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1. Dependência E Estabelecimento Da Confiança Na Obra De D. W. Winnicott

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Por:   •  26/11/2014  •  3.437 Palavras (14 Páginas)  •  840 Visualizações

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D. W. Winnicott trabalhou cerca de quarenta anos como pediatra em um hospital geral londrino, onde teve a oportunidade de atender a um elevado número de crianças e desenvolver um trabalho voltado para a psiquiatria infantil. Se nos debruçarmos sobre o pensamento desse autor, perceberemos logo o quanto suas inovações metapsicológicas estão relacionadas com a sua prática pediátrica, a qual lhe permitiu estabelecer uma teoria a respeito do desenvolvimento emocional primitivo humano. Influenciado, desde o início de sua prática clínica, pela perspectiva naturalista de Darwin, Winnicott orientou seu pensamento para a compreensão das condições ambientais necessárias ao desenvolvimento psíquico sadio.1 De fato, na esteira do darwinismo, Winnicott cunhou uma teoria geral do desenvolvimento emocional ancorada na idéia de um processo espontâneo que, dadas certas condições básicas, tenderia a desenrolar–se por força de um impulso natural. A afirmação de Darwin de que “não existe tendência absoluta para o desenvolvimento, exceto com base em circunstâncias favoráveis” (Philips, 1988) constitui um traço fundamental da teoria winnicottiana da constituição subjetiva e do desenvolvimento emocional. Daí depreende–se um cenário teórico–clínico segundo o qual indivíduo e ambiente não podem ser pensados independentemente, mas, ao contrário, como estando em permanente conexão. Tal consideração, por sua vez, põe em evidência outro aspecto fundamental da teorização winnicottiana sobre o desenvolvimento, qual seja, o processo vital pelo qual o indivíduo, em seu trajeto sadio, ruma da dependência absoluta em direção à independência e à integração crescentes.

Winnicott parte, portanto, da dependência do bebê em relação ao ambiente, postulando–a como fator central para o desenvolvimento emocional infantil. Essa é a premissa fundamental para explicar como um indivíduo cresce e adquire existência pessoal. Nos primórdios da vida, o recém–nascido é completamente dependente do meio ambiente, a ponto de não funcionar como uma unidade. Inicialmente não integrado, segundo o psicanalista, o bebê depende de certos cuidados ambientais para paulatinamente poder reconhecer sua unidade e sua continuidade no espaço e no tempo. Sua célebre afirmação, proferida no seio da sociedade britânica de psicanálise, condensa tal idéia: “Isso que chamam de bebê não existe” (Winnicott, 1958d/2000, p. 165). Sobre essa frase, Winnicott esclarece que só é possível falar de um bebê englobando o meio ambiente que o circunda, isto é, a mãe que o carrega nos braços, que se identifica emocionalmente com ele e se torna capaz, ao menos idealmente, de suprir suas necessidades iniciais básicas, sejam elas fisiológicas, sociais ou afetivas.

No vocabulário winnicottiano, ambiente, mãe e cuidados maternos devem ser considerados sinônimos, já que, no início, a mãe funciona, tanto em termos biológicos quanto em termos psicológicos, como o primeiro ambiente para o bebê. Com a criança ainda no útero ou no colo, sendo segurada e cuidada, a mãe fornece o ambiente físico que gradualmente se torna psicológico. O importante nessa equivalência de termos é perceber que a mãe, em um primeiro momento, é mãe–ambiente. E mais, conforme afirmado, ambiente, mãe e cuidados maternos não podem ser pensados de forma separada do bebê. Winnicott concebe um estado inicial de continuidade entre eu–não eu, cuja unidade não é o indivíduo isolado, mas sim o conjunto ambiente–indivíduo. Unidade esta que é dual, isto é, constituída por um recém–nascido absolutamente dependente dos cuidados maternos e por uma mãe que se encontra em um estado de preocupação materna primária.2

Propondo que “o centro de gravidade do ser não surge no indivíduo, mas na situação global” (Winnicott, 1958d, p. 166), Winnicott dedicou–se com afinco a descrever as condições necessárias a serem encontradas na relação com o ambiente para a maturação psicológica sadia do bebê. Tal preocupação acabou se traduzindo, em termos teórico–clínicos, na importância de a criança poder confiar no ambiente. De fato, a importância da confiança na obra do psicanalista salta aos olhos de todo leitor atento e, adquirindo importância crescente ao longo dos seus escritos e da sua prática clínica, fez de Winnicott um dos principais psicanalistas a efetivamente problematizar esse termo, transformando–o tanto num operador clínico quanto num conceito metapsicológico de fundamental importância.3

Ainda que os sentidos da confiança sejam múltiplos e se alterem conforme a própria descrição que Winnicott efetua do processo de desenvolvimento emocional da criança, é fato que esse conceito ocupa lugar central em sua obra (P. Salem, 2006). Influenciado pelo violento contexto da Segunda Guerra Mundial, período durante o qual trabalhou como consultor psiquiátrico no Condado de Oxford, o psicanalista notou nas crianças evacuadas de Londres os efeitos da quebra de continuidade nos relacionamentos e do esfacelamento radical da previsibilidade que fundamentava a experiência cotidiana no seio familiar inglês. Como afirma Phillips, a experiência da “evacuação se impôs de fora às mães e crianças, rompendo a continuidade dos seus relacionamentos” (1988, p. 63). A sensibilidade de Winnicott no trabalho com essas crianças fez com que ele notasse as estratégias que empreendiam para defender–se da imprevisibilidade e recuperar a familiaridade na relação com o ambiente. Seja, por exemplo, no recurso às tendências antissociais, no excesso de agressividade ou mesmo na hipertrofia da vida mental, Winnicott pôde observar que os esforços de certas crianças – semelhantemente ao trabalho analítico efetuado por alguns de seus pacientes –, orientavam–se para a recuperação de uma relação de confiabilidade com o ambiente. é fundamentalmente nesse contexto que Phillips afirma ter sido justamente “após o seu trabalho durante a guerra que” Winnicott pôde concluir que o “verdadeiro desenvolvimento somente pode advir, e é o processo de encontrar, ‘crença no ambiente’. Para Winnicott, a capacidade de ser espontâneo somente pode surgir de uma experiência inicial de confiabilidade” (Phillips, 1988, pp. 64, os itálicos são nossos).

Dependência e confiança tornam–se, nesse contexto, termos inseparáveis. Segundo Winnicott, a confiança começa a estabelecer–se na criança com o suprimento, pelo ambiente, das necessidades próprias ao início da vida infantil. Com base em um estado psicológico em que toda mulher grávida sadia ingressa pouco antes de dar à luz e que não ultrapassa algumas semanas após o nascimento do bebê – a preocupação materna primária –, a mãe torna–se apta a fornecer um ambiente especializado,

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