia é reforçada pelo Coronel Altino Brandão, em diálogo com Mundinho Falcão: “Mulher tem muita serventia, o senhor nem imagina. Ajuda na política. Dá filho pra gente, impõe respeito. Pro resto tem as raparigas...” (AMADO, 2000, p. 173).

Essas mulheres, “exemplares” de esposa, mães de família expostas em uma vitrine manipulada pelas convenções sociais da época; viviam uma vida em “preto e branco”, ou seja, sem as alegrias da liberdade em seu legítimo significado. Ilana Strozembergue (1983, p.74) aponta que “só há dois modos possíveis de fugir ao destino imposto às mulheres de família: o primeiro, que não rompe a ordem social, consiste na recusa do casamento. O segundo consta-se de rebelar-se contra os preceitos sociais através do adultério”.

No íntimo dessa confusão ideológica e sentimental, temos D. Sinhazinha Guedes Mendonça, esposa do Coronel Jesuíno Mendonça, exemplo de “mulher transgressora”, que não satisfeita em simplesmente cumprir o seu papel de “boa esposa”, sentia a necessidade de sentir-se amada, e ultrapassa os limites da moral, encontrando o amor nos braços do Dr. Osmundo Pimentel”. Ocorre com D. Sinhazinha uma conflagração interior, em que a sua posição de mulher casada não consegue fazer frente aos preceitos dominantes, pois, é vencida pelo instinto, o desejo e o amor, pondo em risco sua reputação diante do povo e, assim sentenciando a sua própria morte.

Na sociedade ilheense, à mulher adúltera cabia a pena da “lei cruel”, a morte pelas mãos do marido. Segundo Ilana Strozembergue, “o adultério masculino, inversamente, é não só aceito, mas representa uma verdadeira norma social” (1983, p.74).

[...] Como poderia ele achar que mulher moça e bonita pudesse merecer a morte por ter enganado homem velho e bruto, incapaz certamente de um carinho, de uma palavra terna? Essa terra de Ilhéus, sua terra, estava longe de ser realmente civilizada (AMADO, 2000, p.115).

Ainda na classe das “mulheres de família” encontram-se as moças, que, durante a adolescência, ainda descomprometidas com as atribuições de dona de casa e mãe de família, gozam de um momento fugidio, um instante que se eterniza no sabor das breves lembranças; tão breves quanto a brisa da adolescência em época estudantil, rompidas pelo matrimônio. É a única época de “liberdade” das mulheres de família. Entretanto, essa liberdade vigiada se configura como relativa, uma vez que família e sociedade atuam como agentes disciplinadores.

O controle dos homens sobre suas esposas e filhas e, também irmãs, se apóia fundamentalmente na noção de honra. A honra de um homem e, conseqüentemente, de seu nome e de sua família, reside na virtude de suas mulheres. A virtude do homem consiste, portanto, em saber guardá-las (STROZEMBERG, 1983, p.75).

A personagem Malvina é o reflexo contorcido das mulheres ilheenses socialmente “cristalizadas”, contrapõe a posição ocupada por estas, assumindo uma postura ideal-libertária. É a Filha do coronel Melk Tavares, homem de honra que governa sua família com “mãos de ferro”, assim como conduz sua fazenda. Malvina é testemunha da opressão machista, vê sua mãe e as senhoras de Ilhéus ser vítimas da tirania e do poder masculino.

[...] A vida humilhada da mãe a tremer ante Melk, a concordar, sem ser consultada para os negócios. [...] Melk com todos os direitos, de tudo decidindo. A mãe cuidando da casa era seu único direito. O pai nos cabarés, nas casas de mulheres, gastando com raparigas, jogando nos hotéis, nos bares com os amigos bebendo. A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a obedecer (AMADO, 2000, p.216).

A “filha do coronel”

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